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1.1 Apresentação do quadro teórico

2.3.1 A pessoa e o grupo como protagonista

Se Deus voltasse ao mundo, Ele não viria encarnado como um indivíduo, mas sim como um grupo, um coletivo...

(Moreno, 1993)

O sujeito do sociodrama é o grupo. A metodologia sociodramática se caracteriza por ter como foco (lócus nascendi) o grupo como protagonista da ação. As pessoas são levadas a investigar e experimentar como se sentem ao receber uma informação e avaliar as impressões subjetivas, os sentimentos que têm a esse respeito. O método revela, ainda, a verdade do grupo, seus comportamentos, as correntes de ideias que regulam as relações e a estrutura do grupo como organização. O grupo é o protagonista.

O verdadeiro sujeito do sociodrama é o grupo ... Há conflitos nos quais estão envolvidos fatores coletivos ... supra-individuais ... e que têm que ser compreendidos e controlados por meios diferentes ... pode-se, na forma de sociodrama, tanto explorar

como tratar, simultaneamente, os conflitos que surgem entre duas ordens culturais distintas e, ao mesmo tempo, pela mesma ação, empreender a mudança de atitude dos membros de uma cultura a respeito dos membros da outra. (Moreno, 1992, p.413-415)

Para Moreno (1992) é o grupo, como um todo, que tem de ser colocado no palco para resolver os seus problemas, porque o grupo, no sociodrama, corresponde ao indivíduo no psicodrama. Mas como é apenas uma metáfora e não existe per se, o seu conteúdo real são as pessoas inter-relacionadas que o compõem, não como indivíduos privados mas como representantes da mesma cultura.

Para novas aprendizagens dos relacionamentos interpessoais, o treinamento da espontaneidade através do sociodrama é imprescindível. Ele cria um espaço para o desempenho espontâneo de papéis, possibilitando desvendar as determinações culturais de um grupo, suas redes sociais e a tomada de consciência da situação e da condição de cada participante em um determinado contexto social.

O sociodrama pretende superar, mesmo que precariamente, a contradição entre a pessoa do ator e a personagem que representa. As grandes composições da dramaturgia clássica centralizam-se numa personagem, o protagonista. É ele quem “sofre” (em sentido amplo) o seu mundo, a sua queixa é a expressão dos conflitos e contradições que estão

presentes em toda a trama de relações. A “dor” dessa personagem central é a pista oferecida pela exibição para que alcance a enfermidade coletiva. No entanto, a dor é concreta e pessoal, e resolvê-la é a grande e arriscada experiência. É o protagonista que está sofrendo, pessoalmente. Mas ao mesmo tempo ele está expressando a enfermidade de seu grupo de referência. Para o psicodrama o protagonista é a encarnação do socius. É ele mesmo, como pessoa, e também o seu mundo social.

O protagonista do evento teatral é visto ao mesmo tempo como indivíduo singular e como uma encarnação da coletividade. O protagonista no psicodrama pode ser identificado através dos jogos dramáticos, que lembram, pelo seu caráter lúdico, os jogos infantis de grupo. Através dele as pessoas se organizam, vão dando conta de si mesmas, da sua situação e dos que estão a sua volta. O princípio do protagonista tem a sua expressão concreta no conceito de identidade, enquanto termo que descreve um fenômeno relacional: a interface do individual com o coletivo.

No psicodrama quando o protagonista sobe ao palco, qualquer palco, e ali experimenta o seu drama pessoal, ele se desnuda, sua intimidade fica exposta publicamente. Só que o protagonista não subirá ao palco se não estiver assegurado que é o porta- voz do grupo. Essa segurança vem da disponibilidade do próprio protagonista, do quanto se sente aquecido, e do clima do grupo. O diretor habilidoso dá condições ao protagonista para chegar à consolidação protagônica. Com o compartilhamento das alegrias, angústias e descobertas. É como se tudo isso se fundisse em um lindo manto que cobrisse a nudez do protagonista. É a retribuição do grupo ao protagonista. Assim a sua identidade é reafirmada.

No livro Psicoterapia de grupo e psicodrama, de J. L. Moreno (1993), o protagonista surge como instrumento do método psicodramático. Segundo Moreno, o segundo instrumento do método é o protagonista. Exige-se dele que se represente a si mesmo no cenário, que esboce o seu próprio mundo. Diz-lhe que seja ele mesmo e não um ator de teatro, enquanto se exige que o ator de teatro sacrifique seu próprio eu para o papel que o dramaturgo prescreve (Moreno, 1993, p.103). Utiliza-se de diversos métodos de aquecimento, não para transformar a pessoa em ator de teatro, mas para que o protagonista, no cenário, seja mais clara e profudamente parecido com o que é na vida real. Mas nem mesmo Moreno define conceituamente o que é “protagonista”.

O termo “protagonista” vem sendo comumente usado para indicar o elemento mais evidente, cuja participação é preponderante em determinado evento. Com essa popularização do seu significado, tem determinado uma tendência no psicodrama: hoje designa, também, algum elemento destacado do contexto grupal, ou o cliente da terapia individual. Alguns

afirmam, ainda, que o protagonista já deveria existir ao iniciarmos um sociodrama ou psicodrama.

Um dos psicodramatistas que têm pesquisado e divulgado esse conceito é Luís Falivene Alves (1999), segundo o qual protagonista é

o elemento do contexto dramático que surge através de um personagem no desempenho de um papel, questionador de sua ação e sua emoção, e representante emocional das relações estabelecidas entre os elementos de um grupo, ou entre diretor- cliente, que têm um projeto dramático comum. (Alves, 1999, p.94)

Para esse autor, só existe protagonista em contexto dramático. Alves afirma, ainda, que se procurarmos uma correlação com o teatro grego, diremos que o que se passa no contexto grupal se assemelharia à narrativa épica, os movimentos se pareceriam com as evoluções do coro, estaríamos no plano predestinado da casualidade divina. É no como se do contexto dramático que a máscara ritual ou protetora é retirada para que surja a personagem questionadora de sua ação e sua emoção.

O movimento protagônico está presente no contexto grupal, mas é no contexto dramático que se dará o surgimento do protagonista ... é por meio dele que autor, ator e personagem se fazem um só elemento. (Alves, 1999, p.99)

Quando em trabalho de grupo, através do relato de acontecimentos, queixas e sentimentos há uma interação entre seus integrantes, com uma configuração sociométrica em torno de um elemento, que conflui em si a problemática pessoal dos demais participantes, podemos dizer que estamos diante de um emergente grupal. Outras vezes, é um dos indivíduos que se apresenta em situação de crise, ansioso ou deprimido e na dependência de haver uma boa coesão grupal. Esta pode manifestar-se por uma intenção de ajuda a esse elemento sofredor, culminando com sua indicação para o trabalho dramático. Há outras situações, ainda, em que são trazidas várias problemáticas pessoais, sem que se verifique a aglutinação do grupo em torno de um ou outro tema. São comuns, nesse caso, as práticas utilizadas pelos psicodramatistas no sentido de que se escolha um dos membros para viabilizar o projeto dramático.

Alguns chamariam a esse elemento emergido, indicado ou escolhido de “protagonista”. Alves (1999) afirma que melhor seria denominá-lo “representante do grupo” ou qualquer outro termo, já que a protagonização é função do contexto dramático. O autor

afirma, ainda, que quando o diretor-terapeuta e o representante do grupo se encontram em contexto dramático, há uma primeira fase em que toda a ação está na dependência do diretor. É este quem dirige o momento, perguntando, solicitando imagens ou cenas, tomando iniciativas. A atenção concentra-se nele. A figura central, principal, é aquele que poderá resolver os problemas apresentados. Podemos dizer que a protagonização inicial é do diretor, que, através do aquecimento, das primeiras cenas, vai possibilitando que o movimento protagônico se desloque para as personagens que forem surgindo na dramatização.

As cenas, uma palavra-chave, um sentimento despertado, poderão mobilizar forças emocionais nas pessoas do grupo, no diretor, propiciando que ele identifique o protagonista. A partir daí o fluxo dramático acontece, a figura do diretor passa despercebida pelo grupo e ele está incorporado na ação, contracenando com o protagonista.

Ainda com base em Alves (1999), originado dos estados co-consciente e co- inconsciente e de um projeto dramático comum, representante emocional das relações estabelecidas entre os membros da sessão, ali está o questionador, o decifrador, o modificador. Esse é o protagonista.

O termo “protagonismo”, em seu sentido atual, indica o ator principal, ou seja, o agente de uma ação, seja ele jovem ou adulto, um ente da sociedade civil ou do Estado, uma pessoa, um grupo, uma instituição ou movimento social. Como já expusemos inicialmente, a palavra “protagonismo” vem da junção de duas palavras gregas: protos, que significa o principal, o primeiro, e agonistes, que significa lutador, competidor, contendor.