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Saúde global do Sistema

3.1.1 A Política dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia

Conforme Souza (2006), dado o caráter incremental das políticas públicas, apenas em face de uma perturbação significativa no sistema político-econômico observam-se mudanças consideráveis nas estratégias das políticas públicas, sem as quais, no geral, estas tendem a se manter estáveis. No caso brasileiro, o start que elevou a preocupação em assegurar os investimentos em P&D&I, ampliando a atenção dada a já instaurada necessidade de mudanças na abordagem do suporte ao progresso científico-tecnológico-inovativo, entendido em economias industriais maduras como caminho essencial para superação da condição de subdesenvolvimento e das desigualdades socioterritoriais, deu-se no Governo FHC (1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2003) com a estratégia nacional de privatizações.

De fato, enquanto tática governamental, as privatizações no Brasil começaram ainda no período do Governo João Figueiredo, durante a ditadura militar, legitimada pelo Decreto n. 86.215, de 15 de julho de 1981 e reforçada no Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, no Governo José Sarney., figurando como medida a ser adotada sistematicamente no país, porém, tomadas medidas restritivas que privilegiavam a segurança nacional, particular da ideologia do governo militar, limitando a transferência de empresas públicas a cidadãos brasileiros residentes no país e empresas ou grupos sob controle nacional. Tal ideologia é modificada no Decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, ainda no governo Sarney, no qual admite-se pioneiramente a participação do capital estrangeiro, incluindo a utilização de títulos da dívida externa como forma de pagamento (VALÉRIO, 2008).

Ainda no Governo Itamar Franco, a admissão do capital estrangeiro como partícipe de até 100% do capital votante da empresa cujas ações foram postas à venda nos termos da Medida Provisória n. 327, de 14 de junho de 1993 que, em suas reedições, determinou que os recursos obtidos nos leilões de privatização das empresas públicas fossem usados para “amortizar a dívida pública federal de emissão do Tesouro Nacional e custear programas ou projetos nas áreas da ciência e tecnologia, da saúde, da defesa nacional, da segurança pública e do meio ambiente, aprovados pelo presidente da república”, dando um escopo novo ao Programa de Desestatização Nacional, formalizado na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, assinada pelo então presidente Fernando Collor.

Apesar da anterioridade desta tática, na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso deu-se início ao processo de flexibilização do texto constitucional que legitimou amplas iniciativas governamentais para o desaparelhamento estatal sob a prerrogativa da ampliação da eficiência das funções socioprodutivas, até então desempenhadas por empresas

públicas. A promulgação de um conjunto de Emendas Constitucionais (E.C. 5, 6, 7 e 8, aprovadas em 15 de agosto de 1995) e novas leis (Lei Geral de Telecomunicações, Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997; Lei n. 10.568, de 19 de novembro de 2002 – da venda das ações pela União,) permitiu no Brasil a reformulação do entendimento legal para empresa brasileira e empresa de capital nacional, classificadas e passiveis de proteção e concessão legal de vantagens temporárias frente a empresas concorrentes forâneas, conforme o estabelecido no Art. 171 da Constituição Federal de 1988 .

I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;

II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.

§ 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:

I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;

II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:

a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;

b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.

§ 2º Na aquisição de bens e serviços, o poder público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.

Esta redefinição passou a considerar como brasileira a empresa constituída sob as leis do Brasil e que tenha sua sede e administração no País, mas não obrigatoriamente a participação majoritária do capital, abrindo mão de seu controle efetivo e permitindo que “a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades” (art. 171 da Constituição), esteja na mão de interesses estrangeiros. Edificou- se assim a base para o escancaramento nacional às investidas forâneas, ecoando na ampla iniciativa de desestatização de empresas ao permitir a União a venda, direta ou indireta, das ações excedentes ao controle acionário ou na abertura de capital das empresas públicas, reservando ao Estado participações acionárias marginais, em troca da arrecadação de US$78,8 bilhões (VALÉRIO, 2008).

No processo, as citadas emendas constitucionais desobrigaram o Estado à concessão de serviços públicos estruturais a empresas estatais, abrindo à iniciativa privada, por permissão, outorga ou concessão por parte da União, a exploração dos serviços locais nos setores de transporte ferroviário e marítimo, por cabotagem e no interior, portuários, de comunicação (fixa

e móvel), e energia (petróleo, gás e aproveitamento do potencial hidroelétrico). Nesse contexto, pela promulgação da Lei No 9.478, em 06 de agosto de 1997, o governo brasileiro extinguiu o monopólio da extração de petróleo, até então restrita à Petrobrás, bem como permitiu que a participação da União na Petrobras fosse resumida à necessária manutenção do controle acionário, isto é, a 50% mais uma das ações do capital votante (art. 62), permitindo dessa forma a atuação de empresas estrangeiras em território nacional no desempenho destas atividades.

Com essa abertura à intervenção estrangeira no setor petrolífero nacional, gerou-se uma perturbação significativa que fez necessário garantir recursos essenciais para investimento em C,T&I no setor, o que foi “remediado” pela criação do Fundo Setorial de Petróleo (CT-Petro) com a determinação da destinação de 25% da parcela do valor dos royalties que exceder a 5% da produção de petróleo e gás natural deverão, sob a supervisão da ANP (Agência Nacional de Petróleo), serem investidos com vistas à formação de força de trabalho qualificada, estímulo a interação entre instituições Científico-Tecnológicas nacionais (universidades, instituições de ensino superior ou centros de pesquisa) e empresas do setor no desenvolvimento de projetos colaborativos com a finalidade de produzir inovações na cadeia produtiva do setor de petróleo e gás natural visando ao “aumento da produção e da produtividade, à redução de custos e preços e à melhoria da qualidade dos produtos” (FINEP, 2015).

Essa experiência, considerada bem-sucedida pelo governo brasileiro, serviu de modelo para criação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, a partir de 1999, embasando a construção da estratégia para a destinação sistemática de recursos a serem investidos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, no âmbito do então Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), como parte do entendimento do progresso científico-tecnológico enquanto caminho para o crescimento econômico. Segundo Pacheco (2007, p.195), tais iniciativas compõem uma política de incentivo à C,T&I vinculada “a concessões públicas e com significativos impactos sobre o processo de geração e difusão de novas tecnologias”.

Pela formulação de um conjunto de aparatos legais, o Estado conduziu empresas, públicas e/ou privadas, a destinarem parte da receita obtida, oriunda de fontes variadas (royalties, compensação financeira, licenças e autorizações) pelo uso e exploração de recursos naturais de propriedade da União e, em alguns setores, recursos oriundos do “imposto sobre Produtos Industrializados e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE)39,

39 A arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) advém da incidência de alíquota de 10% sobre a remessa de recursos ao exterior para pagamento de assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou profissionais, instituída pela Lei nº 10.168, de 29/12/2000, destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação.

incidente sobre os valores que remuneram o uso ou aquisição de conhecimentos tecnológicos/transferência de tecnologia do exterior” (FINEP, 2015), para o financiamento de projetos de P&D em setores estratégicos para o crescimento econômico e ampliação da competitividade nacional no mercado mundial, considerando as dissimetrias referentes ao contexto do mercado interno, a situação econômica nacional e as características de cada setor. Isso posto, a política de Fundos Setoriais, além de se tratar de Políticas Regulatórias, possui caráter de políticas Redistributivas, uma vez que estimulam empresas que obtém seu faturamento a partir do uso de recursos da União a reverter parte de valores oriundos dessa fonte para o desenvolvimento de iniciativas que produzem resultados com possíveis desdobramentos coletivos de médio e longo prazo (LOWI, 1964; 1972).

A definição de setores estratégicos neste contexto é justificada, primeiro, porque, embora na maioria dos casos inovar seja bem visto e almejado, as atividades produtivas possuem diferentes níveis de complexidade e intensidade tecnológicas, o que interfere nos níveis de demanda por conhecimento científico-tecnológico e reflete-se na aplicação de esforços inovativos40 Isso justifica o porquê dos atores econômicos não sentirem de maneira uniforme a necessidade de investir substancial fatia de seu capital em P&D como caminho para assegurar sua participação no mercado; Segundo, considerando o processo inovativo como resultado coletivo, cumulativo, cooperativo, cujo dinamismo no território está vinculado ao processo de criação e adensamento do sistema inovativo, apto a articular os diferentes atores e suas diversas formas de conhecimento na destinação de esforço inovativo; e dado o já mencionado retardo histórico de uma visão estratégica para a aplicação econômica de ciência e tecnologia e a rarefação da estrutura produtiva de alta intensidade tecnológica, com competitividade internacional no Brasil, é decisivo focar nas áreas onde o país possui uma competência instalada e/ou um potencial identificado. Este potencial territorializado, caso desenvolvido, representa caminho que pode levar o país ao pioneirismo no paradigma científico-tecnológico por vir. Alcançar em níveis almejados as condições para a concretização desse potencial, no entanto, só seria possível diante da construção de estruturas (físicas, intelectuais e institucionais) virtuosas, o que se pretende diante da elaboração de políticas públicas que atuem como ativo na redução dos desequilíbrios regionais do país, pela construção de competências capazes de desenvolver atividades de especialização econômica como tática

40 Esforço inovativo é aqui entendido como a aplicação consciente de capital físico, material, social e cultural com fins a produzir e aplicar conhecimento com vistas à solução de problemas e a criação de oportunidades socioeconômicas.

para adentrar em mercados inovadores e lucrativos, que é o que se pretendeu, primeiro, com a elaboração dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, depois, com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (TROTSKY, 1978; ENCTI, 2012).

Atualmente existem dezesseis Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia: 14 concernentes a setores específicos (Aeronáutico; Agronegócio; Amazônia; Aquaviário; Biotecnologia; Energia; Espacial; Hidroviário; Tecnologia da informação; Mineral; Petróleo; Saúde; Transporte e Telecomunicações) e dois transversais (o Fundo Verde-Amarelo, para financiamento de projetos de interação entre universidades e empresas, mesmo que não estejam contemplados nos setores específicos, e o CT-Infra, destinado à melhoria da infraestrutura das ICTs). O Quadro 5 descreve brevemente o objetivo e a fonte de financiamento de cada fundo.

Em comum na definição das atribuições dos recursos reunidos pelos Fundos Setoriais de C,T&I tem-se que, em geral, 40% dos valores arrecadados é destinado ao Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico-Tecnológico (FNDCT), com exceção do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL) que é gerido pelo Ministério das Comunicações. De acordo com os dados de Arrecadação, Dotação Orçamentária e Execução Financeira disponibilizados pelo MCTI (2016), de 1999 a 2014, os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia destinaram cerca de R$ 33,44 bilhões a serem investidos em P&D no país, através do FNDCT, conforme a Tabela 4.

Quadro 5 - Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia e seus respectivos objetivos e fontes de financiamento

FUNDO OBJETIVOS FONTE DE FINANCIAMENTO LEIS APLICÁVEIS

CT- PETRO

Estimular a inovação na cadeia produtiva do setor de petróleo e gás natural, a formação e qualificação de recursos humanos e o desenvolvimento de projetos em parceria entre Empresas e Universidades, Instituições de Ensino Superior ou Centros de Pesquisa do país, com vistas ao aumento da produção e da produtividade, à redução de custos e preços, à melhoria da qualidade dos produtos e meio ambiente do trabalho do setor.

25% da parcela do valor dos royalties que exceder a 5% da produção de petróleo e gás natural.

Lei nº 9.478, de 6/08/1997, Lei n ° 11.921, de 13/04/2009, Decreto nº 2.455, de 14/01/1998, Decreto nº 2.705, de 03/08/1998, Decreto nº 2.851, de 30/11/1998, Decreto nº 3.318, de 30/12/1999, Decreto nº 3.520, 21/06/2000, Lei 12.351 de 22/12/2010; Lei 12.858 de 09/09/2013. CT- ENERG

Estimular a pesquisa e inovação voltadas à busca de novas alternativas de geração de energia com menores custos e melhor qualidade; ao desenvolvimento e aumento da competitividade da tecnologia industrial nacional, com aumento do intercâmbio internacional no setor de P&D; à formação de recursos humanos na área e ao fomento à capacitação tecnológica nacional.

0,75% a 1% sobre o faturamento líquido de empresas concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Lei nº 9.991 de 24/07/2000 Lei n ° 10.848, de 15/03/2004, Lei n ° 12.212, de 20/01/2010, Lei n ° 12.111, de 09/12/2009, Decreto n ° 3.867, de 16/07/2001 CT- TRANSPO RTE

Programas e projetos de P&D em Engenharia Civil, Engenharia de Transportes, materiais, logística, equipamentos e software, que propiciem a melhoria da qualidade, a redução do custo e o aumento da competitividade do transporte rodoviário de passageiros e de carga no País.

10% da receita arrecadada pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER - em contratos firmados com operadoras de telefonia, empresas de comunicações e similares, que utilizem a infraestrutura de serviços de transporte terrestre da União.

Lei nº 9.992, de 24/07/2000, Decreto nº 4.324, de 06/08/2002

CT- HIDRO Qualificar mão de obra e desenvolver produtos, processos e equipamentos com propósito de aprimorar a utilização sustentável, integrada e eficiente dos recursos

hídricos.

4% da compensação financeira atualmente recolhida pelas empresas geradoras de energia elétrica (equivalente a 6% do valor da produção de geração de energia elétrica).

Lei nº 9.993, de 24/07/2000, Decreto nº 3.874, de 19/07/2001

CT- ESPACIAL

Estimular a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico ligados à aplicação de tecnologia espacial na geração de produtos e serviços nas áreas de comunicação, sensoriamento remoto, meteorologia, agricultura, oceanografia e navegação.

25% das receitas de utilização de posições orbitais; 25% das receitas auferidas pela União relativas a lançamentos; 25% das receitas auferidas pela União relativas à comercialização dos dados e imagens obtidos por meio de rastreamento, telemedidas e controle de foguetes e satélites; e o total da receita auferida pela Agência Espacial Brasileira (AEB).

Lei nº 9.994, de 24/07/2000, Decreto nº 3.915, de 12/09/2001

CT- MINERAL

Desenvolvimento e difusão de tecnologia, pesquisa científica, inovação, capacitação e formação de recursos humanos, para o setor mineral, principalmente para micro, pequenas e médias empresas e estímulo a pesquisa técnico-científica de suporte à exploração mineral.

2% da Compensação Financeira do Setor Mineral (CFEM) devida pelas empresas detentoras de direitos minerários.

Lei nº 9.993, de 24/07/2000, Decreto nº 3.866, de 16/07/2001

VERDE-