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A relação com a docência em Matemática saberes advindos de diferentes fontes

OPOSSÍVEL ENCONTRO DE SABERES

E, ahn aí foi assim que eu fui para Matemática.

4.4.3. A relação com a docência em Matemática saberes advindos de diferentes fontes

Rosângela se relacionava com o saber matemático havia muito tempo, e seu aprendizado, a partir dos cursos técnicos, foi preponderante em sua formação. Mas sua experiência como aluna, como professora em diferentes espaços e detentora de vários conteúdos, sua vivência de mãe, avó, sindicalista, auxiliar de grupos comunitários, faziam-na ter um contexto propício a uma diversidade de conhecimentos advindos de diferentes fontes. Era uma relação entre saberes do conhecimento técnico, saberes cotidianos e saberes relativos à sua experiência.

Sobre sua experiência docente com a Matemática, ela afirmou:

(...) Trabalhei Geometria (...) na periferia. Os alunos não viam muito sentido em aprender, pois eles falavam que só iam até a 8ª. série e pronto. Um falou que ia ser pedreiro e outro falou que ia ser ladrão. (...)

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173 Eu respondi: mas pedreiro tem que saber Geometria (...) e até para ser ladrão você precisa de Geometria.

Já pensou cavar um buraco aí e você parar em outro lugar? Que não é aonde você queria? Você tem que calcular, você tem que buscar. Já pensou em sair antes do muro, sair dentro da própria cadeia?

(Excerto de 2ª. etapa de entrevista – 28/11/08)

Partindo sempre da realidade dos alunos, mesmo sabendo que algumas falas eram próprias de adolescentes e provocativas, Rosângela se empenhava para aproximar, segundo suas palavras, a linguagem da Matemática escolar, dos livros, da linguagem dos alunos. Queria desenvolver sempre uma relação de conhecimento matemático do qual sentiu falta como discente na Educação Básica. Buscava desenvolver atividades que despertassem os alunos, como a “caça ao tesouro”, e, a partir daí, ensinava-os a lidar com conceitos matemáticos, indo da leitura de mapas até a sistematização das operações matemáticas.

Tal pista está perpendicular a igreja! (...) Tinham que usar trena, prumo e etc.

(Excerto de 2ª. etapa de entrevista – 28/11/08) Os saberes da constituição docente em Matemática de Rosângela advieram de diferentes fontes e a faziam relacionar fatos do vivido com a Matemática escolar, a qual ela cotidianamente desenvolvia com seus alunos.

Mas um fator a incomodava: era a resistência de outros professores com o tipo de aula que ela dava. De acordo com suas palavras, ela afirmou que seus pares falavam que ela estava “enrolando”. Achavam que ela tinha que seguir somente os conteúdos descritos na matriz curricular, o livro básico, devendo realizar os cálculos da mesma forma que o livro propunha. Ela aparentava um incômodo grande ao citar tais episódios, pois queria mostrar que estava preocupada com o aprendizado dos alunos e que a Matemática, trabalhada no quadro, nos livros, nas provas, geralmente não fazia com que eles aprendessem.

Ela queria experimentar outras metodologias, para ver se, a partir de associações de questões cotidianas, os alunos se saíam um pouco melhor quando avaliados.

174 Porque eu tenho um jeito de, de ... se eu ver que o menino não aprendeu de um jeito, eu dou um jeitinho de tentar ver como que ele poderia aprender, né? E eu gosto disso, gosto né.

(Excerto de 2ª. etapa de entrevista – 28/11/08) O foco era o aprendizado do aluno, mas também havia uma necessidade de responder diretamente às demandas às quais os alunos eram submetidos, como provas e exames de qualificação. Não havia uma preocupação com a sua formação mais abrangente e nem de aprofundamentos teóricos que possibilitassem uma formação relativa aos conhecimentos matemáticos mais completos, até mesmo porque Rosângela ainda não tinha vivenciado a sua própria formação superior; mas prevalecia a fala de “aprender o quê e para quê”.

Rosângela planejava suas aulas do mesmo modo que lidava com o processo de ensino, e isso fazia parte de sua constituição docente. Ela categorizava os cenários em que trabalhava para tentar compatibilizar um tipo de planejamento para cada lugar diante das exigências que eram feitas.

Por exemplo, no caso do SENAI, ela já recebia o material elaborado, mas os professores de áreas comuns se reuniam para planejar juntos o que trabalhar na realidade em que estavam inseridos. A disciplina, no sentido de ordem, respeito e atenção por parte dos alunos, era uma exigência da instituição e acompanhada pela direção da mesma. Rosângela via essa atitude como um diferencial importante de melhores condições de ensino, se comparado ao que acontece nos dias atuais.

Já nas outras escolas, instituições municipais, estaduais e algumas particulares em nível técnico em que ela havia trabalhado, não havia sequer material de orientação. Tudo era pensado e elaborado por ela mesma. Ela não tinha muitos instrumentos disponíveis para avaliar se o que desenvolvia correspondia ou não a um bom ensino e se era a maneira mais apropriada de trabalhar aqueles conteúdos. Mas algo que sempre a marcou era o reconhecimento dos alunos, ao encontrar com ela nas ruas da cidade agradecendo sua contribuição no aprendizado deles. O sentimento de gratidão, por parte dos alunos, pelo “conhecimento adquirido”, é um aspecto que merece destaque na relação que Rosângela estabelecia nas diferentes escolas em que trabalhava.

Rosângela tentava ter alguns parâmetros para avaliar seu trabalho com os alunos e se questionava: o que é importante o aluno conhecer? Tinha como prioridade, também,

175 conhecer a turma para ter um ponto de partida e sempre fazia relação do cotidiano dos alunos com o conteúdo.

(...) eu olho o que é mais importante para ele aprender, que que eu acho que, dependendo da turma, o que que ele precisa aprender, entendeu? Então primeiro eu conheço a turma, e eu vou poder montar material, né? (...)

Se eu vou trabalhar com EJA, ou seja, adultos, mais adultos né, é só prática mesmo. Pergunto primeiro o que que eles fazem, onde que trabalha, né, as senhoras o que que elas fazem. A gente dá até receita de culinária para elas, né, para elas aprenderem a medir. Elas aprendem a culinária, é, sem saber que está aprendendo Matemática né?

(...)

Aí quando a gente fala que isso é Matemática, elas ficam até assustadas, opa, não é que eu estou aprendendo Matemática mesmo? Né? Então, Aí quando a gente fala para medir uma colher, aí elas vão e põe uma colher, de sopa, né? Vamos ver se essa colher de sopa é realmente... elas enchem a colher (...) você acha assim que é uma colher de sopa? Enche ela de água para você ver. Água (...) é aquele tanto ali, então o volume que você esta colocando aí não é uma colher não, uma colher aqui ó, tem que raspar em cima assim, ali, isso que é uma colher.

(...)

Aí com adolescente você vai fazer um trabalho diferenciado, né. Eles não gostam dessas coisas, por causa que é chato, eles não gostam. Então você tem que buscar o que que eles gostam para você poder ensinar. Eu não acho que eles devem seguir um livro à risca. Porque nem sempre aquilo ali vai levar o menino a lugar nenhum. É a minha opinião!rs. (...)

Experiência, condução de disciplina, respeito, vai se conquistando. (Excerto de 2ª. etapa de entrevista – 28/11/08) O ensino de Matemática para Rosângela era algo denso, difícil e diferente para as distintas faixas de idade. Ela tentava dialogar com os diferentes níveis de ensino, buscando também sua atualização através da formação continuada.

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4.4.4. Saberes do curso

Rosângela apontou aspectos positivos do curso de licenciatura em Matemática à distância e também sinalizou outros que considerava ruins. Ela acreditava que, por ser uma universidade federal e em um curso à distância, a exigência era muito grande para demonstrar seriedade e rigidez naquela formação de professores de Matemática. Em sua percepção, a instituição não se importava se os alunos iam desistindo. A visão era que, se desistiram, é porque não queriam levar a sério. Mas ela acreditava que nem sempre a desistência acontecia pelos motivos que a instituição deixava transparecer para os outros alunos.

Ela descreveu que, no início do curso, o material didático, livros, CDs de conteúdos, não eram bons; a maneira como os módulos eram desenvolvidos também não contemplavam um bom aprendizado em sua visão, e os tutores presenciais eram despreparados.

Sentia falta de melhor articulação entre professores que trabalhavam os conteúdos específicos, coordenação do polo (que ela via que teria que ser como uma coordenação de curso), tutores presenciais e alunos. Mas percebeu que alguns aspectos foram melhorando com o passar do curso; sua turma era a pioneira daquela universidade naquele polo.

Mas é, o curso é bom, muito bom. Agora ta um pouquinho melhorzinho né, porque teve época que teve bem ruinzinho, os tutores não ajudavam a gente, não explicava a matéria, falavam que eles não tinham a obrigação, eles eram „vigiador‟ de computador.

Eu cheguei a falar, cheguei e falava mesmo. Eles vieram aqui para vigiar computador. Ficam aí na internet aí e não nos ajudam, né, a gente pede explicação, ah, ainda ria na cara da gente, ahn faz sozinho aí, é assim mesmo, né.

As poucas aulas de teleaula que eu vim, teve um professor, deu um exercício, ele não conseguiu fazer(...)

(Excertos de 1ª. etapa de entrevista -16/08/08) Os alunos discutiram a respeito do que precisava melhorar, e a coordenação do polo se empenhou e, como o curso era novo, acertos aconteceram. Rosângela tinha muitas sugestões, por exemplo, em relação à avaliação: acreditava que o modelo, que vivenciava no CESEC com seus alunos, cabia na Educação à Distância em Matemática.

177 E eu acho assim, que é... deveria ser assim: eu aprendi eu faço a prova. Entendeu? Eu marcar a prova, igual lá no Cesec. Na hora que eu to pronta (...) é que eu agendo a prova.

É... aqui...(no curso) a hora que eu começo a aprender a matéria já tem outra matéria em cima. Não dá tempo. Em uma semana, para você ter uma ideia, nós vimos 16 capítulos em duas semanas. Isso é coisa de doido, coisa de doido.

(Excertos de 1ª. etapa de entrevista – 16/08/08)

Rosângela via que a modalidade à distância podia „respeitar‟ mais o tempo do aluno, sua autonomia e sua relação com o conhecimento, principalmente na Matemática, por acreditar que ela exige mais tempo e dedicação aos estudos. Até as videoconferências ela sugeriu que deveriam ser gravadas e disponibilizadas na plataforma de EaD, para serem acompanhadas por todos os alunos, principalmente os que não podiam comparecer no dia que era agendado126.

Nós estamos fazendo tipo engenharia. Eles estão querendo formar matemáticos, e não professores. Eles estão querendo críticos em Matemática, é... pensadores... eles estão formando matemáticos mesmo... né, analisar, provar, prova isso, prova isso, prova aquilo outro... coisa de louco. Faz um círculo e tem que provar que aquilo ali é um círculo... nossa, eu fiquei, eu fiquei horrorizada com aquele negócio. Pronto, faz esse círculo, tá claro, eu já fiz até com compasso aqui, ó, agora tem que provar?

(Excertos de 1ª. etapa de entrevista – 16/08/08) O saber relativo ao ensino superior à distância da formação de professores em Matemática era semelhante à abordagem que também se fazia no ensino presencial na IES promotora. Rosângela reconhecia que aqueles saberes eram acadêmicos, legítimos, mas não concordava que deveria ser assim.

Lidava com seu “lado” discente da mesma maneira que lidava com seu “lado” docente, ou seja, quando precisava cumprir com o ensino do „conteúdo exigido‟, que a escola cobrava para que os alunos se saíssem bem nas provas, ele cumpria o „exigido‟. Quando precisava estudar „um tipo de saber‟ (acadêmico) que seria cobrado pelo curso somente para responder ao que era exigido na matriz curricular, estudava e se preparava, entretanto isso não significava que acontecia o aprendizado. Podia viver na relação com

126 A agenda era prevista no início do semestre, compreendendo todas as videoconferências, as quais

178 o curso algo que não era o vivido por ela na relação com a escola, quando se „desdobrava‟ para fazer com que o aluno aprendesse. Pensava ser isso uma distorção em relação aos saberes necessários para a docência, que acreditava já possuir, e o formato exigido no curso. Mas era assim que ela ia lidar com as circunstâncias de sua formação. Características do „pragmatismo necessário‟ na relação discente-docente de Rosângela.