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O conflito bipolar entre o Islã e o liberalismo ocidental de Paul Berman

Capítulo 2 O debate acadêmico

2.1 Teorias sobre o novo terrorismo

2.1.2 O conflito bipolar entre o Islã e o liberalismo ocidental de Paul Berman

Berman (2001) identifica o combate ao terrorismo pós 11 de setembro como um enfrentamento que segue o padrão dos conflitos armados típicos do século XX. Segundo observa Berman (2001, p. 1), a Primeira Grande Guerra supôs uma ruptura na crença no progresso e na racionalidade do mundo moderno, que passaram a ser vistos com horror. As reações antiliberais que surgiram na Europa disseminaram-se por todo o mundo ocidental e adotaram formas diversas, muitas vezes aparentemente opostas, como as reações comunistas, fascistas e totalitárias, cada uma lançando mão dos seus mitos e valores locais.

Movimentos antiliberais, de esquerda e de direita, opuseram-se radicalmente uns aos outros, embora lançassem mãos de idéias que caminhavam na mesma direção, marcada por uma visão de mundo maniqueísta, segundo a qual a sociedade adoece quando infestada desde dentro pelo mal, que recebe apoio de poderosas forças externas e que deve ser exterminado para libertar as pessoas de bem, mesmo que para isso sejam necessários banhos de sangue.

O ideal monolítico da sociedade purificada e imutável encontrou expressão em diversos movimentos nos quais a representação do bem foi projetada no proletariado, no povo ariano ou nos cristãos, enquanto que a solução definitiva apresentava-se tanto na forma da volta ao passado, quanto no salto para o futuro como, por exemplo, no estabelecimento no Terceiro Reich, na Nova Roma, no Reino de Cristo ou no Comunismo. Com o ideal apocalíptico da solução definitiva em mente, esses movimentos marcharam para guerras entre blocos, formados por redes internacionais de simpatizantes, adversários e aliados.

Para Berman (2002, p. 2), o lado liberal dessas guerras sempre adoeceu de divisões internas e da falta de certeza absoluta sobre si mesmo. As guerras do século XX foram guerras ideológicas, por tanto, em dois sentidos: liberais contra os antiliberais e ao mesmo tempo guerras uterinas representadas pelos questionamentos dos liberais

sobre si mesmos. Esses questionamentos, segundo Berman (2001, p. 2), fazem parte do liberalismo.

Da mesma forma que Laqueur (2004), Berman (2001, p. 2) vê no terrorismo a representação atual do conflito, que segue um padrão maniqueísta no qual o lado antiliberal (o mal) é representado hoje pelo fundamentalismo islâmico e pelo nacionalismo árabe radical. Para o autor, são eles os totalitários do século XXI, que iniciam a guerra ideológica que vai além da intervenção militar.

Berman (2001, p. 3) explica o conflito árabe-sionista com base nessa visão maniqueísta, marcada pela combinação, que ele denomina "letal", do desejo utópico de renovação e esterilização da sociedade com o medo das minorias diabólicas, que fatalmente representam risco de dinamismo e descaracterização do tradicional monolítico.

A causa do ódio aos EUA é o ódio ao dinamismo do liberalismo em si e seu êxito, que desperta a fúria e frustração dos antiliberais. Compreender o terrorismo como produto do mundo moderno possibilita, para o autor, observar uma série de verdades sobre a ira projetada contra os EUA:

As táticas terroristas evoluíram e hoje se caracterizam pelo ataque indiscriminado a civis inocentes. Essa tendência não se observa somente nos conflitos entre Israel e Palestina. Nos ataques contra americanos fora dos Estados Unidos, o foco também tem sido deslocado do militar para o civil. O mesmo pode ser observado ainda nos seqüestros e decapitações que vêm ocorrendo no Iraque.

Comparando-os com os nazistas e outros grupos totalitaristas, Berman (2001, p. 4) sugere que os grupos terroristas atuais matam pelo prazer de matar, movidos por idealismos e não por causas materiais. O objetivo é dizimar o inimigo.

O inimigo do liberalismo não é intangível. Existe fisicamente, está muito bem organizado e não está composto somente por meia dúzia de lunáticos. Trata-se de uma rede estruturada, que é a ala combatente do islamismo radical, e que é muito ampla.

Berman enxerga o problema do terrorismo como uma guerra ideológica. Para ele, o fato de que não se possa identificar o inimigo com um Estado não justifica a não

caracterização do conflito como uma guerra. Ele lembra que a maior parte dos conflitos importantes mais recentes foram conflitos civis, onde apenas um dos lados possuía um Estado.

A rede combatente do islamismo radical recebe apoio de empresários, clérigos e intelectuais e a captura de Bin Laden ou de militantes da Al Qaeda não significará o fim do terrorismo. Critica o governo Bush pela chamada à caçada a Bin Laden no estilo "velho-oeste", que contrasta com o entendimento mais profundo da natureza do inimigo refletido no discurso do presidente ao Congresso americano.

Em uma guerra ideológica marcada pela oposição do dinamismo ao monolitismo, da liberdade à verdade absoluta, da diversidade à pureza da sociedade imutável, as soluções apontadas por Berman (2001, p. 5) articulam-se em duas possibilidades: ou o islamismo e o nacionalismo árabe começam a atuar dentro dos limites de tolerância democrática, o que implicaria amplas mudanças em sua cultura política, ou devem ser aniquilados. Seria uma solução análoga à encontrada para os totalitarismos de meados do século XX: integração tolerável ou guerra total.

Berman (2001, p. 6) destaca ainda que alguns radicais poderão ser calados pela força, mas estamos diante de um problema de grandes proporções, caracterizado por movimentos de milhões que não podem ser domados pela força, mas somente pela persuasão. Seria necessário que líderes radicais adotassem novas posturas, como ocorreu no comunismo, depois das pressões de uma longa Guerra Fria, que levaria a críticas e a dissidências internas.

Berman (2001) defende, portanto, a retaliação bélica, uma vez que a guerra já foi declarada contra os EUA e contra o modelo democrático e liberal.

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