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2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE MUDOU NAS

2.1 Transformações no mundo do trabalho

2.1.1 O Brasil frente às mudanças no mundo do trabalho

No Brasil o processo de industrialização foi fortemente influenciado pelo paradigma taylorista e fordista, havendo elevadas taxas de expansão da produção até os anos 70. Apesar da industrialização tardia, que só se intensificou entre os anos 30 e 60, o Brasil passou rapidamente de país agrário-exportador para uma economia urbano-industrial. Segundo Pochmann (2004, p. 56), “o crescente avanço das forças produtivas ocorreu por meio da combinação do projeto de industrialização com forte expansão estatal e ampla internalização do mercado interno, permitindo maior participação relativa do Brasil na economia mundial”.

No entanto, Mattoso (1995 apud LOPES, 2002, p. 66) ressalta que “o Estado brasileiro dedicou-se prioritariamente a promover o crescimento econômico, mantendo restrito seu papel de promotor do desenvolvimento social e da distribuição de renda”, o que pode ser confirmado, entre outros fatores, pela concentração dos grandes latifúndios improdutivos, pela intensa migração dos trabalhadores expulsos do campo, pelo crescimento desordenado das cidades, pela ausência de políticas sociais universais e equitativas e por uma política salarial restrita às necessidades mínimas dos trabalhadores. Essa política de cunho conservador proporcionou a concentração de renda para a classe dominante, com decorrente aprofundamento das desigualdades sociais, constituindo-se em um projeto de desenvolvimento excludente para o país.

No final dos anos 70, a economia brasileira começa a sofrer um profundo retrocesso que culminou com um longo ciclo de baixo crescimento econômico e de desestruturação produtiva, pois já não se sustentava o padrão de acumulação “baseado na produção de bens duráveis, sem contrapartida de um alargamento da massa salarial” (LOPES, 2002, p. 67). O baixo ciclo de crescimento econômico foi profundamente prejudicial para os trabalhadores, resultando na criação de postos de trabalho em número inferior à oferta de mão-de-obra, redução de empregos qualificados, em virtude da ampliação das importações, e precarização das condições e das relações de trabalho.

Segundo Caiado, Ribeiro e Amorim (2004), a década de 80, conhecida como a Década Perdida, foi marcada pelo aumento de restrições de financiamento estrangeiro ao Brasil, obrigando o país a gerar superávits comerciais cada vez maiores para financiar e postergar o pagamento da dívida externa. Ainda conforme os autores, esse período caracterizou-se pelas baixas taxas de crescimento econômico, por altos níveis de inflação, estagnação tecnológica do parque produtivo, lucratividade financeira por vezes maior que a operacional e

incapacidade do Estado em promover políticas de desenvolvimento e consolidação da distribuição de renda.

Nos anos 90, a crise econômica se intensifica, fazendo crescer o desemprego a patamares nunca vistos. Segundo Mattoso (1999), só nessa década, mais de 3 milhões de empregos foram eliminados, além do que ampliou-se consideravelmente o setor informal.

Para o autor, a adoção de uma política econômica baseada na inserção internacional subordinada, abertura comercial e financeira indiscriminada, sobrevalorização cambial e elevados juros foram as principais causas do baixo crescimento econômico. Ele conclui que a política econômica do governo FHC foi danosa ao emprego, na medida em que introduziu

[...] um freio ao crescimento do conjunto da economia (indústria, serviços e agricultura) e uma clara desvantagem da produção doméstica diante da concorrência internacional. A reação das empresas, dada a menor competitividade diante dos concorrentes externos a que foram levadas, foi imediata: aceleraram a terceirização das atividades, abandonaram linhas de produtos, fecharam unidades, racionalizaram a produção, importaram máquinas e equipamentos, buscaram parcerias, fusões ou transferência de controle acionário e reduziram custos, sobretudo da mão-de-obra (MATTOSO, 1999, p. 30).

Caiado, Ribeiro e Amorim (2004) indicam que a predominância de iniciativas de desenvolvimento alicerçadas na competição sobre aquelas ancoradas na competitividade12, associadas aos efeitos perversos das tentativas de estabilização da moeda nos anos 90, culminou em três resultados: a) desestruturação de alguns segmentos econômicos, que não tiveram recursos e inovações para enfrentar a competição; b) desnacionalização do controle acionário de outros segmentos - caminho para entrada de capital estrangeiro; c) reestruturação produtiva destes e de outros segmentos para alcançar novos padrões de competitividade.

O processo de reestruturação produtiva no Brasil, no entanto, teve características bastante distintas daquelas vividas nos países desenvolvidos e foram introduzidas em diferentes níveis, considerando a diversidade de contextos produtivos existentes no país. Caiado, Ribeiro e Amorim (2004), reportando-se a estudos de Haguenauer et al. (2001) e Miranda (2001), identificam três níveis de reestruturação produtiva. O primeiro está vinculado à introdução de inovações importantes em termos de produto, processo, de organização e de

12 Caiado, Ribeiro e Amorim (2004) exemplificam como iniciativas de crescimento alicerçadas na competição:

as medidas de controle inflacionário, sobrevalorização cambial, etc., uma vez que ampliaram a competição com produtos externos. Já aquelas baseadas na competitividade são exemplificadas como: restrição de crédito, elevação de juros, fraco crescimento do PIB, etc., por serem fatores que restringiram a competitividade dos produtos brasileiros.

gestão da produção que se ampliou e se diversificou em meio a um upgrading. O segundo restringiu-se a um downgrading da estrutura produtiva, com especialização forçada em determinados produtos, além de uma menor consolidação de conhecimento e uma menor geração de valor nos respectivos processos. O terceiro caracterizou-se pelo rebaixamento dos custos, através de três estratégias: a) relocalização da produção em busca de matérias primas abundantes, mão-de-obra barata e da guerra fiscal; b) externalização da produção de maneira a repassar a produção a terceiros, dentro ou fora do próprio país; c) degradação do trabalho seja em termos de contratação, de exercício efetivo, de remuneração, etc.

Para esses autores, o desequilíbrio entre competição e competitividade junto com os efeitos das tentativas de estabilização econômica direcionou o empresariado brasileiro para uma “modernização espúria” colaborando decisivamente para a desestruturação do trabalho na década de 90. Tanto a desestruturação quanto a reestruturação produtiva impactaram no mundo do trabalho. Por um lado, a desestruturação de alguns segmentos econômicos significou fechamento de postos de trabalho, o que aumentou significativamente o desemprego. Por outro lado, a reestruturação produtiva trouxe o aumento da produtividade, mas com redução de postos de trabalho e a desregulamentação das condições de trabalho, além da terceirização.

É importante ressaltar que a terceirização da produção intensifica sobremaneira a precarização do trabalho ao longo da cadeia produtiva. A fábrica prioriza a execução de tarefas com base microeletrônica, empregando trabalhadores com maior qualificação, oferecendo em contrapartida melhores condições de trabalho. Enquanto os terceirizados realizam tarefas com baixa exigência tecnológica, geralmente em trabalho domiciliar, envolvendo trabalhadores com baixa escolaridade, o que resulta em condições de trabalho ainda mais precarizadas (KUENZER, 2006).

Frente a estes cenários indaga-se: como as mudanças nos processos produtivos repercutiram na educação profissional no Brasil nessas últimas duas décadas? A resposta a essa questão parte de uma premissa central:

Os novos programas pedagógicos não nascem das idéias dos intelectuais; ao contrário, eles são determinados pelas mudanças ocorridas no mundo do trabalho, que apresentam diferentes demandas a cada etapa das forças produtivas, em função das características que assume a divisão social e técnica do trabalho (KUENZER, 1999, p. s/n).