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Outra questão abordada nas entrevistas com os(as) egressos(as) do curso de doutorado do Multi foi a disposição dos agentes no campo. Quando havia somente o programa da FEA/USP, todos os recursos financeiros, materiais, etc. destinados para a pesquisa e educação em Ciências Contábeis eram destinados a ele e o espaço no campo era ocupado por seus titulados. Isso fazia com que os(as) doutores(as) em contabilidade disputassem somente o mercado da região sudeste, “eu quero ser professor da FEA/USP porque a FEA/USP é a melhor” deixando regiões “extremamente carentes” de pessoal qualificado esquecidas (E12). A partir do momento em que novos cursos de doutorado surgem, eles se inserem neste campo e precisam dos mesmos recursos que antes eram destinados somente à FEA/USP.

Para E7, a FEA/USP perdeu o monopólio, “deixou de ser a única, que era referência nacional e era quem formava esses mestres e doutores que me formaram, por exemplo, então,

todos os meus professores foram egressos da FEA/USP, eles tinham uma forma de trabalhar. Eu, que já vim do Multi, já levo o programa de uma outra forma”. E8 considera esse aumento de programas e doutores “um processo natural” e que o aumento da concorrência vai acontecer

porque por muitos anos só teve o programa da FEA/USP. Então, a gente tem efetivamente poucos profissionais de contabilidade, poucos professores, poucos doutores, poucos mestres, em atividade no país, mas vem mudando e . . . a tendência é melhorar o nível, a quantidade e qualidade dos profissionais da área. Por exemplo, quando eu fiz o meu concurso quatro interessados se inscreveram. Tem um concurso aberto agora, que inclusive é para minha vaga [mestre], que conta com 30 inscritos. (E8)

Segundo E27, não são apenas os recursos financeiros provenientes da CAPES, principalmente, que terão uma concorrência maior com o aumento de programas de pós- graduação stricto sensu na área. Os docentes doutores e até mesmo os candidatos às vagas de mestrando e doutorando serão disputados entre os diversos programas. E27 afirma que os recursos são excessos e que os programas de pós-graduação disputam esses recursos. Como exemplo, o entrevistado citou o processo de seleção do ano de 2016 para o programa stricto sensu de sua instituição. Dois candidatos foram selecionados por seu programa, também foram aprovados em outros dois programas. É interesse dessas instituições que esses candidatos a escolham, pois, se foram selecionados, são capacitados e os melhores entre todos os outros candidatos. Sendo assim, houve uma “concorrência” entre três instituições por esses discentes. Para E27:

são pessoas bastante dedicadas e que contribuem bastante para manter a qualidade do curso; são excelentes alunos. É fundamental para nós termos um excelente curso, excelentes alunos, boa qualidade dos professores, etc. Mas acho que eles disputam também o aluno, o candidato, se você vê um excelente candidato, você faz tudo para trazer para o teu programa; mas faz tudo dentro das regras normais, sem ultrapassar as regras de boa convivência.

O Multi aproveitou-se da carência e consequente demanda por pessoal qualificado para a docência em contabilidade nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do país, a qual a FEA/USP não conseguia atender sozinha. Para isso, o programa precisou unir recursos de quatro instituições federais, que posteriormente passaram para três, e contar com um auxílio financeiro do CFC. E9 considera que “a FEA/USP tem o prestígio do pioneirismo, mas que isso, de fato, é uma luta que os programas [novos] têm pela frente”. A partir do momento em que o número de programas stricto sensu em contabilidade no Brasil passou dos 20, sendo que 13 deles oferecem o curso de doutorado e as fontes de recursos para a pesquisa e educação não sofreram grandes mudanças, ou seja, continuam sendo as agências de fomento as principais financiadoras desses programas e de seus membros, coloca-se uma questão: como será a distribuição de recursos e o posicionamento dos agentes no campo?

Para E1, a existência de vários programas não é um problema. O problema se encontra no critério utilizado para a distribuição de recursos que é o conceito da CAPES e a consequente supervalorização da produção acadêmica. Um programa com conceito baixo representa menos recursos, “recursos de deslocamento, de diária, de pesquisa e etc.”. A disputa entre esses programas será inevitável, porque, segundo E1, “cada um vai querer ter uma nota melhor, para poder barganhar ou angariar recursos ainda mais neste contexto de contingenciamento que a gente vive aqui [no Brasil]”. E26 afirma que a chegada de novos programas “valorizou a USP”. Para o entrevistado, o programa da USP, em função do que construiu ao longo de sua trajetória, continuará na liderança e o surgimento de novos programas fará com o campo acadêmico contábil cresça. Novos programas ajudarão a criar uma “massa crítica, uma base de pesquisa” que contribuirá para o desenvolvimento do programa da USP e dos demais programas.

Contrariamente, C2 acredita que o aumento na quantidade de programas de pós- graduação stricto sensu em contabilidade gera um impacto positivo para a área e não vê a disputa entre eles por recursos como algo ruim. E4 pondera que a concorrência é boa, pois, quanto maior a competição, a qualidade tende a aumentar. E3 acredita não haver espaço para todos os agentes e que a concorrência será inevitável: “aí, espera-se que por conta de uma maior concorrência, os projetos de maior qualidade sejam contemplados em editais, em participações”. Para E26, a concorrência “gera uma reação de quem está no status quo, sendo um processo natural de ajuste de mercado, onde você é e tenta ser repelido, você é um concorrente, inconscientemente isso acontece”. A fala de E26 pode ser analisada a partir de Bourdieu (2008a) quando afirma que há espaço para todos, mas quem está ocupando determinada posição não quer ceder e cria suas próprias barreiras para que o outro agente não adentre nele.

E6 defende que a credibilidade do campo acadêmico contábil está muito ligada à forma como a área se comporta em termos de sociedade organizada. O contador, em alguns países, inclusive os considerados desenvolvidos, é muito bem quisto e a área tem uma grande reputação. Para E6, uma quantidade maior de programas e doutores poderá ajudar com que a contabilidade no Brasil passe a ser efetivamente tratada como ciência. Em sua visão, as disputas não devem se restringir a doutores, mestres e programas de contabilidade, mas devem servir para que a área seja fortalecida e reconhecida. A instituição onde trabalha é uma instituição grande e, segundo ele, a estrutura universitária “só funciona para doutores”.

Os novos agentes, que são os programas stricto sensu em contabilidade e os mestres e doutores titulados por esses programas, tendem, nos termos de Bourdieu (1983a, 2008b), a dar

mais autonomia para o campo acadêmico contábil, pois darão uma maior credibilidade às regras existentes dentro dele. Para E7, os novos agentes retroalimentam o próprio campo na medida em que “se não tivesse essa diversidade, por exemplo, quando é que eu ia ser chamada para fazer parte de uma banca? Quando era só FEA/USP, só tinha o pessoal da FEA/USP participando. Então, essa rede alimenta outra rede que alimenta outra rede que alimenta outra rede”. Parece algo até óbvio, o surgimento de novos programas ocasiona a titulação de mais mestres e doutores, que, consequentemente, acarreta na criação de eventos, congressos, periódico, etc. e no aumento de bancas para concursos e de defesas de dissertações ou tese, alimentando e retroalimentado o próprio campo, tornando-o mais autônomo. E13 pontua que sempre foi um “sonho” a implementação do mestrado na instituição em que atua, pois naquela região não há programas stricto sensu na área. Por isso, a instituição em que atua incentiva e auxilia financeiramente seus docentes a buscarem o doutoramento, custeando as viagens.

E10 possui uma percepção parecida com E7. Para ele, ainda há demanda por doutores em contabilidade, pois a quantidade de titulados ainda é muito baixa e ainda existem vagas para doutores “que não são preenchidas porque não tem pessoal formado”.

Então, houve um crescimento exponencial na quantidade de programas e obviamente na formação de doutores. Se pararmos para pensar por outro lado, a quantidade de doutores em contabilidade é muito baixa, infelizmente, ainda é muito pequena e logicamente que isso dá uma demanda, uma oferta grande, digamos assim, uma oferta de empresas, de academia, de vagas para doutores que não são preenchidas porque não tem pessoal formado, não tem. Na medida em que vai se formando doutores, para formar doutores, precisa de doutores. Na medida em que nós vamos formando, nós vamos formando novos programas, então, por isso que surgiu do Multi surgiu o de João Pessoa, estamos a, digamos assim, daqui uns dois, três anos tem o projeto para o doutorado da UFRN. (E10)

Nas entrevistas, é possível captar também as estratégias adotadas pelas instituições de ensino no campo acadêmico contábil e a disputa entre diferentes áreas. Os doutores titulados pelo Multi, por não existir uma quantidade relevante de doutores em contabilidade, tornam-se uma espécie de capital para essas instituições, para suas pretensões de criarem um programa de pós-graduação ou de fortalecer o que já possuem com vistas à criação de um curso de doutorado, de conseguirem mais recursos financeiros junto às agências de fomento, para terem prestígio e assim atraírem mais alunos de graduação. Ao analisar os currículos Lattes dos(as) egressos(as), destaca-se que mais da metade já trabalhava, antes do ingresso no doutorado, nas instituições participantes do Multi e, após o doutoramento, esse número aumentou. Além disso, 24,4% dos(as) egressos(as) mudaram de instituição após a conclusão do doutoramento, seja a convite ou por interesse próprio.

E10 salienta que, para formar doutores, são precisos doutores e graças aos novos doutores são criados novos programas de pós-graduação stricto sensu em contabilidade. Um dos objetivos do doutoramento para E11 era dar condições para que sua instituição criasse o programa de pós-graduação stricto sensu em contabilidade, auferindo maior visibilidade para o curso de contábeis, porém, somente “uma equipe com mais titulação” conseguiria isso. E27 destaca que, além da titulação, a produção acadêmica e científica desses doutores(as) também é importante, pois é um dos requisitos da CAPES para a recomendação do programa de pós- graduação stricto sensu.

E7 fala que seu “departamento era um dos poucos que tinham professores só com mestrado. Então, existia uma cobrança institucional para ter formação de doutorado . . . o apelo institucional me fez buscar o programa”. E3 disse que recebeu sondagens de outras universidades federais para sua redistribuição, algumas lhe prometiam um reinado, “você será o rei aqui, o único doutor”, outras argumentavam que ele teria a companhia de outros doutores, facilitando seu acesso a projetos de pesquisa e a um programa de pós-graduação. Com uma visão diferente, E12 afirma que há mais oportunidades em uma instituição onde não há tantos doutores, porque em instituições com muitos doutores “os espaços acabam sendo muito mais disputados do que aqui”. E8 foi convidado a compor o quadro docente de uma instituição que já possuía um programa de pós-graduação e aceitou o convite por dois motivos: o primeiro, familiar e o segundo, “a possibilidade de trabalhar na pós que lá [instituição da qual saiu] não tinha”.