• Nenhum resultado encontrado

4.5 Os reflexos na pesquisa e na educação em contabilidade

4.5.1 A pesquisa em contabilidade

Conforme apresentado ao longo deste trabalho, o programa de pós-graduação stricto sensu em contabilidade da FEA/USP foi o único a titular doutores na área aqui no Brasil por 30 anos, fazendo com que a pesquisa em contabilidade no Brasil fosse pautada por esse programa e seus doutores (Peleias et al., 2007; Soares et al., 2016). Todavia, a perspectiva dos(as) egressos(as) do Multi, o segundo programa a formar doutores na área, a respeito da pesquisa em contabilidade poderá dar indícios do que acontecerá a partir do crescente número de programas stricto sensu em contabilidade ofertando o curso de doutorado e da quantidade de doutores no campo acadêmico contábil.

É de se esperar que com uma quantidade maior de programas, de cursos de doutorado e de pessoal titulado, a produção científica contábil brasileira aumente tanto quantitativamente como qualitativamente. No entanto, na visão da maioria dos(as) egressos(as) do Multi, a pesquisa em contabilidade, em um primeiro momento, aumentará apenas quantitativamente. Ao contrário, na visão de coordenador, C1 tem uma “expectativa quanto à melhora das pesquisas científicas [em contabilidade] no Brasil”. Assim como C1, E2 tem a expectativa de que o aumento no número de programas e doutores(as) gere uma aproximação entre eles refletindo positivamente na pesquisa com a criação de grupos de pesquisa. C2 acredita que a

pesquisa em contabilidade no Brasil encontra-se em uma fase de fortalecimento com os congressos e periódicos, criando corpo e alcançando algumas contribuições internacionais e que é preciso a criação de especialistas de áreas. Como exemplo, cita “o cara que passa dez horas por dia pensando em evidenciação”. A tabela 15 apresenta as publicações dos(as) egressos(as) do Multi.

Tabela 15 – Quantidade de artigos publicados pelos(as) egressos(as) QUALIS < 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 TOTAL A1 - - - 0 A2 34 11 14 18 10 13 15 115 B1 23 6 8 11 7 10 4 69 B2 20 9 11 11 10 10 13 84 B3 16 18 12 10 12 15 10 93 B4 44 12 11 16 10 20 18 131 B5 8 3 10 12 10 9 - 52 C 21 - - - 1 2 1 25 SEM QUALIS 5 - - - 1 - - 6 TOTAL 171 59 66 78 61 79 61 575

Fonte: Elaborado pelo autor

E3 afirma que “a maior oferta de doutores tende, no final, a fomentar o aumento da qualidade na pesquisa na área”. Corroborando com essa perspectiva, E8 afirma submeter artigos, após o doutoramento, “para revistas com um padrão maior que demora mais tempo para avaliar os artigos” e que não procura mais periódicos com baixa qualificação. Porém, essa não é a percepção da maioria dos(as) egressos(as). E6 afirma que “o número de pesquisas vai com certeza aumentar. Agora, a qualidade, só o tempo dirá”. Para ele, só será possível auferir a qualidade das pesquisas a partir do momento que o número de programas no campo acadêmico contábil estiver consolidado.

Para E11, não há “sombra de dúvidas” que a quantidade de pesquisas vai aumentar, “você está vendo o número de doutores que o programa [Multi] já formou?” Porém, com relação à qualidade das pesquisas, E11 tem uma outra visão, para ele as pesquisas tendem a “ganhar corpo ao longo dos anos”. E21 também acredita no aumento do número de pesquisas e publicações, pois a cobrança sobre os (as) doutores(as) de contabilidade é muito grande. E27 e E29 têm visões semelhantes. Para eles, faz parte do processo o “boom” de revistas e artigos sem qualidade é “natural”. Segundo E29, primeiro tem um aumento quantitativo, cria- se uma “gordura” e depois começa-se a filtrar os melhores trabalhos. E27 afirma que "só o

fato de ter mais gente propondo estudos ou discutindo assuntos já ajudará muito a evolução das Ciências Contábeis”.

E29 pondera que, em parte, o aumento e a falta de qualidade das pesquisas em contabilidade se devem ao “sistema de pós-graduação brasileiro”. A CAPES impõe metas de produtividade, a quantidade tende a aumentar, mas, muitas vezes, não há qualidade nos trabalhos publicados. E1 pontua que a forma de incentivo à produção científica está equivocada, pois ela não favorece a pesquisa e o desenvolvimento científico, já que privilegia o título de doutor em detrimento de quem efetivamente faz pesquisa. Ele cita a si mesmo como exemplo. Como mestre e docente assistente de uma universidade federal, não se sentia incentivado a produzir porque mesmo que tivesse inúmeros projetos de pesquisa e uma quantidade grande de bolsistas, não teria disponível para si nenhum recurso, visto que todos os recursos são destinados aos detentores do título de doutor:

no frigir dos ovos, eu acho que a pergunta é anterior, os mecanismos que a gente adota nas universidades é que estão errados, eles deveriam sim privilegiar a melhoria da qualidade da informação e a produção acadêmica, mas o fato de termos mais doutores com o contexto atual, com esses mecanismos de agora, eles não favorecem. E, então, assim, você vai ter mais doutores, mas você não vai ver isso aí espelhado em melhores ou mais artigos ou, enfim, mais discussão, você não vai ver. Você vai ver pessoas que têm doutorado ganhando dinheiro e você não vai ter a contrapartida deles para as suas respectivas instituições.

E2 tem uma visão de cooperação, tanto entre as instituições como entre os doutores. Para ele, os 13 programas stricto sensu em contabilidade que oferecem o curso de doutorado, assim como seus colaboradores, deveriam se unir, criar grupos de pesquisa, no sentido de, assim como C2 pontuou, fortalecer a pesquisa em Ciências Contábeis. Apesar dessa visão cooperativista, E2 não deixou de, assim como E1, criticar o sistema que valoriza a quantidade em detrimento da qualidade da produção científica. Para ele, as pesquisas não são feitas em um, dois, ou seis meses. É preciso tempo, um grupo focado, porque o doutor em contabilidade tem que desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão e acaba não fazendo “nada bem feito”, além das atividades administrativas e de gestão que são “atividades extremamente onerosas, não dá para você estar em um cargo de gestão e ser pesquisador” e interferem negativamente na qualidade das pesquisas.

E8 não entra no mérito da superprodução de artigos ou do incentivo à produção de pesquisas. Para ele, o nível das pesquisas era básico e, com um aprofundamento metodológico com a incorporação dos modelos econométricos, que inclusive foi muito cobrado pelo Multi na disciplina de Métodos Quantitativos, “o nível da pesquisa tem melhorado”. Além disso, uma maior quantidade de programas de pós-graduação stricto sensu e de doutores em contabilidade proporciona o desenvolvimento e o fortalecimento de áreas de contabilidade

não tradicionais, como aconteceu com a contabilidade pública. E23 corrobora com a fala de E8, ao afirmar que haverá um número e uma diversificação maior de periódicos fazendo com que sejam selecionadas as melhores pesquisas para periódicos apropriados.

E16 enfatiza que “apesar de nossa pesquisa em contabilidade ser desde a década de setenta aqui no Brasil, a gente ainda é muito imaturo, a nossa pesquisa ainda é muito imatura, a gente tem muito a evoluir ainda”. Exemplificando essa imaturidade, relata um caso que pode estar atrelado à superprodução de artigos:

eu, como editor da revista, nunca imaginei que alguém fosse submeter um artigo para revista, eu retornar o parecer dos avaliadores e essa pessoa não me dar nenhuma resposta depois de dois meses eu cobrando resposta; depois da terceira cobrança, a pessoa dizer que não vai mais querer continuar com a submissão porque não consegue fazer o que foi pedido. Nunca imaginaria que alguém poderia fazer isso. A nossa área ainda tem muita gente descompromissada.