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1 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM QUESTÃO

3 AS AÇÕES POLÍTICAS E AS INICIATIVAS EM FAVOR DA MORADIA POPULAR NOS ANOS

3.3 A POLÍTICA HABITACIONAL DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

A democracia avançava no Brasil, chegando ao governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC)210, iniciado em 1995, com os sinais de consolidação do regime liberal-

democrático que se completaria nos primeiros anos do século XXI, no final do segundo mandato de FHC. Processo que se deu em um movimento de transição política que promoveu mudanças sociais e econômicas em novos paradigmas na relação Estado- sociedade. No sentido destas questões, Codato (2005, p. 21) diz o seguinte:

Quando se inspeciona a agenda que vigorou no governo de Fernando Henrique Cardoso, destacam-se as famosas reformas "orientadas para o mercado": privatizações de empresas estatais, desregulamentações de esferas antes reguladas pelo Estado, controle rigoroso da inflação e do déficit público, redimensionamento dos "gastos sociais" (nas áreas de educação, saúde e previdência), abertura comercial e financeira etc. Na verdade, as reformas econômicas prescindiram de uma verdadeira reforma política, que aumentasse a representação, e de uma reforma do Estado, que favorecesse a participação. Ou melhor, as reformas neoliberais tiveram como precondição o arranjo autoritário dos processos de governo e a ausência de responsabilidade (accountability)211 dos governantes.

Nesse novo contexto, mudam as funções do Estado, as características anteriores se enfraquecem diante de novas relações que se esboçavam na sociedade global. Nos paradigmas das novas atribuições o Estado, segundo Tiezzi (2004, p. 4),

Não deveria mais ser o grande produtor de bens e de serviços, mas sim usar seu poder de sinalização e de regulamentação e sua capacidade de investir para tornar viáveis empreendimentos de outras instituições que se considerem desejáveis: esferas subnacionais de governo (Estados e

210 O Governo de Fernando Henrique Cardoso teve início em 01 de janeiro de 1995, esse mandato foi seguido de um segundo que foi concluído em 31 de dezembro de 2002.

211Estudos brasileiros têm contribuído para viabilizar pelo menos uma aproximação do conteúdo do conceito da accountability com a realidade da administração pública brasileira. Nesses estudos, a palavra accountability tem

sido comumente traduzida como "responsabilização”. Sobre essa discussão, ver: PINHO, José Antonio Gomes de; SACRAMENTO, Ana Rita Silva. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Rev. Adm.

Pública, vol.43, nº 6, Rio de Janeiro Nov./Dec. 2009. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 08de junho de 2015.

municípios), empresas privadas e entidades da sociedade civil e das comunidades.

Neste cenário de mudanças, a realidade social da maioria da população brasileira se mantinha no tradicional quadro de desigualdade e pobreza em níveis bem elevados. A situação de pobreza não passava por mudanças estruturais capazes de promover alterações no sentido de diminuir o índice de indigência, carências e de vulnerabilidades socioespaciais, perceptíveis em amplas dimensões, principalmente nas periferias das cidades brasileiras.

O difícil enfrentamento desta situação, enraizada em um passado histórico ao longo da trajetória do desenvolvimento nacional, pairava em antigas incertezas que ganharam elevadas proporções diante das novas configurações que agregavam as conceituações dos novos paradigmas globais.

Nestes paradigmas, não entravam em pauta o déficit da cidadania no país, os direcionamentos que tomavam forma, no novo padrão de desenvolvimento impostos pela dinâmica da globalização, não estavam em sintonia com as exigências da ampliação da cidadania (CODATO, 2005)212.

O núcleo da política social proposta pelo governo de FHC foi constituído em três eixos, destacando “[...] os serviços sociais básicos de vocação universal e de responsabilidade pública; os programas básicos e o programa de enfrentamento da pobreza –, articulados segundo as orientações e as prioridades do governo”. (DRAIBE, 2003, p. 12).

Em uma estratégia de desenvolvimento social, os programas sociais públicos ganham relevância, apontados como uma condição necessária, de acordo com as exigências do novo contexto global modernizante. Assim as políticas de previdência social,

212 Neste trabalho não priorizamos um debate maior sobre a política social do governo Fernando Henrique Cardoso e as engrenagens do sistema de proteção social da época, pontuamos aqui questões que possam contribuir para um maior alargamento de nossa reflexão relativa à questão da habitação social, norteadora de nosso objeto de análise nesta pesquisa. Sobre o tema da observação acima, veja: DRAIBE, Sônia. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Tempo Social. vol.15 nº 2 São Paulo Nov. 2003. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 25 de agosto de 2014.

saúde, educação, habitação, saneamento básico, trabalho e assistência social e o combate à pobreza ganham um novo sentido, seguindo as prioridades estabelecidas.

No caso da habitação social, foco de nosso objeto de estudos, o problema permanecia grandioso e os desafios deveriam se direcionar para mudanças significativas, diante da permanência do alto índice do déficit habitacional, assentado na urgente necessidade de moradias para famílias com uma renda mensal de até três salários mínimos.

O governo FHC, ao longo dos dois mandatos (1995 - 2002), baseou suas intervenções na área habitacional a partir dos estudos da FJP (1995) para a Secretaria de Planejamento Urbano Brasileiro (SEPURB). Conforme esse estudo, cuja base de dados é proveniente da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) de 1990 e do Censo de 1991, o déficit habitacional no Brasil no início do mandato do então presidente, ficava em torno de 5.500 milhões de novas moradias (FJP, 1995).

Tal montante refere-se aos domicílios improvisados ou rústicos213, ou, ainda, àqueles

em que ocorre coabitação familiar, rompendo o déficit quantitativo214. Quanto ao déficit

total que inclui o déficit qualitativo, ou seja, as habitações consideradas inadequadas pela carência ou insuficiência de infraestrutura básica, eram estimadas num número em torno de 8,8 milhões de habitações (LORENZETTI, 2001).

Para uma noção melhor sobre o problema, utilizamos a tabela 3.3.1 sobre a evolução do déficit habitacional no Brasil nos anos de 1970 a 2000. Através dela pudemos verificar que o número de moradias ocupadas nesse período aumentou de modo bastante significativo chegando a atingir 162,59% de crescimento. Já a população cresceu numa proporção bem menor, ou seja, entre os anos de 1970 a 2000 ela atingiu um aumento de 79,44% demonstrando uma importante redução do déficit relativo que caiu cerca de 60%.

213 São considerados domicílios rústicos aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada. Ver FJP. Déficit Habitacional Municipal no Brasil 2010. Centro de Estatísticas e Informações. Belo Horizonte, 2013.

214 Diferencia-se o déficit qualitativo do déficit quantitativo, sendo que o segundo seria a inadequação das moradias gerada pela carência ou pela insuficiência de infraestrutura básica (LORENZETTI, 2001).

TABELA 3.3.1- EVOLUÇÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL BRASIL - 1970-2001