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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 116

4.7. A política externa brasileira 136

A política externa brasileira atuou de forma mais veemente no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos com a intenção de realizar os ajustes necessários para que o Brasil sofresse o menor impacto possível das decisões adotadas pela Bolívia. Diante dessa premissa, foram elaboradas três questões para avaliar as ações brasileiras: 1. A política externa brasileira está adaptada à realidade da globalização das economias?; 2. As medidas adotadas pelo Brasil no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos estão em consonância com a sua política externa?; e, 3. A política externa brasileira inviabiliza a adoção de medidas protetivas e reação às ameaças de não cumprimento do pactuado nas suas relações internacionais? Os dados acerca das questões formuladas estão apresentados na Figura 11.

Dos dados constantes da figura 11, conclui-se que a maior parte (média variando entre 2,1 a 2,89) das pessoas que respondeu os questionários compreende que “a política externa brasileira não está adaptada à realidade da globalização das economias” (média variando entre 2,1 a 2,89) e, com exceção dos sociólogos e economistas (média=3,44 e 3,1), que as “medidas adotadas pelo Brasil no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos não estão em consonância com a sua política externa” (média= 2,8 a 2,5). Ademais, os sociólogos, magistrados e internacionalistas (respectivamente média=3,8, 3,7 e 3,5) tendem a concordar que o Brasil deveria “adotar medidas protetivas e posicionar-se de forma mais incisiva quanto às ameaças de não cumprimento do pactuado” nas suas relações internacionais.

Segundo afirmam os participantes da pesquisa nas questões abertas constantes do questionário, além de fatores políticos, com o novo mapa ideológico da região andina, as promessas de campanha do presidente Evo Morales poderiam se concretizar na nacionalização dos hidrocarbonetos e estavam claramente delineadas, devendo o Brasil ter adotado medidas protecionistas para evitar os impactos advindos da implementação das ações previstas:

Sim, era previsível a utilização do elemento político para a quebra dos contratos. Quanto das eleições providenciais, ocorridas no meio de uma considerável turbulência social na Bolívia, e então candidato Evo Morales anunciava abertamente que, se eleito fosse, promoveria a nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos mesmo tratando-se de um discurso populista e sem explicar claramente o que significava nacionalizar o gás boliviano

Em contrapartida foi registrado por um dos participantes que as reservas naturais da Bolívia deveriam ser protegidas da exploração de interesses internacionais e que, os contratos deveriam estar adaptados aos princípios previstos na Constituição do país. Contudo, registram que o Brasil deveria adotar medidas, com caráter de urgência, para mitigar os percalços advindos da nacionalização e que não poderia ter ocorrido a ruptura unilateral do contrato firmado: “A Bolívia tinha o direito de adotar processos de proteção aos recursos naturais do país, mas não poderia romper unilateralmente um contrato bilateral firmado com o Brasil”.

Assim, nos registros das questões abertas, a ação do presidente da Bolívia de nacionalizar os hidrocarbonetos era previsível, visto que Governos de orientação ideológica de esquerda fazem uso de nacionalismo como forma de propaganda

interna. Por isso, consideram ainda que o Brasil falhou em sua ação diplomática e não fez uso dos instrumentos de direito internacional disponíveis: “Sim, era previsível, principalmente por conta dos distúrbios políticos ocorridos na Bolívia. Na verdade, o processo de interferência política na Bolívia poderia trazer problemas diplomáticos para o Brasil”.

Dessa forma, dado o elemento político envolvido, os representantes da política externa brasileira se equivocaram quando se eximiram de precauções diante das eleições presidenciais, dadas as promessas do candidato Evo Morales de nacionalizar os hidrocarbonetos bolivianos. Assim, mesmo tratando-se de um discurso populista e sem explicar claramente o que significava nacionalizar o gás boliviano, já se sabia que a renegociação ou mesmo a quebra dos contextos desse setor era iminente.

Na opinião dos participantes, o Brasil, por meio da Petrobrás, coletou as medidas judiciais cabíveis na Bolívia, porém, poderia ter acionado aquele país na OMC e levado a questão para o fórum internacional: “o Brasil poderia ter adotado medidas de proteção juridicamente aceitas e intermediado por um órgão de resolução de conflitos internacionais”. Contudo, não foi o que aconteceu, em razão de aspectos de interesses internacionais e de diplomacia, o Brasil preferiu a negociação e aceitou a revisão dos contratos celebrados com a Bolívia, tendo deixado a qualidade de concessionária de um serviço público naquele país, passando a condição de mera prestadora de serviços.

Ademais, registra-se a opinião de que o Brasil optou por investir num país instável e que não foram adotadas medidas de proteção constantes no acordo de proteção de investimentos que seria a melhor medida de proteção a políticas de nacionalização pode ser investir em países estáveis. A resposta registrada pelos participantes demonstra que o governo brasileiro não esperava tal tratamento por parte do governo boliviano. Imaginava que as aparentes boas relações pessoais com os nossos presidentes seriam o suficiente para nos imunizar. Os contratos comerciais, celebrados entre as partes envolvidas, deveriam ser suficientes para resolver qualquer conflito:

Sim, era previsível. O governo brasileiro não esperava tal tratamento por parte do governo boliviano. Imaginava que as aparentes boas relações pessoais com os nossos presidentes seriam o suficiente para nos imunizar. Os contratos comerciais, celebrados entre as partes envolvidas, deveriam ser suficientes para resolver qualquer conflito. A medida de proteção seria buscar os nossos direitos em corte internacional.

No ambiente globalizado, estabelecer políticas de proteção internacional para possibilitar o crescimento da economia e minimizar os efeitos na política interna dos países é medida necessária para garantir o crescimento do país. Nesse tocante, conforme se observa nas respostas dos participantes, a política externa brasileira não está adaptada à realidade da globalização das economias, sendo considerada não coerente com a realidade apresentada com a nacionalização dos hidrocarbonetos da Bolívia.

A pesquisa contempla os aspectos relacionados às decisões adotadas pelos Estados considerando o instituto da soberania como elemento inerente que interfere na sociedade internacional. Assim, verifica-se que a decisão da Bolívia possui como embasamento inicial o atendimento ao princípio do interesse nacional e a agressão à soberania do país. Considerando que o Decreto Supremo 28.071 apresenta como um dos motivos para a nacionalização dos hidrocarbonetos a questão da soberania, a primeira questão aberta do questionário relaciona-se ao tema no momento em que pretende verificar a previsibilidade das medidas adotadas pela Bolívia e as medidas que o Brasil deveria ter adotado para garantir a proteção dos seus interesses.

Os resultados da pesquisa demonstram a previsibilidade das ações adotadas pela Bolívia e insuficiência de mecanismos protetivos adotados pelo Brasil considerando o contexto histórico da Bolívia, principalmente no tocante à nacionalização de hidrocarbonetos e a plataforma política do atual presidente Evo Moralles. Diante dos dados, observa-se que o principal argumento do presidente Boliviano para a nacionalização dos hidrocarbonetos foi que a exploração dos recursos naturais agredia a soberania do país.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Decreto Supremo n.º 28.071 não foi a primeira medida de nacionalização adotada pela Bolívia, a história do país registra três nacionalizações: 1937, 1969 e 2006. Em 2006 a nacionalização afetou diretamente o Brasil, motivo pelo qual se tornou foco do presente estudo, adotando como um dos objetos a eficiência da política de relações exteriores do Brasil.

Garcia (2005) explica que a primeira nacionalização ocorreu após a Guerra do Petróleo contra o Paraguai que confiscou as concessões petrolíferas da companhia americana Standard Oil. No momento da nacionalização foi declarada a caducidade dos contratos de exploração e produção de óleo da sobredita companhia, com a justificativa para as medidas adotadas foi a inconstitucionalidade

e o desrespeito aos contratos firmados e a exploração indevida dos recursos naturais de forma indevida. O mesmo autor ressalta, ainda, que a nacionalização dos recursos hidrocarbonetos é fruto do papel estratégico que a matriz energética incorporou a partir da Primeira Guerra Mundial.

Em 1969 ocorreu a segunda nacionalização dos recursos naturais da Bolívia quando foram expropriados os bens da companhia americana Gulf Oil, conforme apresenta Yergin (1992). A justificativa não se distanciou da primeira nacionalização, registrando que ocorreu usurpação dos países estrangeiros e não atendimento ao previsto na legislação nacional e nos contratos firmados com a companhia, com forte apelo político e econômico.

Fiori (2006) informa que atualmente o cenário mundial apresenta um momento em que a produção de hidrocarbonetos não é suficiente para garantir o abastecimento dos países que não são auto-suficientes, a tendência internacional é que os países com grande produção busquem realizar um controle maior dos seus recursos com objetivo de se estabelecer internacionalmente, bem como redimensionar os contratos firmados. Assim, em 2006 ocorreu a terceira nacionalização dos hidrocarbonetos da Bolívia, afetando diretamente o Brasil.

Verifica-se, dessa forma, uma linha histórica que se repete e que apontam para um cenário nebuloso no tocante à segurança jurídica das relações estabelecidas nas relações comerciais com a Bolívia. Observa-se que a promessa de inclusão social com a liberalização da economia e da política da Bolívia não se concretizou gerando, dessa forma, momentos de instabilidade no país. Conforme explica Saavedra (2004) mais da metade da população permanece em condições de pobreza e intensifica, dessa forma, a pressão pela melhoria da qualidade de vida e do crescimento do país.

Hofmeister (2004) quando analisa a história da Bolívia, quanto à construção da democracia e da evolução do processo político, afirma que é um país marcado por conflitos internos e externos que culminaram em reivindicações e mobilizações populares de controle dos recursos naturais.

Um dos pontos iniciais dos referidos movimentos foi a denominada Guerra da Água em 2000 quando foi cancelado um contrato44 de privatização dos serviços de

distribuição de recursos hídricos, conforme expõe Saavedra (2004). O referido autor

44 Contrato firmado com o consórcio Água de Tunari que possuía capital espanhol, italiano, americano

explica que após a guerra da água iniciou-se a luta pelo gás incentivada pela decisão do governo de Sanchez Lozada de exportar gás para os Estados Unidos por meio dos portos chilenos45, ativando na população o sentimento de exploração e

revivendo os momentos marcantes da Guerra do Pacífico.

As medidas adotadas pela Bolívia foram motivadas pela realidade de uma economia que gira em torno dos investimentos nos recursos naturais do país, principalmente dos hidrocarbonetos. Por isso, em 21 de setembro de 2003, conforme expõe Waserman (2004) os índios de Warisata manifestaram-se em desfavor das políticas do governo Sanches Lozada, culminando na renúncia do governo em 17 de outubro e assumiu Carlos Mesa que deixou o poder em 2005 em virtude de pressões populares.

Neste contexto surge Evo Morales com uma plataforma política voltada para a nacionalização dos hidrocarbonetos representando a população indígena do país. Assim, esse foi o contexto em que o decreto supremo 28.071 foi publicado. Verifica- se, portanto, que a população exerce pressão social para que os problemas do país sejam resolvidos, que se insurge contra as políticas públicas com o objetivo de condições mínimas que correspondam aos princípios da dignidade humana.

Diante do cenário de desconforto social, por questões políticas e ideológicas, o atual presidente Evo Morales se engajou em diversas manifestações defendendo a nacionalização dos hidrocarbonetos conforme explica Waserman (2004). A referida postura, a promessa de reformulação constitucional por meio de Assembléia Nacional Constituinte, da nacionalização dos recursos hidrocarbonetos e do impedimento às políticas norte-americana de combate ao cultivo da coca, contribuíram para que Evo Morales alcançasse a vitória para a presidência da Bolívia.

A pressão popular para o cumprimento das promessas realizadas no período de eleições impulsionou o Presidente da Bolívia Evo Morales a nacionalizar os hidrocarbonetos do país, por meio do mencionado Decreto Supremo que expropria os recursos das companhias petrolíferas, passando a controlar a exploração e comercialização do gás como fonte de energia. Dessa forma, a Petrobrás perdeu capital e elevou os tributos.

45 O Transporte seria realizado por meio do Consórcio denominado Pacific LNG - formado pela

O referido cenário redimensionou as ações do atual governo da Bolívia. Carra e Cepik (2006) informa que mesmo com a política adotada por Evo Morales as greves continuavam e sua popularidade tinha diminuído quase 20% desde sua posse. Após a publicação do Decreto sua popularidade voltou a subir. Vigenani (2006) escreve que as bases da política do governo boliviano eram transparentes e merecedoras de atenção dos países que possuíam relações internacionais estabelecidas: 1. convocação da assembléia nacional constituinte e 2. nacionalização dos hidrocarbonetos.

Em 21 de janeiro de 2006 foi a posse do Presidente Evo Morales e em 1º de maio de 2006 foi anunciada a nacionalização dos hidrocarbonetos. Contudo, apesar do quadro político instalado, o Brasil não adotou medidas protetivas para garantir os seus direitos decorrentes dos contratos firmados com a Bolívia. Ressalta-se, portanto, que duas deveriam ter sido as ações do Brasil: 1. no campo da política externa, com a análise da situação jurídica dos instrumentos firmados entre os dois países e 2. no campo da política interna com análises de estratégias para suprir as necessidades nacionais.

Carra e Cepik (2006) informam que o Brasil apesar de conhecedor das ações que o governo Boliviano adotaria no tocante aos hidrocarbonetos, não foi informado de que ocorreria no dia 1º de maio e nem qual o teor do documento publicado.