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2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE MUDOU NAS

2.1 Transformações no mundo do trabalho

2.1.2 Transformações no mundo do trabalho, educação e qualificação profissional

A cada momento de transformação do mundo do trabalho a educação profissional sofre alterações, uma vez que “mudanças nos processos de organização e gestão do trabalho modificam os conteúdos e requisitos da qualificação” (MANFREDI, 2006, p. 18).

Na sociedade pré-capitalista observa-se que o ofício era ensinado no próprio local de trabalho pelo mestre, através da transmissão oral, e o aprendiz apropriava-se de todo o processo de produção.

Com o advento da industrialização, o saber de ofício vai dando lugar às aprendizagens mecânicas do uso das máquinas; em geral os próprios companheiros de trabalho ensinavam a manejá-las, na medida em que não havia necessidade de saberes específicos, nem tampouco geral.

No processo de produção de bases rígidas (taylorista/fordista), a formação dos trabalhadores pautava-se em uma escolarização mínima, prevalecendo o treinamento e a aprendizagem pela experiência, ou seja, uma formação de caráter instrumental e mecânica necessária ao exercício da ocupação (KUENZER, 1999). Ao se conceber a qualificação profissional como restrita e submetida a um posto de trabalho, defini-se que os trabalhadores devem ser formados exclusivamente para desempenhar tarefas e funções específicas e operacionais.

Essa concepção de formação profissional está alicerçada numa concepção comportamental rígida, pela qual o ensino/aprendizagem das tarefas/habilidades deve se dar numa sequência lógica, objetiva e operacional, enfatizando os aspectos técnico-operacionais em detrimento de sua fundamentação mais teórica e abrangente (MANFREDI, 2006, p. 14).

Manfredi (2006, p. 15) explica que, nesse contexto, a noção de hierarquia de postos de trabalho é estabelecida em função de uma escala de qualificações profissionais que, por sua vez, está relacionada aos níveis de escolaridade, ou seja, o acesso à educação escolar legitima a existência de posições mais elevadas na hierarquia de especializações, criadas a partir do mundo do trabalho.

Dessa concepção a autora deduz três assertivas, no que diz respeito à construção de representações referentes à relação qualificações profissionais e níveis de escolaridade: a) reduz a qualificação a um percurso de responsabilidade individual e meritocrática, esvaziando o sentido da qualificação profissional também como uma construção coletiva; b) fortalece a

proposição político-ideológica da educação como caminho para acesso a posições mais qualificadas, encobrindo os demais mecanismos sociais e organizacionais que determinam esse acesso; c) os níveis hierárquicos de qualificação legitimam e justificam a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual13, estando os níveis hierárquicos de escolarização associados a essa separação.

Manfredi (2006) conclui que a valorização da educação formal se fez presente no discurso, mas na prática esta só é exigida para os cargos mais altos da hierarquia, com propósito de valorizar o conhecimento técnico-científico em detrimento do conhecimento prático.

Assim, reproduzindo a divisão social do trabalho, surge um sistema dual de ensino, de forma que para as elites dirigentes se destina a educação geral, propedêutica, e para classe trabalhadora a educação profissional, predominantemente prática.

Nas palavras de Saviani (2003, p. 138),

[...] formam-se trabalhadores para executar com eficiência determinadas tarefas requeridas pelo mercado de trabalho. Tal concepção também vai implicar a divisão entre os que concebem e controlam o processo de trabalho e aqueles que executam. O ensino profissional é destinado àqueles que devem executar, ao passo que o ensino científico-intelectual é destinado àqueles que devem conceber e controlar o processo.

A reestruturação produtiva vai impor um novo padrão de qualificação profissional, na medida em que vincula o aumento da produtividade à necessidade de qualificação dos trabalhadores.

Trabalho em equipe, flexibilidade, participação, polivalência são as categorias chaves para o “novo” processo formativo. Impõe-se aos trabalhadores a necessidade de adquirir competências e habilidades no campo cognitivo, técnico, de gestão e atitudes para se tornarem competitivos e empregáveis.

Segundo Kuenzer (1999), este novo modelo coloca em questão as “tradicionais formas” de educação profissional. Para a autora, a reestruturação produtiva demanda um novo tipo de trabalhador, capaz de dar respostas rápidas, originais e eficazes aos problemas que emergem no processo produtivo. Essa habilidade suscita outro tipo de conhecimento; a

13 “A divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual é sempre relativa, uma vez que o trabalho manual, por

mais repetitivo que seja, não prescinde absolutamente de algum nível de intelectualidade, e muitas vezes, ao trabalho intelectual, também está associado algum nível de trabalho manual. A questão, portanto, deve ser analisada mais em termos da quantidade e da qualidade de conhecimentos que são postos em jogo na realização do trabalho, o que, por sua vez, interfere na classificação profissional e social” (RAMOS, 2001, p. 34).

memorização de procedimentos dá lugar ao domínio do conhecimento técnico-científico, englobando seus conteúdos, métodos e as formas de trabalho multidisciplinar. Articula-se a este novo conhecimento a competência ética, ou seja, o compromisso político com qualidade de vida social e produtiva e o desenvolvimento de novos comportamentos alinhados às novas formas de gestão do trabalho, onde as práticas individuais perdem espaço para procedimentos coletivos, e se compartilham responsabilidades, informações, conhecimentos.

Nesse contexto, a escolaridade básica complementada pela educação profissional ganha importância. No entanto, essa valorização não tem se refletido numa oferta de educação técnico-científica mais avançada para a grande maioria dos trabalhadores. Este acesso ainda é restrito e hierarquizado, mantendo-se uma formação simplificada, de curta duração e de baixo custo para a maioria dos que vivem do trabalho, e uma formação de maior complexidade, custo e duração para os poucos que ocuparão as tarefas de concepção e gerência. Dessa forma, evidencia-se que embora o novo padrão de produção tenha impulsionado a elevação dos padrões educacionais e diminuído a divisão entre trabalho manual e intelectual, estabelecendo outra relação entre homem e conhecimento, isso não alterou a distribuição desigual do capital material e cultural (KUENZER, 1999).

No Brasil, as mudanças nos processos de produção também determinaram mudanças na concepção e consequentemente na política de qualificação profissional, que podem ser sistematizadas em três principais concepções,

[...] a primeira, predominante entre 1990 e 1996, vê a qualificação como via de retorno ao emprego – diante de uma percepção do desemprego como uma situação conjuntural, vincula as ações de qualificação/requalificação ao benefício do seguro-desemprego; a segunda, hegemônica entre 1996 e 2002 e que teve no PLANFOR seu principal instrumento, realça a concepção de qualificação como uma política “ativa14” de emprego e toma como meta a qualificação de fatias expressivas da PEA, como garantia da empregabilidade do trabalhador e da competitividade da economia; e a terceira, que ganha evidência a partir de 2003, baseada em uma concepção de qualificação como direito e como política pública, tendo no PNQ sua âncora (LIMA, 2007 apud PRESTES; VÉRAS, 2009).

Estas duas últimas concepções serão aprofundadas com a análise das concepções de educação profissional predominantes no PLANFOR e no PNQ.

14 Castioni (2008, p. 28) classifica as políticas de emprego em ativas e passivas. As ativas são aquelas que agem

tanto sobre a oferta de trabalho quanto sobre a demanda por trabalho, como: intermediação de mão-de-obra, criação direta de emprego pelo setor público, redução da jornada de trabalho e formação profissional. As passivas enfrentam o problema do emprego através de políticas compensatórias ou de mecanismos redutores da oferta de trabalho, como por exemplo, políticas de antecipação de aposentadorias ou de incentivo à postergação da entrada dos jovens no mercado de trabalho.

Destaca-se que a intencionalidade de resgatar as concepções de educação profissional propostas pelo PLANFOR está pautada na perspectiva de compreender de forma mais clara o que propõe a política de educação profissional do governo Lula, uma vez que o PNQ é apresentado como uma resposta aos princípios do PLANFOR.

2.2 Política de Educação Profissional no governo FHC: Qualificação profissional como