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1 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM QUESTÃO

GRÁFICO 3.3.1 CONTRATAÇÕES DO FGTS 1995-

3.3.5 Programa de Arrendamento Residencial (PAR)

O PAR se enquadrava nesse perfil de iniciativa constituída com a finalidade de estimular o mercado privado de construção civil. Essa nova alternativa de linha de financiamento era instituída num momento em que a conjuntura política voltava-se para a retomada do crescimento econômico, a partir do aumento do nível de ocupação no mercado de trabalho e, consequentemente, do aumento do nível de arrecadação do FGTS.

O PAR foi criado em 1999 e priorizava o atendimento a famílias com renda mensal entre quatro e seis SM, sob a forma de arrendamento como opção de compra no final do contrato (LORENZETTI, 2001). Porém, Bonduki (2008) nos revela que entre o surgimento do Programa até o ano de 2003, do total dos recursos destinados ao Programa, 100% foi aplicado no atendimento das famílias com renda entre cinco a dez salários mínimos. Essa informação indica uma tendência do Programa de

atendimento a um público alvo com maiores possibilidades de assumir as prestações do financiamento contratadas junto a CEF, minimizando os riscos de inadimplência proveniente da instabilidade econômica das famílias mais pobres249.

Era uma alternativa diferenciada dos outros programas porque retomava à produção de unidades habitacionais provenientes, agora, de pequenos conjuntos habitacionais em áreas já constituídas de infraestrutura. Essa tentativa de utilizar as áreas denominadas de vazios urbanos demonstrava uma preocupação com o aproveitamento dos espaços já beneficiados por serviços básicos para habitabilidade. Nesse sentido, Bonates (2008, p. 147) lembra que,

Se caracterizava, a princípio pela construção de conjuntos de pequeno porte preferencialmente localizados na malha urbana, seguindo uma tendência de aproveitamento dos vazios urbanos, contrariamente à prática do BNH, marcado pelo modelo periférico de implantação. Todavia num segundo momento, o PAR passou a implantar conjuntos fora da malha urbana a fim de melhor se adaptar às novas condições econômicas.

Outro aspecto importante que chama a atenção nesse programa era que as empresas privadas de construção civil conseguiam obter 100% dos recursos para a construção dos conjuntos habitacionais, enquanto que nesse mesmo período, por meio de outros programas como o Pró-Moradia e o Habitar Brasil, as prefeituras e os governadores não conseguiam obter os recursos em sua totalidade junto ao banco responsável pelas contratações. A veracidade dessa informação pode ser confirmada através de documentos disponibilizados pela CEF sobre o acompanhamento das obras que estão inseridas no quarto capítulos desta pesquisa.

No PAR, a CEF tinha a propriedade fiduciárias das unidades, que eram adquiridas por um Fundo Financeiro constituído exclusivamente para o programa. Conforme Lorenzetti (2001, p. 23-24),

O Programa apresenta algumas vantagens interessantes, como a possibilidade de ocupação de áreas com infraestrutura já implantada e de recuperação e legalização de cortiços, entretanto, o fundo criado tem

249 As famílias mais pobres são classificadas pelo IBGE com renda mensal de até 03 salários mínimos. Essas famílias vivenciavam uma condição de vulnerabilidade social proporcionada pelo baixo nível educacional e pelas ocupações profissionais às quais se submetem, enquadrando-se nos subempregos, nos trabalhos informais e nas atividades temporárias às quais não proporcionam estabilidade e segurança à família.

recursos finitos, o que pode comprometer a continuidade das ações. Segundo boletim informativo da Caixa, desde julho de 1999 até dezembro de 2000 o PAR contratou cerca de 38 mil unidades habitacionais, num investimento de R$ 740 milhões.

Apesar da utilização dos recursos aprovados pelo OGU, esse Programa, além de dar preferência aos contratos realizados com famílias de renda superior a cinco SM, também não contemplava um volume de recursos suficiente para abranger uma faixa social tão extensa que, conforme suas diretrizes, abrangia até seis SM, mas que na prática, como já destacado por Bonduki, chegava a atingir famílias com renda até dez SM. Sobre a forma com que se caracterizava o programa e os recursos utilizados, Bonates (2008, p. 149) destaca,

O PAR é um programa que apresenta uma forma diferente de acesso à moradia, por meio de uma operação financeira chamada “arrendamento mercantil” ou leasing. Através, dessa forma ou acesso, o imóvel que faz parte do patrimônio do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) – a fonte de recursos do programa, composta por um mix de recursos onerosos (FGTS) e não onerosos (FAZ250, FINSOCIAL251, FDS252 e PROTECH253) – permanece sob a “propriedade fiduciária” da Caixa Econômica Federal (CAIXA), que é gestora do fundo e representa o arrendador ativa e passivamente. Assim a propriedade do imóvel é do FAR, enquanto o arrendatário paga uma taxa de arrendamento mensal, por um período de 15 anos, quando poderá obter o direito de optar pela aquisição do imóvel, mediante pagamento ou financiamento do saldo devedor, se houver. Em função dessa particularidade, na titularidade do imóvel, para o mais eficiente funcionamento do sistema faz- se necessária a participação de uma administradora de imóvel para gerir os condomínios e os contratos de arrendamento do PAR.

Apesar desse conjunto de fontes de recursos como alternativas utilizadas no programa, destacamos o significativo peso do FGTS para realização das contratações. Outro elemento importante e inovador, a partir dessa opção leasing é que enquanto propriedade da CEF, até sua quitação final, ficava sob a sua fiscalização, ajudando a manter em nível bom a qualidade da construção, aumentando o padrão de qualidade das unidades produzidas.

Destacamos que o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), apesar de não ter atendido, em sua maioria, à população inserida no quadro de maior carência

250 Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social 251 Fundo de Investimento Social

252 Fundo de Desenvolvimento Social

habitacional, contribuiu significativamente para a implantação de novas modalidades de Programas Habitacionais para a sociedade de modo geral. Estima-se que foram beneficiadas pelos programas entre 1995 a 2000, aproximadamente 1.443.169 famílias e 597.525 novos empregos foram gerados, sendo que a principal fonte de financiamento dos programas foi o FGTS, responsável por cerca de 90,5% dos recursos, enquanto OGU respondeu pelos 9,49% restantes (RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2001)254.

Esses programas não foram os únicos, porém, os mais conhecidos no âmbito das políticas públicas de habitação, sendo que alguns com características de produção voltadas para área de interesse social. Importa destacar que a maioria desses programas ocorreram como alternativa para produção de habitação voltada para o atendimento das classes sociais economicamente mais elevadas, estimulando a participação do mercado privado na provisão de moradia que em sua maior parte não visualizava a população com média salarial inferior a cinco salários mínimos.

O governo FHC cria paralelamente ao SFH255, o Sistema Financeiro Imobiliário

(SFI)256. A principal fonte de recursos proveniente do SFI são os grandes investidores

institucionais, que possuem expressivos ativos, não só no Brasil como também no exterior, podendo ser eles: fundos de pensão, fundos de renda fixa, bancos de investimentos entre outros. Quando um contrato de financiamento de imóvel não se adéqua às regras provenientes do SFH, tem como opção o SFI, lembrando que a utilização do FGTS, para o financiamento imobiliário, somente pode se dar pelo SFH.

Após analisar os principais Programas Habitacionais do governo FHC, devemos reconhecer que o Programa Habitar Brasil e o Pró-Moradia foram os principais no

254 Documento produzido a partir a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos realizada em Stambul – Turquia em 1996 que aprovou a agenda Habitat no intuito de promover um pacto entre os países participantes pela mudança dos padrões de desenvolvimento dos assentamentos humanos. RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO. Istambul + 5. Assembleia Geral das Nações Unidas. Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. CNUAH – HABITAT. Brasília, maio de 2001. Disponível em http://www.participa.br>habitat>istambul-5-relatorionacionalbrasileiro.Acesso em 11 ago. 2014).

255 Criado pelo Governo Federal através da Lei 4.380/1964. Gerido inicialmente pelo BNH e após sua extinção, pela CEF. Ver CARNEIRO; VALPASSOS, 2003.

256O SFI foi criado a partir da Lei 9.514/1997, introduzindo a alienação fiduciária de bens imóveis. Sobre o SFI ver CARNEIRO, Dionísio Dias & VALPASSOS, Marcus Vinícius Ferrero. Financiamento à Habitação e

Instabilidade Econômica. Experiências passadas, desafios e propostas para a ação futura. Rio de Janeiro: FGV,

âmbito das políticas públicas voltadas para o enfrentamento do problema da habitação social, que sempre manteve um grande déficit quantitativo. Porém, apesar de ter dado continuidade a esses programas que foram provenientes, em grande parte, da gestão Itamar Franco, eles não conseguiram atingir a população com maior carência quantitativa e qualitativa de habitação social. Sobre o atendimento à população de baixa renda. Segundo informações da CEF (2000 apud AZEVEDO, 2007, p. 24),

Nessas duas iniciativas, buscava-se beneficiar 677.100 famílias, investindo R$ 5,2 bilhões, sendo R$ 4 bilhões de recursos do FGTS e R$ 1,2 bilhões de contrapartida (...). Entre os anos de 1996 e 2000, o desempenho do governo, no que diz respeito à habitação popular strictu sensu, ficou aquém do inicialmente planejado, pois para o Pró-Moradia foram investidos cerca de R$ 830 milhões, em recursos do FGTS, para a construção de 155.219 unidades residenciais a um custo médio unitário de R$ 5.400. No mesmo período, com recursos a fundo perdido do OGU, foram alocados o Morar Melhor / Habitar Brasil em torno de R$ 860 milhões que resultaram na construção de 294.595 moradias, com custo unitário médio de R$ 2.920,00

Desse modo, verificamos que entre os anos de 1996 a 2000, dos recursos estimados nos dois principais programas voltados para habitação de interesse social, apenas R$ 1.690 bilhões dos R$ 5,2 bilhões previstos foram investidos, representando um pouco menos de 1/3 da quantia estimada para o período.

As unidades produzidas também ficaram bem aquém do estimado, Podemos verificar que de uma previsão de beneficiamento de 677.100 famílias, apenas 449.814 foram contempladas com a construção de novas moradias. Também destacamos que a produção de unidades acima destacadas não representa a única modalidade trabalhada pelos Programas, conforme já discorrido em seções acima apresentadas (AZEVEDO, 2007).

Conforme informações apresentadas, os programas destinados à população de mais baixa renda, como o Programa Habitar Brasil e o Programa Pró-Moradia foram responsáveis por atender a um percentual muito pequeno da população carente, tendo nas famílias com renda salarial acima dos 05 salários mínimos uma abrangência maior.

Essas análises demonstram a existência de uma política habitacional implementada nos anos de 1990, porém, tendo a classe média como alvo para o atendimento na

modalidade de produção habitacional, e na modalidade de melhoramentos urbanos em áreas precárias, a população de baixo nível de renda.

A Política Pública de Habitação de Interesse Social proveniente do governo FHC foi limitada nos resultados alcançados, principalmente por não priorizar a população com renda de até três salários mínimos, porém, não menosprezamos as ações implementadas, considerando que os programas voltados para essa população utilizaram a modalidade urbanização de áreas de risco e de proteção ambiental257, o

melhoramento das unidades já existentes, além de considerar o processo de regularização fundiária.

Destacamos também os investimentos em ações da política urbana que são complementares à política habitacional, tais como o Programa Pró-Saneamento, que utilizando como fonte recursos do FGTS da ordem de R$ 2,7 bilhões, além de outros recursos provenientes do OGU, foram estimados em torno de R$ 2,5 bilhões em infraestrutura e saneamento (AZEVEDO, 2007).

Além disso, também houve a promulgação de leis258, como a que criava um novo SFI

como alternativa para o atendimento a famílias com renda mais elevada e, principalmente, a lei que representava o marco regulatório para os capítulos da Constituição que tratam da política urbana e da habitação, o Estatuto das Cidades, proveniente do ano de 2001.

Essas inovações no trato da política habitacional no país, principalmente nos referindo ao Estatuto das Cidades, proporcionou uma participação mais efetiva dos municípios que puderam, a partir da obrigatoriedade gerada pela Lei, formular um Plano Diretor capaz de prever a criação e execução da política de habitação de interesse social, voltada para suas realidades e experiências próprias, permitindo uma autonomia na gestão e um reconhecimento maior das especificidades locais.

257Saneamento, pavimentação, aterramento e outras obras a fim de permitir o melhoramento da condição de moradia da população já residente nessas respectivas áreas, além da busca por aumentar a segurança e a preservação das áreas de proteção ambiental.

Mas não podemos deixar de mencionar o grande risco que essa Lei gerou para a política habitacional de interesse social tornando-a de responsabilidade dos Entes Federados, incentivando principalmente a ação do município no trato do problema.

Ao descentralizar a política federal de habitação, a União tirou de si a responsabilidade de responder de maneira efetiva e integrada às ações direcionadas no ataque ao problema habitacional existente em todas as grandes e médias cidades do país.

Outro aspecto preocupante eram as limitações técnicas e econômicas impostas para liberação dos recursos pela CEF para a utilização, como fonte dos programas municipais na implementação de suas políticas locais de habitação social. Isso porque desconsiderava a realidade dos municípios no que dizia respeito à disponibilidade de geração de fontes próprias de recursos, assim como a experiência e a capacidade administrativa dos gestores públicos para colocar em prática ações coerentes com a realidade da população local no ataque do problema da habitação.

Os anos de 1990 e o início dos anos 2000 demonstraram que, apesar da incapacidade dos vários programas políticos no enfrentamento do problema habitacional de interesse social, de modo mais efetivo no atendimento às classes econômicas menos favorecidas, uma nova perspectiva de solucionar o problema passou a ser constituída, permitindo novos encaminhamentos formulados e compreendidos em âmbito local.

4 CIDADES E METRÓPOLES: A QUESTÃO DA HABITAÇÃO DE