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3.3. Abordagem metodológica

3.3.1. A pesquisa narrativa

Bolívar (2002) identifica o „surgimento‟ da pesquisa narrativa, fazendo frente a um descontentamento pós-moderno das grandes narrativas, e a reivindicação de um sujeito pessoal nas ciências sociais, que, a cada dia vem ganhando mais relevância. Segundo o autor, a pesquisa narrativa comporta um enfoque específico de investigação com sua própria credibilidade e legitimidade para construção de conhecimento em educação. A investigação narrativa vem negar o ideal positivista, pois os informantes falam deles mesmos, sem silenciar sua subjetividade.

O entendimento desse processo passa por considerar a „virada hermenêutica’ como cita Bolívar (2002):

A pesquisa biográfica e narrativa em educação situa-se, portanto, na "virada hermenêutica" que ocorreu nos anos setenta, nas ciências sociais. De uma instância positivista se passa a uma perspectiva interpretativa, na qual o significado dos atores se converte no foco central da investigação. Se entenderão os fenômenos sociais (e, dentro deles, a educação) como "textos", cujo valor e significado, principalmente, são dados pela auto-interpretação em que os

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assuntos/temas são relatados em primeira pessoa, onde a dimensão temporal e biográfica ocupa uma posição central.93 (p. 2).

E é nesse sentido que a presente pesquisa caminha. Uma metodologia narrativa num viés da hermenêutica, buscando sempre uma perspectiva interpretativa dos sujeitos e da constituição docente em Matemática à distância.

A hermenêutica permite a compreensão da complexidade das narrações que os sujeitos fazem dos dilemas em suas vidas. A investigação, nesse contexto, objetiva dar sentido e compreender a experiência vivida e narrada, em vez de tentar explicar as trajetórias de formação pela relação causa-efeito.

Bolívar (2002) afirma que a narrativa não é só uma metodologia, mas uma possibilidade de construir uma realidade, pois se assenta em uma ontologia. A individualidade não se explica somente por referências extraterritoriais, daí a importância de partir do entendimento da subjetividade, que é uma condição necessária do conhecimento social.

A narrativa não só expressa dimensões importantes da experiência vivida, mas, mais radicalmente, medeia a experiência e configura a construção social da realidade. (...) O jogo de subjetividades, em um processo dialógico, torna-se um modo privilegiado de construir conhecimento. (BOLÍVAR, 2002, p.4) 94

A experiência vivida, os relatos dos sujeitos de pesquisa, a constituição docente em um curso de Matemática à distância perpassavam, a todo momento, no movimento de investigação.

Precisava conhecer esses alunos-professores, sujeitos da pesquisa, suas trajetórias de vida, como chegaram até ali e ouvir suas próprias narrativas de formação. Como se viam em um curso à distância? Que saberes se constituíam nessa formação? Como captar essas experiências? Como essas histórias seriam contadas?

Procurando compreender melhor a investigação/pesquisa narrativa, ancorei-me em Clandinin e Connelly (2000), os quais definem a investigação narrativa como “um

93“La investigación biográfica y narrativa en educación se asienta, pues, dentro del “giro hermenéutico”

producido en los años setenta en las ciencias sociales. De la instancia positivista se pasa a una perspectiva interpretativa, en la cual el significado de los actores se convierte en el foco central de la investigación. Se entenderán los fenómenos sociales (y, dentro de ellos, la educación) como “textos”, cuyo valor y significado, primariamente, vienen dados por la autointerpretación que los sujetos relatan en primera persona, donde la dimensión temporal y biográfica ocupa una posición central”.(p.2)

94 “La narrativa no sólo expresa importantes dimensiones de la experiencia vivida, sino que, más

radicalmente, media la propia experiência y configura la construcción social de la realidad. (...) El juego de subjetividades, en um proceso dialógico, se convierte em un modo privilegiado de construir conocimiento.”(p.4)

100 modo de compreender a experiência. É uma colaboração entre o investigador e os participantes, através do tempo, num lugar ou numa série de lugares, e em interação social com seus pares.” (p.20).

O que fundamentava uma escolha de pesquisa narrativa? Essa era a engrenagem do processo investigativo: a experiência da atuação, a experiência da constituição docente em Matemática, a experiência da formação e a experiência da formação à distância. Jaramillo (2003) afirma que a investigação narrativa é um método de pesquisa educacional que vem sendo desenvolvido e estudado pelos pesquisadores canadenses D. Jean Clandinin e F. Michael Connelly (1995; 2000). Os autores se ancoram teoricamente em diferentes campos científicos – cujo objeto de estudo é o ser humano – para definir o que é a investigação narrativa. Assim, baseiam-se na filosofia da educação (Dewey e Noddings), na antropologia (Geertz, Bateson), na psiquiatria (Coles), na teoria organizacional (Czarniawska) e na psicologia (Polkinghorne). Assumem, assim, que os

seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que, individualmente e socialmente, vivem vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma como os seres humanos experienciam o mundo. (CLANDININ e CONNELLY, 1995, p. 11)95

A perspectiva central que os autores explicitam sobre os processos de pesquisa narrativa é a compreensão de que os sujeitos estão vivendo suas histórias em um texto que vai sendo construído sobre suas experiências e estão contando suas histórias em palavras, enquanto refletem sobre a vida e dão explicações sobre si aos outros. Para o pesquisador, essa é uma parte difícil da narrativa, porque a vida também é uma questão de crescimento em direção a um futuro imaginado, envolvendo assim o recontar histórias e a tentativa de reviver as histórias. Uma pessoa está, ao mesmo tempo, engajada em viver, contar, recontar e reviver histórias (Connelly & Clandinin, 1990). São as narrativas que possibilitam entender como os seres humanos interpretam e dão significado às suas experiências. É um constante contar e recontar de histórias, explicitando e dando sentido a seu passado, a seu presente e projetando o futuro.

95 Human beings are storytellers agencies, organizations, individually and socially, we live lives reported.

101 A base da investigação é a experiência de formação desses professores. Como estudá- la? Uma das possibilidades é a pesquisa narrativa; essa é a estrutura fundamental que Clandinin e Connelly (1995) apontam e que assumo nesta pesquisa.

A narrativa é a qualidade estruturada da experiência vista como um relato. Trama argumental, sequência temporal, personagens, situação são constitutivos de uma configuração narrativa. (Clandinin & Connelly, 2000). Ela é uma forma, um meio de dar uma identidade ao próprio eu, de constituir-se. O ato de narrar confere significado aos eventos da própria vivência e pode retomar sentidos que as ações passadas produziram.

Os sujeitos, ao relatarem suas experiências, que, de acordo com Garnica (2004), são experiências deles mesmos, intransferíveis como experiências, fornecem ao pesquisador elementos para que este compreenda aspectos de sua realidade ainda não considerados. O pesquisador é que precisará detectar esses momentos por meio dos significados que atribui ao que o sujeito diz.

Segundo ELBAZ (1991, p.3 apud Bolívar, 2002), a narrativa

é a verdadeira matéria do ensino, a paisagem em que vivemos, como professores ou pesquisadores, e na qual podemos apreciar o sentido do trabalho dos professores. Esta não é apenas uma pretensão acerca do lado emocional ou estético da noção de relato, de acordo com uma compreensão intuitiva de ensino; mas, pelo contrário, uma proposta epistemológica, que o conhecimento dos professores expressa em seus próprios termos por narrativas e pode ser melhor compreendido desta forma.(p. 7-8).96

A intenção da investigação a partir das narrativas buscava, na captação de experiências dos alunos-professores, essa relação, essa paisagem, nas quais os saberes relacionados à prática e a academia estavam se configurando e poderiam ser melhor compreendidos. Nessa perspectiva, de um caso se passa a outro, não se buscam generalizações; a preocupação não é identificar cada caso numa categoria geral. O que importa, segundo

96 La narración es la verdadera matéria de la enseñanza, el paisaje em que vivimos como profesores o

investigadores, y dentro de la que se puede apreciar el sentido del trabajo de los profesores. Esto nos es solo uma pretensión acerca del lado emocional o estético de la noción de relato, según una comprensión intuitiva de la enseñanza; es, por el contrario, una propuesta epistemológica, que el conocimiento de los profesores se expresa em sus próprios términos por narraciones y puede ser mejor comprendido de este modo. (p. 7-8).

102 Bolívar (2002), são os mundos vividos pelos entrevistados, os sentidos singulares que expressam e as lógicas particulares de argumentação.

Teles (s.d) chama a atenção para a dimensão política do caráter narrativo. A memória é possível por meio da elaboração subjetiva e sua expressão política, na ação, se realiza através da narrativa. “O narrador, ao fazer da narrativa um realocar do pensamento junto à experiência, inicia a reconciliação entre a ação humana e a realidade, o significado e a aparência, a filosofia e a política.” (p.6)

Walter Benjamin (1986), em O Narrador de Nikolai Leskov, afirma:

A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal

de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o „puro em si‟

da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para, em seguida, retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (p.204).

Ricoeur (1995) destaca que a ação significativa é um texto a interpretar, e o tempo humano se articula de modo narrativo. Esse texto a interpretar é também um aspecto relacional na pesquisa, defendido como um dos critérios de validade, por Denzin e Lincoln (2006), quando afirmam que

(...) lembramos que nossos maiores resultados como contadores de histórias surgem quando expomos as tramas culturais e as práticas culturais que conduzem nossa mão ao escrever. Tramas e práticas que nos levam a enxergar coerência onde ela não existe, ou a criar o significado sem que haja uma compreensão das estruturas mais amplas que nos dizem para narrar as coisas de uma determinada forma. (p.405)

Descrever essas tramas se tornou essencial na maneira de ver e viver esta pesquisa. Captar os movimentos de formação desses alunos-professores de Matemática, e o que se deu nesse percurso, foi o que imprimiu uma cadência própria à interpretação das falas e das observações feitas em relação aos sujeitos e a construção da narrativa sobre eles. Assumindo esse termo-chave  Experiência, é que se considera o movimento de formação dos sujeitos. Aprendemos a nos mover entre o pessoal e o social; e simultaneamente pensamos sobre o passado, presente e futuro, expandindo por milênios. Configura-se na pesquisa o “three-dimensional narrative inquiry space”97.

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103 Na pesquisa narrativa, entende-se esse espaço tridimensional, conforme Clandinin e Connelly (2000), definindo os termos trabalhados: pessoal e social (Interação); passado, presente e futuro (Temporalidade/Continuidade); combinados e articulados com a noção de espaço/lugar (Situação).

Este conjunto de termos cria um espaço de investigação narrativa tridimensional metafórico, com a temporalidade ao longo de uma dimensão, o pessoal e o social ao longo de uma segunda dimensão, e o lugar ao longo de uma terceira. Usando esse conjunto de termos, qualquer pesquisa, em particular, é definida por esse espaço tridimensional: estudos têm dimensões temporais e tratam de assuntos temporais; focam no pessoal e no social em um equilíbrio apropriado para a pesquisa; e ocorrem em específicos lugares ou sequência de lugares. (CLANDININ & CONNELLY, 2000, p.50) 98

Reconhecer a interação, no âmbito pessoal (inward), é caminhar em direção às condições internas do sujeito, como os sentimentos, esperança, disposições morais. No âmbito social (outward), em direção a condições existenciais, isto é, o ambiente. A relação de continuidade (backward and forward) é a temporalidade identificada no movimento de passado, presente e futuro. Clandinin e Connelly incluíram aos estudos iniciados por Dewey a dimensão do espaço/lugar com o ambiente. Verifica-se o espaço concreto/físico e as fronteiras nos cenários da pesquisa. “(...) Intersecção de lugar e tempo (...) vida é uma construção (...) Choque de cultura (...) histórias foram conectadas (...)”. (p.54) 99

Definidos a abordagem de pesquisa qualitativa, um paradigma interpretativo e como método, a pesquisa narrativa, passo a descrever os procedimentos utilizados no desenvolvimento da presente investigação. Eu me envolvi na trama da escolha de procedimentos que dialogassem com o objeto de investigação e que me permitissem capturar melhor os meandros sobre a experiência da constituição docente em Matemática à distância.

98 This set of terms creates a metaphorical three-dimensional narrative inquiry space, with temporality

along one dimension, the personal and the social along a second dimension, and place along a third. Using this set of terms, any particular inquiry is defined by this three-dimensional space: studies have temporal dimensions and address temporal matters; they focus on the personal and the social in a balance appropriate to the inquiry; and they occur in specific places or sequences of places. (p.50).

99 “(...) intersection of place and time (...) life is a construction (...) culture shock (...) stories were

104 3.4. Procedimentos

A configuração dos procedimentos da pesquisa reflete a sua abordagem e seu paradigma na compreensão do sujeito em sua constituição docente em Matemática à distância. Desde a aproximação do campo, dos cenários, do curso, dos sujeitos, busquei estruturar um „amálgama‟ de procedimentos que pudessem, ao máximo, captar o movimento de formação que a investigação pretendia. Nesse sentido, passo a descrevê-los.