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A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 19º, preceitua, litteris:

[...] toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, no seu artigo 13, sustenta que:“Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão”.

Assim, já é possível identificar a fundamentalidade material do direito de liberdade de expressão, uma vez que possibilita à pessoa exprimir livremente as

próprias ideias e ideais arraigados em seus pensamentos, numa autonomia de valoração subjetiva e expressão da própria dignidade.

Da perspectiva individual, a livre manifestação da consciência e do pensamento deve ser justificada como expressão e corolário da especial dignidade da pessoa humana, centro espiritual e moral da produção de sentido e cultura. Em tal sentido, a liberdade de expressão é condição sine qua non da humanidade do próprio homem. [Prefácio de Gustavo Binenbojm no livro de Chequer].138

O homem estará sempre buscando o desenvolvimento de suas aptidões, através do processo de transformação de seu pensamento, de sua linguagem, de suas ideias e de suas emoções. Esse percurso existencial de autorrealização, no entanto, requer a possibilidade de livre manifestação dessas aptidões, para afirmação da essencial natureza humana.

Através do exercício do direito de liberdade de expressão, o homem expressa o seu próprio modo de ser, a sua totalidade moral, intelectual e espiritual. Por conseguinte, a liberdade tem como valor maior o indivíduo, mormente na sua capacidade de autodeterminação, que limita a atuação do Estado, mas devendo conciliar-se com o igual direito dos demais.

Em suma, todos têm direito de externar certos aspectos da própria personalidade, inclusive suas opiniões e críticas, sem que por conta disso esteja sujeito a estigmatização ou discriminação social. Daí a correlação entre liberdade de

expressão e privacidade, sendo esta última uma verdadeira “cláusula

antitotalitária”139, que impede a uniformização dos indivíduos e a padronização dos

modos de vida .

Não resta dúvida, dessa forma, que a liberdade de expressão é direito inerente à personalidade, posto que inato, e como tal, é indispensável à vida plena da pessoa humana e se inclui no grupo dos direitos à integridade moral, em oposição àqueles relativos à integridade física.140

Pensar diversamente é desconsiderar o traço essencial de uma civilização digna, que se caracteriza pela noção e respeito da dignidade da pessoa

138 CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face:

(análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. xiii.

139 Expressão utilizada por Aimo para qualificar privacidade lato sensu.

140 ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de expressão na constituição federal e suas limitações

– o limite dos limites, p. 43.

humana. Para Maritain141, “o valor da pessoa, sua liberdade, seus direitos,

pertencem à ordem das coisas naturalmente sagradas”.

Não obstante a posição de conforto intelectual com a ideia de Deus, o pensamento de Maritain142 é a de que o homem se sustenta e se conduz pela inteligência e pela vontade, encerrando a noção de totalidade e independência.

Della Mirandola, citado por Zisman143, assim esclarece sobre a temática dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão:

A capacidade de raciocínio do homem permite que este se conscientize de sua dimensão como ser livre. E que a liberdade não é apenas a física, o direito de ir e vir, mas também e principalmente a liberdade de expressão, visto que o que diferencia os homens dos demais animais é a sua capacidade de raciocínio, a possibilidade de escolha, diante das mais diversas situações.

Assim, a liberdade de expressão, além de ser essencial ao regime democrático, posto que não existe pessoa nem sociedade livre sem a possibilidade de cada um expressar opiniões e divulgá-las livremente, é um valor intrínseco, um elemento de autossatisfação e desenvolvimento do próprio indivíduo. Ora, sem o direito de expressar-se livremente, o indivíduo sequer poderia questionar as regras que lhe são impostas.

Disso decorre que todo homem – no desenvolvimento de sua personalidade – tem o direito de formar sua opinião, estabelecer suas crenças, cultivar seus pensamentos e ideais, tendo, por consequência, o direito de expressar esses direitos. Do contrário, eles seriam de pouca ou nenhuma importância. A expressão é parte integral do desenvolvimento de ideias, da exploração mental e da autoafirmação O poder para realizar sua potencialidade como ser humano começa nesse ponto, não podendo ser frustrado.144

Como se denota, diversos são os argumentos que sustentam a fundamentalidade material do direito de liberdade de expressão, valendo citar as quatro finalidades principais apontadas pelo jurista alemão Kriele, lembrado por Chequer145:

141 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Trad. De Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio

de Janeiro: José Olympio, 1967. p. 17.

142 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural, p. 16.

143 DELLA MIRANDOLA, Giovanni Pico. Discurso sobre a dignidade do homem. Trad. Maria de

Lurdes Sirgado Ganho. Rio: Edições 70, 1986. p. 26. Apud ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de

expressão na constituição federal e suas limitações – o limite dos limites, p. 84.

144 CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face:

(análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro), p. 19.

145 KRIELE, Martin. Introducción a la teoria del Estado. Fundamentos históricos de la legitimidad del

a) a liberdade é um fim em si mesma (individual self-fulfilment); b) tem por objetivo a proteção das condições necessárias para o progresso na busca da verdade; c) tem como finalidade a sua imprescindibilidade para a decisão política em uma sociedade democrática; d) procura a liberdade de opinião possibilitar um equilíbrio entre estabilidade e mudanças.

Por tal razão, qualquer violação injustificada à liberdade de expressão deve ser compreendida como uma afronta à dignidade da pessoa humana, ao princípio da igualdade, pois todos os indivíduos têm o direito de expressar seus próprios juízos acerca da realidade, e ao princípio democrático.

Tal assertiva tem fundamento na lição de Bastos146de que “o homem não

se contenta com o mero fato de poder ter as opiniões que quiser; vale dizer, ele necessita antes de mais nada saber que não será apenado em função de suas crenças ou opiniões”.

A liberdade de pensamento está relacionada à liberdade de consciência, revelando-se na capacidade de cada um de ter a sua pessoal e livre concepção do mundo, de ter suas próprias convicções ou crenças no campo filosófico e ideológico, isto é, o direito de ter sua própria identidade. Tal direito não se reconhece sem a proteção a um outro de direito de expressar essa identidade.

Indiscutível, pois, a necessidade de proteção dessa esfera intelectual e espiritual, ou seja, dessa reseva pessoal, para que se mantenha indevassável diante das maquinações e manipulações alheias. Para Tavares dos Reis147, a aludida proteção opera “uma substancial redução dos riscos de exposição do foro íntimo ao confisco e ao exame da parte do Estado e dos outros”.

Farber, reportado por Chequer148, afirma que lugares que não prestigiam

a tutela da liberdade de expressão não são bons para viver, “pois as pessoas são

excessivamente cuidadosas sobre o que elas devem ou não dizer, visto que têm medo de que alguma coisa adversa possa lhes acontecer, motivo pelo qual acabam atrofiando-se ou retardando-se o seu desenvolvimento”.

Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face: (análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro), p. 35.

146 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 33. 147 TAVARES DOS REIS, Raquel. Liberdade de consciência e de religião e contrato de trabalho do

trabalhador de tendência. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 117.

148 FARBER, Daniel A. The first Amendment. 2nd ed. New Yor: Foundation Press, 2003. p. 3. Apud

CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima face: (análise crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro), p. 20.

A assertiva da liberade como pressuposto de uma vida com dignidade tem como referencial o valor geral da livre expressão. Nesse contexto de ideias, mesmo reconhecendo que inexistem direitos fundamentais absolutos, é possível antecipar que a liberdade de expressão, em sendo corolário da dignidade da pessoa humana e essencial ao Estado democrático de direito, é a regra, sendo a restrição exceção.

3.4 A DISTINÇÃO ENTRE LIBERDADE DE PENSAMENTO, LIBERDADE DE