Para não escapar do objeto desse trabalho, a discussão deverá orbitar em torno da controvérsia existente entre liberdade de expressão em sentido estrito e direitos da personalidade, considerando que a pretensão é pesquisar sobre o direito de crítica, ou seja, liberdade de opinião do empregado nas redes sociais e seus reflexos nas relações de trabalho, especialmente no direito à honra ou imagem do empregador.
Nesse sentido, concebendo o princípio da igualdade entre os titulares do direito de expressão e o direito a honra, por exemplo, não se admite nenhuma primazia da liberdade de expressão sobre os direitos da personalidade, ou o inverso,
193 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Traducción y estudio sobre la obra por Alfredo
ainda que figurem em um dos polos pessoa jurídica, como demonstra a ementa abaixo transcrita.
JUSTA CAUSA. MAU PROCEDIMENTO. EMPREGADO QUE EMITE OPINIÃO SOBRE A EMPRESA VIA INTERNET. CONDUTA DO EMPREGADO FORA DO LOCAL DE TRABALHO ASSEGURADA PELA LIBERDADE DE OPINIÃO E EXPRESSÃO. PREJUÍZO AO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADO. Tratando-se a justa causa da penalidade mais severa imputável a um empregado, manchando sua reputação e dificultando sua recolocação no mercado de trabalho, é mister a prova inconteste da prática do fato ensejador. Hipótese em que o empregado transmitiu sua opinião sobre a empresa via internet, fora do local de trabalho, conduta assegurada pela liberdade de opinião e de expressão, não tendo a empresa demonstrado o prejuízo direto decorrente de tal conduta nem a incompatibilidade com o prosseguimento da relação contratual.194
Nesse caso, na ponderação de princípios de igual prestígio constitucional, concluiu o julgador pela preferência da Liberdade de opinião, porque não foi demonstrado nenhum prejuízo para a imagem da empresa.
Como a doutrina afastou o caráter absoluto dos direitos fundamentais, de posse da teoria externa e com as regras da ponderação, é possível constatar qual direito terá primazia no caso concreto, sem que haja afastamento do núcleo essencial dos demais valores envolvidos.
Logo, não é suficiente que a liberdade de expressão atinja, por exemplo, a honra de alguém, ou qualquer outro direito da personalidade, para que haja a obrigação de indenizar. Pensar de outro modo seria um contrassenso, pois partiria da premissa de que há supremacia da honra, ou imagem, sobre a liberdade de expressão em sentido estrito, o que não se coaduna com o texto constitucional.
Para esclarecer o tema, Chequer195 transcreve o pensamento de Alexy:
[...] nem toda a manifestação de opinião que de alguma maneira ofenda um concidadão ou membro de uma determinada raça pode ser proibida se a liberdade de manifestação de opinião não deve atrofiar. Isso mostra que uma fixação de limite com auxílio de uma ponderação é necessária.
194 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 10ª Região. 1ª Turma, ROPS: 742200701610000 DF
00742-2007-016-10-00-0. Relator: Desembargador André R. P. V. Damasceno. Brasília, DF. Julgamento 24/10/2007. Publicação 31/10/2007.
195 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Trad. Luís Afonso
Heck. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 217, p. 63, jul/set. 1999. Apud CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face: (análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro), p. 207.
Portanto, não há que se falar em preferência dos direitos da personalidade sobre o direito de liberdade de expressão. “Aceitar outra premissa é o mesmo que disséssemos: a liberdade de expressão pode ser exercida sempre, desde que não atinja os direitos da personalidade”196. Além disso, a Constituição
não previu hierarquia entre tais direitos.
Consoante já abordado, em razão da teoria externa adotada, os direitos fundamentais têm conteúdo amplo e igual hierarquia. A regra da ponderação de interesses no caso concreto é que definirá qual valor terá prevalência, sem que haja supressão do núcleo essencial dos demais valores restringidos.
A tese de preferência dos direitos da personalidade, mormente a honra, a imagem e a privacidade, leva ao esvaziamento do direito de liberdade de expressão, devendo, portanto, ser repelida pela doutrina. Diz-se isso porque a liberdade de expressão e informação, inicialmente, estavam ligadas à dimensão individualista da manifestação livre do pensamento e da opinião.
Com o reconhecimento do direito ao público de informação, à dimensão individualista-liberal foi acrescida outra dimensão de natureza coletiva: a de que a liberdade de expressão e informação contribui para a formação da opinião pública
pluralista – cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes
democráticos, a despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da opinião pública.197
Essa liberdade de expressão e informação vai influenciar a opinião pública na sociedade democrática, aparecendo como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais. Dessa lógica decorre a conclusão da necessidade de sua proteção da liberdade para que se faça possível a concretização de diversos outros direitos fundamentais.
Ao citar decisão da Corte constitucional espanhola, Chequer198 busca demonstrar que a solução nos casos de colisão de direitos fundamentais se dará a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade.
196 CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face:
(análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro), p. 207.
197 FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos, p. 412.
198 CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face:
O caráter molesto ou ardente de uma opinião ou uma informação, ou a crítica avaliando a conduta pessoal ou profissional de uma pessoa ou o juízo sobre sua idoneidade profissional não constituem por si uma ilegítima intromissão em seu direto à honra, sempre, claro está, que o dito, escrito ou divulgado não sejam expressões ou mensagens insultantes, insídias infamantes ou humilhações que provoquem objetivamente o descrédito da pessoa a quem ser referiam (STC 180/1999) [Grifo nosso].
Portanto, o que deve ser responsabilizado é o abuso, reconhecido pelo Judiciário, por meio de um devido processo legal, formal e material, à luz de interpretação constitucional pela máxima eficácia da norma e unidade da constituição de um Estado democrático.
Tal conclusão se baseia no fato de que o Estado constitucional democrático pretende a garantia da dignidade da pessoa humana, que envolve também o desenvolvimento da personalidade moral, espiritual e intelectual dos cidadãos, pressupondo, portanto, garantia para expressão de pensamentos, ideias divergentes, com exercício livre do direito de crítica, pois a crítica, ainda que dura, mas sem abusos, está nos limites do exercício da liberdade de expressão.
4 AS CARACTERÍSTICAS E A FORMA DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO NAS REDES SOCIAIS E A REPERCUSSÃO NO CONTRATO DE TRABALHO
4.1 AS CARACTERÍSTICAS E AS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO