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A pessoa jurídica como titular de direitos fundamentais

2.2 A DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TEORIA

2.2.3 A pessoa jurídica como titular de direitos fundamentais

É indiscutível que os direitos fundamentais estão diretamente associados à pessoa humana, no entanto, a proteção de alguns bens da pessoa humana só pode ter sua existência assegurada no âmbito ou por meio de pessoas jurídicas, a exemplos dos entes coletivos, o que de logo permite a ideia de extensão de alguns dos direitos fundamentais às pessoas jurídicas.

Nessa linha, fica excluída, desde logo, a maioria dos direitos fundamentais, tal como os direitos estritamente pessoais, os direitos políticos principais e os direitos sociais, que são inseparáveis da personalidade singular.38.

37 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976.

Coimbra: Almedina, 1987. p. 555. Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos

fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 228.

38 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976,

Outro argumento favorável é que não há impedimento insuperável, pois os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas devem ser por ela praticados, a exemplo do direito de resposta, de propriedade, das garantias do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, inviolabilidade de domicílio e da coisa julgada. Tanto é assim que o próprio constituinte trouxe expressamente alguns direitos conferidos diretamente às pessoas jurídicas, a exemplo das previsões do art. 5º, XVIII e XIX.

Também, de acordo com o princípio da universalidade, todas as pessoas, pela simples razão de serem pessoas, são titulares de direitos fundamentais, ressalvadas as diferenças decorrentes da própria concepção da igualdade substancial. É dizer, poderá haver diferenças, mas assim concretizadas para sustentação da tese de igualdade material.

Quanto a essa universalidade pode ser ampliada ou restringida, a depender da opção do legislador constituinte, sem, contudo, que tais movimentos atinjam o núcleo essencial dos direitos fundamentais em jogo.

É certo que, com inspiração no princípio da dignidade da pessoa humana, a pessoa natural tem seus direitos fundamentais expressamente assegurados no

caput do art. 5º da Constituição Federal. No entanto, faz-se imprescindível analisar o

domínio de cada preceito, pois no seu conjunto complexo de faculdades, poderes e direitos podem ser exclusivamente aplicáveis às pessoas humanas. Eis a razão de não haver uma regra expressa de equiparação ou de extensão dos direitos fundamentais às pessoas jurídicas, uma vez que tais direitos são em essência atributos da personalidade humana.

Por conta disso, Vieira de Andrade39 lembra a necessidade de ter em conta a “diferença de qualidade entre os sujeitos de direito que são pessoas humanas e os que o não são: a diferença entre o caráter final da personalidade jurídica do homem e o caráter instrumental da personalidade jurídica coletiva”.

O reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais a pessoa jurídica no Brasil se deu por força da doutrina e da jurisprudência e, obviamente, não reconheceu todos os direitos fundamentais, mas aqueles compatíveis com a própria peculiaridade da estrutura e dos fins da pessoa jurídica. Outros países, a exemplo de Portugal, têm previsão expressa nesse sentido no texto constitucional (art. 12.2).

39 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976,

Assim, os direitos que possuem uma referência humana não podem, em razão da própria natureza, serem extensivos às pessoas jurídicas. Vale a fórmula sintética apresentada por Canotilho40: “as pessoas colectivas gozam de direitos fundamentais que não pressuponham características intrínsecas ou naturais do

homem como sejam o corpo ou bens espirituais [Grifo do autor]”.

Há, no entanto, quem defenda, numa interpretação restritiva, que ausente a previsão constitucional, não poderia a pessoa jurídica ser titular de direitos fundamentais. Não parece lógica essa assertiva, como sustenta Sarlet41:

Tal posição mais restritiva não corresponde, contudo, ao que parece ser a orientação majoritária – aqui também adotada -, inclusive, por parte do STF, prevalecendo a regra geral de que, em havendo compatibilidade, entre o direito fundamental e a natureza e os fins da pessoa jurídica, em princípio (prima facie) reconhecida a proteção constitucional, o que, por outro lado, não impede que o legislador estabeleça determinadas distinções ou limitações, sujeitas, contudo, ao necessário controle de constitucionalidade.

Em sequência, o mesmo autor sustenta a tese da titularidade da pessoa jurídica até mesmo como instrumento para proteção dos direitos das pessoas naturais, pois, em muitos casos, “é mediante a tutela da pessoa jurídica que alcança uma melhor proteção dos indivíduos”42.

Não bastasse isso, muitas pessoas jurídicas surgem do próprio exercício de direitos fundamentais, a exemplo do direito de associação, que vai ter um fim específico no sentido assecuratório de diversos outros direitos fundamentais.

Registre-se, inclusive, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento quanto à possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral na Súmula 227.

Por fim, merece registro que não se deve perder de vista o princípio da especialidade, no sentido de que as pessoas jurídicas só teriam os direitos necessários e adequados à sua natureza e aos seus fins e objetivos.

Por essa razão, Rojas Rivero43 leciona que a defesa dos bens da

personalidade não pode sustentar-se sobre a base de um poder econômico. Nesse sentido, defende que o direito à honra não atende na sua configuranção a defesa de

40 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. p. 420. 41 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional, p. 224.

42 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional, p. 224.

interesses patrimoniais. Como a honra é a emancipação da dignidade e do desenvolvimento da personalidade, a autora conclui pela dificuldade em reconhecer o direito à honra das pessoas jurídicas, o mesmo, por exemplo, quanto ao direito de intimidade.

No mesmo sentido, em que pese o esforço da doutrina em equiparar o segredo industrial a um direito de intimidade, segundo a autora, o certo é que apenas o primeiro tem caráter estritamente econômico.

Assim, a defesa do bom nome, da imagem, do prestígio da empresa como instituição, deve ser construída com cuidado, para que não se confunda com o direito à honra como direito personalíssimo, que se referem aos mais dignos sentimentos da pessoa humana, cuja proteção não ampara as pessoas jurídicas.

Por tal razão, o atributo da dignidade social conferido à pessoa jurídica só confere legitimidade para reclamar indenização nos casos de efetiva lesão.44 Daí a impossibilidade de presunção no tocante à lesão de imagem e honra da pessoa jurídica.

Disso pode resultar, também, a conclusão, de que a livre iniciativa é um principio fundamental, previsto expressamente no art. 1º, inc. IV, da Constituição Federal, e relacionado à Ordem Econômica e Financeira, no art. 170, não se confundindo e nem se equiparando aos direitos fundamentais típicos da pessoa humana.