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OPOSSÍVEL ENCONTRO DE SABERES

E, ahn aí foi assim que eu fui para Matemática.

4.3.4. Saberes do curso

O curso teve início, e a expectativa de todos foi grande quanto ao formato da Matemática que se ensinaria e da modalidade de Educação à Distância. Tudo que os alunos ouviram no início do curso dava a entender que a proposta era interessante e que tanto o conhecimento que eles traziam quanto o que o curso ensinaria seriam valorizados. Teriam liberdade de interagir com os conteúdos, e a dedicação de cada um é que seria o grande diferencial. Lincoln então escreveu:

Eu imaginava que o ensino à distância seria a possibilidade de o aluno, de posse de bons materiais didáticos, desdobrar-se-ia sobre eles, faria exercícios, receberia monitoração à distância e prestaria as provas objetivando sua graduação. (...)

Tal ideia acabou por se confirmar como uma realidade, uma prazerosa realidade.

(Excerto do Memorial 03/03/09)

Ele esperava que o curso à distância pudesse não só questionar aspectos do „que está por trás daquela Matemática que se ensina e aprende‟, fruto de suas angústias, bem como articular “questões filosóficas” do ensinar Matemática. Mas, para ele, isso não acontecia, pois via que para a instituição insistia na transmissão do conteúdo.

Ao mesmo tempo em que se via professor de Matemática, via-se como aluno de Matemática, mas com outra ótica, com a ótica daquele que já experienciava cotidianamente o exercício docente e naquele momento o comparava com o exercício discente. Seria outro docente a partir daquela formação? O que acrescentaria? O que

149 renovaria? O que ele veria? Perceberia algum engano em relação a algo que havia ensinado e tentaria compreender o processo que estava engendrando aquele ensino? Existiria o certo ou errado na formação de professores que já exerciam a docência? Eram questões que, como pesquisadora, me incomodavam e que, de alguma maneira, em conversas com o Lincoln, o faziam pensar.

Para ele o curso iria priorizar os conhecimentos que eles, alunos-professores, já traziam de suas vivências em sala de aula, mas isso não acontecia. Essas vivências estavam relacionadas ao saber da experiência: os conceitos por eles trabalhados matematicamente; a linha de construção teórico-conceitual feita por eles; a relação entre esses conhecimentos e o conhecimento acadêmico. Ele esperava que situações cotidianas de sala de aula de Matemática fossem problematizadas, que a relação professor/aluno fosse também melhor trabalhada. Mas isso não acontecia; na percepção de Lincoln não cabia isso na proposta e visão do curso desenvolvido, e estabelecia-se uma percepção da não valorização ou consideração dos saberes que os alunos- professores traziam.

Será que o curso à distância em Matemática estaria também à distância dos saberes dos alunos-professores? Aconteceriam duas distâncias, metaforicamente?

Existia um projeto a ser seguido, um cronograma a ser executado e muitas pessoas a serem formadas sob a chancela da universidade pública. Eram muitas as variáveis presentes, além de considerar tempo e discussão de experiências docentes não legitimadas pela academia. O material era de outra instituição, diferente da que promovia o curso, e os professores e tutores tentavam mediar o processo, mas com vistas a resultados, dos quais o principal era vencer o conteúdo do módulo.

Ele via a Educação à Distância como possibilidade de desenvolver o que chamou de autodidatismo, mas também fazia críticas ao material, que poderia ser melhor, para dar mais sentido ao curso à distância. Reflexões que ele fazia sobre sua formação.

O curso era estruturado quase que da mesma forma que o curso presencial em Matemática, e não havia uma orientação sobre estratégias de estudo, a não ser uma disciplina sobre EaD no primeiro período.

O curso acontecia, e Lincoln participava, na medida do possível, das propostas de interação. Através da plataforma Moodle de educação à distância, os professores se organizavam, e as disciplinas eram orientadas por semanas e temáticas. Atividades eram

150 propostas, como fóruns de discussão e exercícios, e acompanhadas por tutores presenciais, tutores à distância e pelos professores das disciplinas, através de videoconferência.

Presenciei uma videoconferência e percebi que tudo funcionou muito bem, o tutor deu o suporte necessário, o professor na cidade “matriz” explicava os exercícios de Álgebra e tirava as dúvidas dos alunos, interagindo de forma clara e sem cortes. Os tutores afirmaram que, no início, não era assim e tiveram algumas dificuldades, mas logo tudo se resolveu. Poucos alunos participaram, inclusive Lincoln, pois lecionava no mesmo horário da videoconferência.

Um ponto negativo desse curso era que alunos trabalhadores, do turno noturno, nunca participavam das videoconferências, pois estas aconteciam durante a semana e à noite. Constata-se que o não acesso desses sujeitos ao tipo de educação proposta continuava, mesmo diante do aumento da oferta; isso porque há ainda processos de inclusão e exclusão para se vivenciar o curso superior. Aspectos esses que precisam ser mais problematizados.

Acompanhei também a tutoria presencial, que era realizada aos sábados pela manhã, onde acontecia a revisão de exercícios para a prova que se aproximava. Lincoln, sua esposa e outros alunos estavam nessa tutoria; participava dela um número maior de pessoas do que na videoconferência. Os exercícios giravam em torno de Álgebra e Geometria. Percebi algumas falas, como “ah, sim, professor, isso eu sei, agora posso ser professora de Matemática!” E o tutor comentava sobre a prova, como eles poderiam lidar com as questões: “Se vocês não tiverem ideia de como ainda resolver a questão, inicie pelo desenho, isso já vai ajudar a visualizar... e se na prova você só ficar nisso, quem sabe você não ganha alguns pontinhos...”. E Lincoln comentou com o tutor olhando para mim:

... então ... não importa muito o resultado ... talvez você consiga ser premiado pelo esforço... rs

151 Ele queria que eu percebesse como o conhecimento se dava na formação de professores, inclusive no polo de que ele participava. Chamava a atenção para o fato de que mesmo tendo sido estudado por eles o conteúdo, mesmo tendo acontecido às videoconferências e a tutoria sendo um auxílio importante, permanecia a lógica do esforço para pontuação e resultados positivos.

Lincoln ia se constituindo ao se narrar, ao tentar compreender sua própria trajetória de vida e a formação superior em Matemática que vivia naquele momento. Expressava sua visão de mundo, de educação, de se sentir inconformado com as práticas educativas que aconteciam nas instituições próprias para isso como a escola e a universidade.

Lincoln continuava, na Universidade Aberta do Brasil (UAB), o curso de licenciatura em Matemática à distância, e, questionador como sempre, se perguntava sobre os critérios do curso e da UAB, se o objetivo era que os alunos fossem autodidatas ou se o que queriam era oferecer um assistencialismo à distância. Isso já era reflexo de alguns conteúdos em que ele sentia mais dificuldade em „aprender sozinho‟, onde ele sentia mais falta de um professor „físico‟ no polo, disponível para ensinar e tirar dúvidas. Ele comentou que muitos dos colegas do curso faziam aula particular para dar conta de acompanhar as disciplinas e, às vezes, frustravam-se do mesmo jeito.

Vou te dar um exemplo, ... , o curso de Matemática que eu estou fazendo pela UAB, ele está sendo totalmente autodidata. Totalmente autodidata. Eu não procuro aqui para..., eu procuro aqui para pouquíssimas coisas. Até hoje vi o tutor aqui umas duas vezes, umas duas aulas, ahn, totalmente autodidata assim. Na verdade, eu e minha esposa somos uns dos poucos que estão assim, dos resistentes a não querer fazer uma aula particular, ou pagar alguém para poder morrer em cima daquilo ali sozinho. (...) só que ao mesmo tempo você se frustra.(...)

(Excerto da 2ª. Etapa de entrevista – 28/11/08)

Um grupo de alunos do polo a que Lincoln pertencia resolveu contratar um professor particular para ajudá-los com as listas de exercícios. Para isso precisavam se encontrar em um local e horário definidos, que não era no polo, e pagarem pelo serviço. Isso tornava difícil a participação de muitos, fosse pelo tempo que precisavam ter durante a semana, fosse pelo dinheiro, mas Lincoln se irritava mais, ele „condenava‟ tal prática. Acreditava que o próprio grupo de licenciandos poderia se reunir e se ajudar mutuamente, mas ele também tinha dificuldades em relação a tempo e não podia propor

152 nada diferente. Ele e a esposa estudavam „sozinhos‟, participavam das tutorias e cobravam um material didático melhor que pudesse ser um orientador dos alunos que deveriam „aprender à distância‟.

Mesmo nessas circunstâncias Lincoln relatava que uma faculdade à distância era a melhor alternativa para sua formação naquele momento, pois, como já trabalhava durante todo o dia para o sustento da família, a possibilidade de uma faculdade, só seria possível nesses parâmetros. Mesmo com receio quanto à modalidade, citou exemplos vistos pela mídia de pais que estavam educando seus filhos em casa e outros exemplos parecidos utilizando meios como a EaD. Via a modalidade como um meio de fazer com que a sua formação acontecesse levando em consideração novos tempos e novos espaços.

Ele se encontrava no curso com propostas que, por serem à distância, conciliassem com sua percepção do autodidatismo, mas, ao mesmo tempo, exigências e intransigências, segundo suas palavras, foram aumentando, e ele já questionava se o curso teria que ser daquele jeito mesmo. Esperava uma melhor articulação entre saberes, como, por exemplo, ele demonstrar dificuldades cotidianas no ensino de algum conteúdo matemático e o professor e tutor mostrarem para ele outras maneiras de ensinar.