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A perspectiva normativa: o papel da mídia

Capítulo 2 O debate acadêmico

2.2 Terrorismo e mídia pelos teóricos

2.2.2 A perspectiva normativa: o papel da mídia

A presença constante da temática da violência política na mídia transformou o terrorismo em um tema familiar, tanto que para alguns autores sua cobertura jornalística praticamente deu origem a um novo gênero na ficção televisiva e gráfica (Schlesinger et all, 1983; Alali; Eke, 1991, apud MCQUAIL, 1998, p. 358).

Como o termo terrorismo possui uma forte conotação negativa por estar associado a violência, morte, ameaças contra inocentes e comportamento anti-ético, é aplicado freqüentemente com fins ideológicos e como enquadramento de determinados

tipos de acontecimentos. A caracterização de grupos ou fatos como terroristas pode ser utilizada com objetivos persuasivos para deslegitimar grupos nacionalistas ou movimentos rebeldes e de resistência que utilizem métodos violentos. Em suas reflexões sobre a cobertura do terrorismo na mídia, McQuail destaca que os meios de comunicação raramente utilizam o termo terrorismo para designar a violência política estatal. Em geral, a designação "terrorista" é atribuída a grupos e freqüentemente associada a coletivos étnicos ou a movimentos religiosos. É raro que seja aplicado de forma específica a um indivíduo ou à delinqüência comum, ainda que na atualidade acontecimentos associados ao crime organizado tenham sido enquadrados no gênero "terrorismo".

O debate sobre como a mídia deve agir na cobertura de crises está repleto de controvérsias. As situações de crise tornam mais evidente o papel da mídia e o terrorismo é uma dessas situações. Existe diferenciação entre situações nas quais a segurança, a integridade do Estado e a manutenção da ordem são centrais, e as situações caracterizadas por delinqüência comum, violência ou o simples desvio individual das normas convencionais. No primeiro caso, espera-se que os meios de comunicação apóiem as autoridades. No segundo caso, espera-se que haja consenso sobre os valores defendidos no sistema judicial e a ordem social, mas há muita divergência sobre até que ponto a mídia deve aceitar a responsabilidade de contribuir com a "vigilância" sistemática das normas e valores sociais (MCQUAIL, 1998, p. 349).

As divergências sobre a postura que a mídia deveria adotar são muitas. Defensores dos pontos de vista oficiais sugerem que os meios de comunicação ajudam os terroristas (ATWATER, 1987, apud MCQUAIL, 1998, p. 359). Alguns defendem ainda, aproveitando a expressão célebre de Margaret Tatcher, que a mídia proporciona ao terrorista o "oxigênio da publicidade", legitimidade ao permitir sua entrada no espaço informativo, debilitamento do poder e das forças de ordem ao potencializar o impacto dos atos terroristas com a veiculação dos fatos, além de incitar à imitação e colaborar com o terrorismo mediante o debilitamento do público pela intimidação e propagação do medo nas mensagens terroristas (MCQUAIL, 1998, p. 359).

Ainda que não haja estudos conclusivos que provem que a cobertura midiática do terrorismo produz tais efeitos, esses argumentos são suficientes para o estabelecimento de decisões baseadas no silêncio. Entre as soluções comumente

debatidas encontram-se a omissão total da cobertura dos fatos terroristas, cujo objetivo seria negar o "oxigênio da publicidade" a essa forma de violência política e a informação em defesa do interesse público. Neste caso, o debate gira em torno a diferentes possibilidades, que vão da neutralidade ao partidarismo.

A opção mais idealizada é a de fornecimento de informação neutra e para isso a mídia deveria comportar-se como observadora, transmissora e intérprete imparcial dos acontecimentos importantes. Outra postura possível seria a de participante ou advogada, que supõe assumir o compromisso com a vida política e social e exercer influência deliberada sobre os acontecimentos, o que pode ser traduzido em uma postura de defesa das vítimas, minorias e desvalidos. O terceiro modelo de compromisso poderia ser o de ator crítico, adversário e cão de guarda da coisa pública. A concepção da mídia como fórum de debate, por outro lado, posiciona os meios de comunicação como uma tribuna aberta a todas as vozes da sociedade e, nesse caso, deveria haver abertura também para a cobertura do terrorismo e espaço para o diálogo entre as partes. Por fim, pode-se adotar também a versão de custódia da coisa pública, da ordem, da moral e da conduta.

As categorias de concepção normativa do papel da mídia na sociedade relacionadas no parágrafo anterior correspondem a categorias citadas por McQuail (1998, p.135) como tipos de percepção que os próprios profissionais da mídia têm sobre seu papel social. Essas categorias refletem também o debate normativo sobre a postura que a mídia deveria tomar em relação ao terrorismo.

Apesar dos riscos de conivência e das críticas realizadas à cobertura midiática, os meios de comunicação também podem exercer um papel crítico que pode se materializar na criação de fama negativa para os terroristas, no oferecimento de um fórum pacífico para as discussões, na diminuição do grau de medo e tensão do público mediante o esclarecimento dos fatos e, de modo geral, na contribuição para a manutenção da lei e da ordem (Elliott, 1977; Kelly e Mitchell, 1981; Paletz el all, 1982; Curtis, 1984; Scanlon, 1989 apud MCQUAIL, 1998, p. 359). Sem esgotar a discussão no questionamento do papel da mídia como potencializador ou combatente do terrorismo, McQuail cita Schlesinger e colegas (1983), que destacam outras três perspectivas sobre o papel dos meios de comunicação. Para esses autores, a função da mídia pode ser de avaliação equilibrada do debate, reconhecimento da possível

legitimidade e coerção do Estado e uma perspectiva populista, que colocam as necessidades da lei e da ordem acima da legalidade, o que contribui ao apoio do terrorismo oficial e da guerra psicológica.

Para McQuail (1998, p. 361), as regras normais de equilíbrio informativo não são aplicáveis da mesma forma aos que se encontram fora da proteção da opinião pública e da lei, como é o caso do terrorismo. Como os atos violentos, o terrorismo é condenável do ponto de vista jurídico e geralmente rejeitado pela opinião pública. É possível que os líderes terroristas obtenham apoio para as suas causas, mas as atitudes específicas sobre a prática de atos violentos em si raramente dão origem à aceitação geral. A ausência de consenso sobre as regras jornalísticas a serem aplicadas nos casos de violência política faz com que os meios de comunicação adotem soluções particulares com o fim de apoiar as autoridades na luta contra o terrorismo. Isso significa, na opinião de McQuail (1998, p. 361), que a informação sobre o terrorismo é construída freqüentemente de uma maneira diferente de como se constroem as demais notícias. E existem, ainda, diferenças de formato, já que alguns são mais abertos que outros, como é o caso do documentário em relação à cobertura noticiosa.

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