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A premissa básica é que os pressupostos adotados como balizadores da prática pedagógica da engenharia constituem uma fonte renitente de obstáculos educacionais e epistemológicos que inibem a mudança de visão e a assunção de objetivos claros e socialmente referenciados para a área técnica.

É possível que a educação tecnológica não tenha sido alvo, ao longo de sua história, de críticas tão veementes e de questionamentos tão ricos como os que vem experimentando atualmente. Ao invés de manifestar estranheza por estes fatos, podemos considerar bastante salutar que isso aconteça. Consideremos que, em algum momento de sua história, seria inevitável que isso acontecesse. Até porque jamais podemos esperar maturidade de uma área de conhecimentos sem que ela passe por momentos de crise; mais que isso: que ela seja alvo constante de reflexões, dúvidas, incertezas, análises, ovações. Por isso, nada a estranhar que críticas à própria tecnologia, como objeto de análise, vicejem num mar de necessários questionamentos, pois deles devem emergir constatações de necessárias inter-relações com todas as assumidas esferas de ação e conhecimento humanos.

Nesse sentido, um deslocamento dos aspectos mais tradicionais permite tratar aspectos da tecnologia através de inter-relações mais realísticas, conferindo sentido a abordagens que até agora eram consideradas como não pertencentes ao campo de ensino das técnicas. Tomam corpo, assim, novos entendimentos sobre a tecnologia e sobre o seu papel, aceitando-a como produção social, ou como sócio-sistema, da qual ela não pode ser separada. Portanto, neste entendimento, cabe aprofundar análises dos diversos aspectos que afetam a educação tecnológica, sob o prisma dessas novas compreensões.

Fundamentalmente, trata-se de analisar o pressuposto de que a tecnologia se resume a artefatos ou a aplicação da ciência (González García, Cerezo e Luján, 1996), e as conseqüências da assunção dessas concepções na sua estrutura pedagógica. Note-se que, para essa concepção restrita de tecnologia, a própria educação tecnológica não é considerada como sendo parte dela, mas apenas um meio para a sua configuração (uma peça importante da engrenagem), de modo que os agentes humanos que participam do processo são excluídos, restando para ela apenas os aspectos instrumentais. Como então chamar de tecnológica uma sociedade que não faz parte da tecnologia, mas apenas submete-se a ela? Essa questão será retomada ao longo dessas reflexões.

Cada vez mais, dúvidas a respeito da eficácia dos métodos e dos conteúdos da educação tecnológica, e das suas imbricações sociais, ganham espaços na mídia, nas conversas entre cidadãos comuns e nos meios acadêmicos. Às vezes, são veiculadas críticas severas, e muitas delas pertinentes, atingindo em cheio a supostamente tímida participação de seus resultados na busca de soluções para os problemas que se põem nas sociedades. Isso começa a preocupar inclusive setores sociais mais conservadores, para os quais a mudança é normalmente vista com muitas reservas, à medida que, a cada dia que passa, os problemas daí decorrentes tornam-se mais complexos. É de se esperar que estes problemas também sejam fruto do alto grau de entrelaçamento das questões técnicas com as diversas áreas do conhecimento humano.

Apesar de suas amplas contribuições na formação de mão-de-obra qualificada, que tem contribuído para sustentar a continuidade das evoluções tecnológicas, e até em função de críticas que vem sofrendo, não podemos esquecer que esta forma de educação, tal como se pratica, está de fato necessitando de alguns ajustes.

Reflexões acerca dos resultados e aplicações de tecnologias, que tanto deslumbram por suas badaladas utilidades, hoje mais do que nunca precisam entrar nas pautas de preocupações nos ambientes escolares, dada a admissão da importância do papel que a educação tecnológica possui num mundo reconhecido como tecnológico.

Por mais paradoxal que possa parecer, não há como negar que, apesar da importância que é atribuída aos conhecimentos científicos e tecnológicos atuais, com maior ênfase aos tecnológicos, através dos quais parece aumentar o poder humano de explicar e controlar a natureza, grande parte da população mundial ainda passa por problemas e necessidades injustificáveis, quando se consideram as possibilidades técnicas disponíveis para saná-las. A vontade política tem sido apontada como uma das grandes responsáveis para a solução destes problemas. Mas é de se supor também que reflexões e ajustes no processo de educação tecnológica possam contribuir significativamente para melhorias desse quadro.

Em vários dos países que começam a aprofundar suas análises acerca da imbricada relação entre desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento humano a inclusão de estudos no campo pedagógico e social toma importância ímpar.

Neste capítulo são apresentados e discutidos alguns dos pressupostos assumidos como fundamentalmente representativos da assunção de atitudes associadas ao ensino de engenharia. A identificação desses pressupostos está alicerçada no tripé formado pela vivência pessoal por mais de vinte e cinco anos como professor e pesquisador do departamento de engenharia mecânica da UFSC, pela literatura e aspectos curriculares próprios do ensino de engenharia, e pelo debate e literatura associada a temas CTS propiciados no contato com as áreas de humanidades (educação, sociologia e filosofia).

É perceptível a complexidade da tarefa e da responsabilidade de incitar reflexões a respeito de tais temas. Mas acredito ser necessário, indispensável e inadiável ampliar os debates em torno de questões sobre a natureza do conhecimento e das ações da engenharia que, por sua premência e atualidade, certamente se transformará, também no Brasil, em campo de estudo fundamental para o aprimoramento da tecnologia e do ensino tecnológico.