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2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE MUDOU NAS

2.3 Política de Educação Profissional no governo Lula: a perspectiva de direitos e a

2.3.2 A política de Educação Profissional do MTE: o PNQ e o discurso da inclusão

As fortes críticas ao PLANFOR, sobretudo no que se relacionava à baixa qualidade e à efetividade social de suas ações, levaram o Ministério do Trabalho e Emprego a instituir em 2003 o Plano Nacional de Qualificação (PNQ)19, com o propósito de reorientar as diretrizes da política de qualificação profissional.

A perspectiva do MTE ao implementar o PNQ era superar o enfoque da educação profissional como política compensatória, voltada para empregabilidade e orientada para desenvolvimento de competências, conforme priorizado pelo PLANFOR.

18 Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005a, 2005b), Kuenzer (2006).

19 O PNQ foi instituído através da Resolução n⁰ 333, de 10.07.03, que foi revogada pela Resolução n⁰ 575, de

28.04.08, atualmente em vigência. No entanto, neste tópico será analisada a Resolução n⁰ 333, considerando que a mesma vigorou entre 2003-2007, período referente ao recorte temporal da pesquisa.

O PNQ foi concebido como parte do Plano Plurianual 2004-2007, portanto foi alicerçado nos seus objetivos: a) inclusão social e redução das desigualdades sociais; b) crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais; e c) promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia.

Com o propósito de consolidar as bases do PNQ, o MTE anuncia seis dimensões de mudanças, as quais marcam um “novo momento da Política Pública de Qualificação no País”.

Quadro 3 - Dimensões de mudanças do PNQ

Dimensão de mudança Descrição

Dimensão Política Afirma a política pública de qualificação profissional como um direito (universalizada, mas priorizando aqueles com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho).

• Papel do Estado – nem provedor, nem Estado mínimo, mas Estado Democrático (qualificação profissional deve estar sustentada na concertação social (comprometendo governos, trabalhadores e empresários com a inserção dos trabalhadores qualificados), e ser alicerçada no controle social).

Dimensão Ética Tem como propósito garantir a transparência no uso e gestão dos recursos públicos, destaque para a autonomia do sistema de avaliação do plano e monitoramento em tempo real.

Dimensão Conceitual Adquirem prevalência as noções como: educação integral, formas solidárias de participação social e gestão pública; empoderamento dos atores sociais (na perspectiva de sua consolidação como cidadãos plenos), qualificação social e profissional; território (como base de articulação do desenvolvimento local), efetividade social, qualidade pedagógica; reconhecimento dos saberes socialmente produzidos pelos trabalhadores Dimensão Pedagógica • Prevê: aumento da carga-horária média dos cursos, articulação prioritária

com educação básica (ensino fundamental, médio e educação de jovens e adultos); formulação e implantação de projetos políticos pedagógicos por parte das instituições executoras; investimento da formação docente; desenvolvimento conceitual acerca da qualificação profissional; desenvolvimento do sistema de certificação e orientação profissional; e apoio à realização do censo da educação profissional.

Dimensão Institucional Focaliza a integração das Políticas de Emprego, Trabalho e Renda entre si e destas com as políticas públicas de educação e desenvolvimento. A participação e o controle social são apontados como estratégicos

Dimensão Operacional Prevê a necessidade de implementação de um efetivo sistema de planejamento, monitoramento, avaliação e acompanhamento de egressos. Fonte: Formulação própria, a partir de dados de BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005, p. 20.

Essa nova política fundamenta-se na concepção de qualificação como construção social, contrapondo-se àquelas que focalizam a apropriação do conhecimento como processo individual e como resultado das exigências do mercado de trabalho. Conforme destaca o PNQ 2003-2007, esse conceito apresenta um caráter complexo e envolve uma multiplicidade de dimensões: a epistemológica, a social e a pedagógica.

A dimensão epistemológica realça o papel do trabalho na construção de conhecimento (não só técnico, mas também social).

A dimensão social e política põem em evidência os processos e mecanismos marcados por relações conflituosas, que são responsáveis pela produção e apropriação de tais conhecimentos.

A dimensão pedagógica se refere mais diretamente ao processo de construção, transmissão e acesso de conhecimentos, quer estes se efetivem por procedimentos formais ou informais (BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005, p. 23).

Decorre destas definições iniciais a compreensão da qualificação social e profissional como “direito e condição indispensável para garantia de trabalho decente para homens e mulheres”, através do qual se “permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho com efetivo impacto na vida e no trabalho das pessoas” (BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005, p. 24).

Nesse sentido, Lima (2007, p.101) esclarece que esta opção conceitual pelo termo qualificação social e profissional no âmbito do PNQ busca

[...] definir e ressaltar um conceito sociológico que aponta para um conjunto de relações sociais entre trabalho e educação. [...] Porque ao considerar qualificação apenas como um sinônimo de educação profissional está-se ressaltando apenas a dimensão educativa e pedagógica do processo de qualificação. [...] O mesmo acontece se apenas a dimensão trabalho for ressaltada. Nesse caso, os cursos instrumentais estarão voltados apenas à produção e ao mercado; no outro, os cursos serão estratosféricos, maravilhosos, mas sem nenhuma relação com a vida real do sujeito trabalhador, ao contrário precisa-se considerar a qualificação como algo situado na interseção do mundo do trabalho com mundo da educação.

Outro elemento presente nesta “nova concepção” se refere à articulação entre trabalho, educação e desenvolvimento que

[...] pressupõe a promoção de atividades político-pedagógicas baseadas em metodologias inovadoras dentro de um pensamento emancipatório de inclusão, tendo o trabalho como princípio educativo; o direito ao trabalho como valor estruturante da cidadania; a qualificação como uma política de inclusão social e um suporte indispensável do desenvolvimento sustentável, a associação entre participação social e a pesquisa como elementos articulados na construção desta política e na melhoria da base de informação sobre a relação trabalho-educação-desenvolvimento. Possibilita com tudo isso a melhoria das condições de trabalho e da qualidade social de vida da população (BRASIL, MTE, SPPE, DEQ, 2005, p. 25).

O PNQ, então, estabelece como seu objetivo central

[...] contribuir para promover a integração, das políticas e para a articulação das ações de qualificação profissional do Brasil, em conjunto com outras políticas vinculadas ao emprego, renda e educação, [devendo] promover gradativamente a universalização dos direitos dos trabalhadores à qualificação (BRASIL, Resolução n⁰ 333, 2003).

Um elemento importante merece ser destacado no objetivo geral do PNQ. Concebendo a qualificação profissional como um direito, aponta-se para a necessária universalização da referida política pública, e conclui-se, portanto, que esta deve ser uma política de Estado, de forma a se constituir em uma ação perene e não apenas vinculada a programas de governo.

Esse objetivo geral do PNQ desdobra-se nos objetivos específicos:

I – a formação integral (intelectual, técnica, cultural e cidadã) dos/as trabalhadores/as brasileiros/as;

II – aumento da probabilidade de obtenção de emprego e trabalho decente e da participação em processos de geração de oportunidades de trabalho e de renda, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego;

III – elevação da escolaridade dos trabalhadores/as, através da articulação com as políticas públicas de educação, em particular com a Educação de Jovens e Adultos;

IV – inclusão social, redução da pobreza, combate à discriminação e diminuição da vulnerabilidade das populações;

V – aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade ou aumento da probabilidade de sobrevivência do empreendimento individual e coletivo; VI – elevação da produtividade, melhoria dos serviços prestados, aumento da competitividade e das possibilidades de elevação do salário ou da renda; e VII – efetiva contribuição para articulação e consolidação do Sistema Nacional de Formação Profissional, articulado ao Sistema Público de Emprego e ao Sistema Nacional de Educação (BRASIL, Resolução n⁰ 333, 2003).

O PNQ é implantado através dos Planos Territoriais de Qualificação (PlanTeQs) e de Projetos Especiais de Qualificação (ProEsQs). Para execução dos programas e projetos no âmbito do PNQ são firmados convênios ou outros instrumentos legais com entidades públicas ou privadas20.

20 Secretarias estaduais ou municipais de trabalho, escolas técnicas públicas, empresas públicas e outros órgãos

da Administração Pública, serviços nacionais sociais e de aprendizagem, centrais sindicais, confederações empresariais e outras entidades representativas de setores sociais organizados, universidades, fundações, institutos, escolas comunitárias rurais e urbanas e outras entidades comprovadamente especializadas na qualificação social e profissional; organizações não governamentais e seus consórcios com existência legal que comprovadamente realizem atividades de qualificação social e profissional.

As ações do PNQ contemplam cursos, seminários, oficinas, assessorias, extensão, pesquisas, estudos, abordando como principais conteúdos: comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos, raciocínio lógico-matemático, relações interpessoais no trabalho, informação e orientação profissional; processos, métodos, técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos e outros conteúdos específicos das ocupações; empoderamento, gestão, autogestão, associativismo, cooperativismo, melhoria da qualidade e da produtividade. Obrigatoriamente os cursos deverão destinar 20% de sua carga-horária total a conhecimentos sobre saúde e segurança no trabalho, educação ambiental, direitos humanos, sociais e trabalhistas, informação e orientação profissional e gestão do trabalho.

Além disso, estes conteúdos devem estar articulados a outros que se definam em função da realidade local, da necessidade dos trabalhadores, do desenvolvimento territorial, do mercado de trabalho e do perfil da população atendida. Por sua vez, os conteúdos técnicos deverão estar em consonância com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) (BRASIL, Resolução n⁰ 333, 2003).

O PNQ prioriza como população beneficiária os trabalhadores sem ocupação, os rurais, autônomos, domésticos, aqueles cujas empresas às quais estão vinculados foram afetadas pela modernização tecnológica, pessoas beneficiárias de política de inclusão social ou de políticas afirmativas, trabalhadores egressos do sistema penal, e jovens sob medidas sócio-educativas, servidores públicos da saúde, educação, entre outros, trabalhadores incluídos nos arranjos produtivos locais estratégicos para o desenvolvimento econômico, e gestores de políticas públicas. Porém, em qualquer desses segmentos têm prioridade pessoas mais vulneráveis econômica e socialmente, sobretudo os trabalhadores de baixa renda, baixa escolaridade, e população sujeita às diversas formas de discriminação (BRASIL, Resolução n⁰ 333, 2003).

Por fim, o Plano apresenta como diretrizes: o desenvolvimento político-conceitual, a articulação institucional, a efetividade social e política e a qualidade pedagógica.

Quanto ao desenvolvimento político-conceitual, o PNQ assinala a necessidade de constituir referenciais de qualificação profissional como construção social, como um direito de cidadania, em bases contínuas, permanentes e de maneira articulada com a educação básica, portanto como uma política pública orientada por objetivos sociais e alicerçada no desenvolvimento local sustentável social e ambientalmente, fundamentada na educação integral dos trabalhadores, com atenção para a diversidade social, econômica e regional destes sujeitos (BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005, p. 27).

A articulação institucional tem como base a integração das políticas de qualificação, trabalho, emprego e renda, desenvolvimento e educação. Destaca-se a proposição de integrar em uma única rede de educação profissional as políticas de qualificação e educação, no sentido de superar a separação entre educação profissional (básica, técnica e tecnológica) e a educação básica (fundamental, média e educação de jovens e adultos, educação no campo), contribuindo para uma efetiva elevação de escolaridade dos trabalhadores (ibidem, p. 28).

A efetividade social e política busca considerar além dos critérios de eficiência (cumprimento de metas) e eficácia (cumprimento de metas financeiras) os benefícios econômicos, sociais e culturais efetivamente gerados pelas políticas de qualificação para os/as educandos/as. Nesse sentido, há um compromisso expresso em propiciar o empoderamento dos trabalhadores, como sujeitos individuais e coletivos e garantir a efetiva participação e controle social na formulação, implementação e avaliação da política pública (BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005, p. 29).

Em relação à qualidade pedagógica, se propõe oferecer aos trabalhadores uma educação integral de forma a superar as práticas de qualificação profissional voltadas unicamente para o treinamento operacional. Para tanto, pressupõe-se: a) a valorização dos educandos como sujeitos dotados de saberes e de identidade cultural; b) um projeto político- pedagógico que assuma como eixos o trabalho e a cidadania; c) construção curricular que contemple as dimensões: técnico-científica; sociopolítica, metodológica e ético-cultural; d) plano de formação docente; e) articulação entre educação profissional e elevação de escolaridade; f) produção e disseminação de informação sobre demanda e oferta da qualificação profissional; g) constituição de um processo de certificação profissional que reconheça e valorize os saberes acumulados pelos trabalhadores em prática profissional, desenvolvidos em processos formais e informais de aprendizagem; h) construção de processos eficazes de orientação profissional para os educandos (BRASIL, MET, SPPE, DEQ, 2005).

Ainda para garantir a qualidade pedagógica o PNQ prevê que os projetos devem assegurar simultaneamente que: a) 75% de ações formativas denominadas cursos tenham carga horária mínima de 40h; b) 25% das ações formativas denominadas seminários, oficinas, laboratórios e outras modalidades tenham duração mínima de 16h; e c) a média de horas do conjunto das ações formativas não seja inferior a 200h (BRASIL, Resolução n⁰ 333, 2003).

Recuperando as principais concepções do PLANFOR e do PNQ, Jorge (2009) analisa, em perspectiva comparada, as principais diferenças entre estes referidos planos, a partir de dois eixos: planejamento e implementação. Considerando o eixo de planejamento o autor destaca os seguintes achados:

Quadro 4 - Concepções e objetivos do PLANFOR e do PNQ

Variáveis PLANFOR PNQ

Planejamento (Concepções, objetivos e mecanismos de implementação) Quanto ao problema a

ser enfrentado

Insuficiência de habilidades, de competências para a realização de tarefas demandadas pela

reestruturação produtiva.

Insuficiência de compreensão, por parte do indivíduo, do processo complexo de sua inserção social na sociedade moderna, capitalista, dentro da qual o trabalho se apresenta, não só como fonte essencial de geração de renda monetária, mas como condição de dignidade e de reconhecimento do indivíduo como cidadão

Objetivos Qualificação para atender as demandas do mercado de trabalho

Qualificação para o mercado de trabalho e para geração de renda Finalidade da

qualificação

Empregabilidade - Ênfase na inserção no mercado de trabalho por meio do emprego formal.

Desenvolvimento social - centra-se na noção de geração de trabalho como forma de geração de renda, sem necessariamente ser focado no mercado formal de trabalho. Concepção de

qualificação

A qualificação é vista como política ativa de emprego, partindo do pressuposto de que é necessário qualificar parte expressiva da População Economicamente Ativa - PEA como forma de suprir uma demanda do mercado de trabalho.

A qualificação é vista como um direito, e tem sua concepção originada nos debates sobre políticas públicas ensejadas pelos movimentos sociais, mais

especificamente pelo movimento sindical nos anos 1990.

Concepção de exclusão Excluídos do mercado formal de

trabalho (cidadania regulada) Excluídos econômico e socialmente (condição plena do cidadão) Fonte: Formulação própria, a partir dos dados de Jorge (2009).

Apesar das diferenças conceituais identificadas entre o PLANFOR e o PNQ, os primeiros estudos sobre a implementação deste último sinalizam que na prática pouco mudou.

Segundo Kuenzer (2006, p. 890), “a análise do PNQ evidencia avanço conceitual significativo em relação ao PLANFOR, no que se refere às relações entre trabalho e educação, a partir da ótica dos trabalhadores”. Porém, a autora destaca que na prática vários fatores têm dificultado a implementação dessas políticas, entre eles:

[...] a perda de interesse das agências formadoras, que não consideram atrativo o investimento para cursos mais extensos e que integrem conhecimentos básicos, o que não tem feito parte de sua experiência; e para o desinteresse do público-alvo que busca alternativas que viabilizem inclusão a curto prazo, com o que é difícil integralizar turmas.

Nesse mesmo sentido, Cêa (2004, p. 13) pondera que

[...] mesmo considerando que do ponto de vista conceitual e argumentativo o PNQ possa representar um avanço em relação ao PLANFOR, aquele vem representando um elo de continuidade da política pública de qualificação profissional do Estado brasileiro como instrumento de regulação social que beneficia predominantemente o capital, em detrimento ao trabalho.

Apesar da relevância destas reflexões e da necessidade de ampliar os estudos sobre o PNQ, não é propósito deste trabalho avaliar os resultados da implementação do Plano, motivo pelo qual não será aprofundado este aspecto. A análise das proposições do MTE sobre a política de educação profissional nas últimas décadas e em especial no governo Lula tem como propósito identificar as concepções que configuram a base conceitual desta política, para analisar como estas concepções se expressam em uma ação específica desenvolvida pelo MTE, a saber, o Consórcio Social da Juventude.

2.4 Bases conceituais da política de educação profissional do governo Lula: um olhar a