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1 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM QUESTÃO

GRÁFICO 3.3.1 CONTRATAÇÕES DO FGTS 1995-

3.3.2 Habitar Brasil

A primeira gestão do Governo de Fernando Henrique Cardoso demonstrava, inicialmente, com a criação da SEPURB, que ficou sob a responsabilidade do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), pela formulação e execução da Política Nacional de Habitação, uma intenção de efetivar uma mudança no quadro de intervenções públicas no trato do problema habitacional no país. Essa intenção pode ser compreendida a partir da criação de Conselho Curador do FGTS que passou a ter autonomia e poder decisório sobre o papel de agente operador dos recursos do FGTS pela CEF. Segundo Cardoso (2008, s/p), no primeiro ano de governo,

São abertas novas linhas de financiamento, tomando como base projetos de iniciativa dos governos estaduais e municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um conjunto de critérios técnicos de projeto e, ainda, a capacidade de pagamento dos governos sub-nacionais. No entanto, os recursos a fundo perdido, oriundos do Orçamento Geral da União tiveram uma utilização mais “frouxa”, sendo distribuídos, em grande parte, a partir das emendas de parlamentares ao Orçamento da União. Uma parcela destes recursos foi também distribuída através do Programa Comunidade Solidária.

As linhas de financiamento previam a criação de programas por parte dos estados e municípios, utilizando como fonte recursos do FGTS e, àqueles que utilizavam como alternativa o OGU, a exemplo do Programa Habitar Brasil228. Esse último programa

surgiu a partir da Portaria da SEDU/PR nº 50/1995 e foi revisto e alterado posteriormente pela Portaria do MPO n º 20 de 16/04/1997229.

O Programa Habitar Brasil sofreu grandes mudanças ao longo dos anos, sendo reformulado através de Portarias provenientes do MPO, até ter suas ações incorporadas pelo Programa Morar Melhor em 2002.

As modalidades atendidas pelo Programa Habitar Brasil, no governo de FHC, caracterizavam-se, segundo Cordeiro (2009, p. 102) por “Habitação em área não ocupada” que se destinava a construção de novas unidades habitacionais e

228Implementado na Gestão Itamar Franco 1993, sendo posteriormente reformulado na Gestão FHC (CORDEIRO, 2009).

229Houve uma reformulação anterior a essa data proveniente da publicação da Portaria Ministerial MPO – Casa

“Urbanização de áreas ocupadas por sub habitações” que tinha como foco a intervenção nos chamados “assentamentos subnormais”.

A modalidade denominada de “Urbanização de áreas ocupadas por sub- habitações”230 recebeu uma atenção maior no contexto da política habitacional do

governo FCH, isso porque além de empregar o novo entendimento sobre o direito à moradia que previa a oferta de todas as condições básicas a compor o habitat pelo poder público, regulamentado agora pelo Estatuto da Cidade, também permitia trabalhar com os espaços já ocupados pela população de baixa renda, minimizando, a longo prazo, a necessidade de expansão da oferta de infraestrutura em novas áreas ocupadas, sendo estas geralmente caracterizadas pela sua precariedade.

Esse entendimento pode ser comprovado a partir da celebração do convênio realizado posteriormente com o BID (empréstimo nº 1126 – OC/BR celebrado em 13/09/1999), cujo objetivo, segundo Cordeiro (2009, p. 104),

Não era só a execução de obras e serviços de infraestrutura urbana para atendimento da população de baixa renda residente em assentamentos precários, mas também a realização de ações de intervenção sócio ambiental e a destinação de recursos para o fortalecimento institucional dos municípios.

Essa modalidade na Política Habitacional Brasileira teve como objetivo maior proporcionar uma integração de projetos e programas provenientes das esferas públicas administrativas, no sentido de proporcionar o melhoramento das condições de habitabilidade dessa população moradora de assentamentos precários, a partir de execução de obras e serviços de infraestrutura urbana, assim como de uma regularização fundiária e de uma intervenção ambiental nessas áreas caracterizadas pela sua degradação do meio ambiente em que se encontram.

A política habitacional pós-Constituição, a partir dos anos de 1993 se consolida na capacidade de melhoramentos nas áreas degradadas já ocupadas, como forma de evitar a utilização de novas áreas urbanas que levariam à utilização de mais recursos

230A modalidade de urbanização das áreas ocupadas por sub-habitações previa, vários tipos de ações, entre elas, investimento em parcelamento do solo, regularização fundiária, obras de infraestrutura que (incluíam tratamento de água, esgoto, energia elétrica, pavimentação, drenagem), além de remanejamento de população em área de risco, construção ou melhorias habitacionais e todo o conjunto de serviços considerados essenciais para habitação, como transporte, creches e escolas. (CORDEIRO, 2009).

públicos. Desse modo, ocorre, com a implementação dos programas e suas reformulações, um efeito no qual a construção de conjuntos habitacionais foi sendo substituída pela regularização fundiária e, principalmente, pela urbanização de assentamentos pobres já constituídos, em áreas já existentes e ocupadas231.

O objetivo do Programa Habitar-Brasil era o de elevar padrões de habitabilidade e de qualidade nas localidades urbanas, tendo como prioridade as áreas degradadas e as áreas de risco, ocupadas por sub-habitações localizadas em favelas, cortiços, palafitas e outras formas, onde viviam milhões232 de famílias com renda mensal de até

três salários mínimos233.

Desse modo, no segundo mandado do governo FHC234, o Programa Habitar Brasil

acenou para uma nova fase a partir de novas parcerias na busca pela captação de outras fontes de recursos que não mais apenas do OGU e as contrapartidas dos estados e municípios.

Nessa nova configuração se estabeleceu um contrato de empréstimo entre o Governo Federal e o BID, passando o Programa a ser chamado de Habitar Brasil BID, em que segundo Cordeiro (2009, p. 103) “a dívida adquirida através do empréstimo não é repassada para os municípios, ela é de responsabilidade da União, que adquiriu o empréstimo. O município deveria apenas a comprometer-se a dar uma contrapartida ao investimento”.

231 A intensificação de tal processo em algumas regiões brasileiras, como a Metropolitana do Recife, pode ser verificado em SOUZA, Maria Ângela de Almeida. Política Habitacional para os Excluídos. In. CARDOSO, Adauto Lucio (org.). Habitação Social nas Metrópoles Brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais

em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de janeiro e São Paulo no final do século XX. Coleção

Habitare, Porto Alegre: ANTAC, 2007. Disponível em http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao7/capas.pdf. Acesso em 08 de abril de 2014. 232 A Fundação João Pinheiro estimou no ano de 2000 que considerando a parcela urbana da população brasileira, cerca de 4,41 milhões de famílias viviam em condições insatisfatórias de moradia. Ver FUNDAÇÂO JOÂO PINHEIRO, Déficit Habitacional Brasil 2000. Centro de Estatísticas e Informações. Belo Horizonte, 2001. Disponível em http://www.fjp.mg.gov.br. Acesso em 15 de maio de 2014.

233 Para participação nesses programas habitacionais como o Habitar Brasil, o governo priorizava os municípios integrantes do Programa Comunidade Solidária, criado pelo Governo Federal através do Decreto 1.366 de 12 de janeiro de 1995 e que foi em 2002 substituído pelo Programa Fome Zero (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.

Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas da União. Ano 6, nº 18, Brasília, Distrito Federal, 2003.

Disponível em http://portal3.tcu.gov.br. Acesso em setembro de 2014).

Participavam do Programa a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (SEDU/PR), como órgão gestor, além da CEF como agente operador, os estados, o Distrito Federal e os municípios beneficiados como agentes executores, também participavam os Conselhos Municipais, com atividade deliberativa e fiscalizadora local235.

Para uma análise do alcance do Programa Habitar Brasil, somente entre os anos de 1996 a 1999, baseando-se no Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), ocorreram 4.835 contratações, das quais envolvendo 27 Unidades da Federação. Os recursos utilizados foram da ordem de R$ 1 bilhão, considerando as dotações orçamentárias e as contrapartidas236 dos estados e municípios, sendo que da parte

da União, estes recursos ficaram em torno de R$ 840 milhões (TCU, 2003).

Entre os Programas Habitacionais implementados pelo governo de FHC, foi possível considerar o Programa Habitar Brasil como o que mais viabilizou o acesso à moradia para as famílias mais pobres. Esta afirmação provém da limitação ao crédito por parte dos municípios no Programa Pro-Moradia e da extensão a outras faixas de renda para participação em Programas como o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e o Programa Carta de Crédito, diminuindo o foco no atendimento aos que mais convivem com os maiores problemas habitacionais.

Apesar da análise concreta sobre a real produção da política de habitação popular do governo em questão exigir um exercício de verificação das produções realizadas em âmbito estadual e, principalmente, municipal, como forma de impedir um entendimento equivocado e distorcido por correntes ideológicas e políticas, tornou-se significativo destacar que o relatório do TCU, afirmava que a distribuição efetiva dos recursos financeiros era geralmente inferior ao total aprovado no orçamento, sendo que este já calculava a necessidade proporcional técnica estabelecida com base no déficit habitacional verificada pela Fundação João Pinheiro, levando a um

235Ver em TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2003.

236 Essas contrapartidas não eram específicas, podendo ser terrenos urbanos, beneficiamento em áreas já existentes, ou seja, qualquer ação do ente federado a fim de contribuir dentro das normas estipuladas pelas diretrizes do Programa.

entendimento de que os resultados esperados inicialmente, a partir da não utilização dos recursos totais aprovados, ficaram aquém do previsto (TCU, 2003).

Esse entendimento poderá ser mais bem compreendido a partir da análise da implementação de algumas experiências municipais com Programas Habitacionais, lembrando que com a descentralização da política federal na área permite realidades próprias e diferenciadas. Sobre a capacidade da União estimular a execução de ações políticas voltadas para a habitação de interesse social por parte dos estados e municípios, Cardoso (2008, s/p) lembra que:

A dificuldade de expansão do fluxo de recursos para a moradia deveu-se, por um lado, à alta sensibilidade do FGTS à crise econômica e também à política de contenção de despesas, que passa a ser largamente utilizada pelo governo como estratégia de enfrentamento do déficit público. Por outro lado, amparada em decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central, a CEF passou a estabelecer critérios rígidos de acesso ao crédito, a partir da capacidade de endividamento de estados e municípios, medida que tinha o objetivo de contribuir para o ajuste fiscal dos três níveis governamentais e, por outro lado, visava ampliar a “saúde” financeira do FGTS que, após o primeiro ciclo expansivo de 30 anos, começava a apresentar desequilíbrio entre saques e contribuições.

A partir desse momento de instabilidade237no qual os recursos do FGTS se

encontravam, a CEF passou a impor critérios rígidos aos estados e municípios, aos quais, estavam restringidos pela capacidade de endividamento à obtenção de recursos proveniente da União para o financiamento de políticas voltadas para a habitação social.

Desse modo, a partir de 1998 as exigências da CEF não provinham apenas da capacidade técnica de elaboração de propostas viáveis para o banco, mas também de uma capacidade de endividamento que somente os grandes municípios, com volumes significativos de recolhimento de recursos e baixo nível de endividamento, poderiam apresentar.

Destacar como aspecto positivo do Programa Habitar Brasil foi trazer para discussão a questão habitacional de modo integrado à política urbana, assim como à política de

237 Esse momento de instabilidade se apresenta a partir de um forte ajuste fiscal forte e de um controle do orçamento público para implantação do plano real que visava a contenção da inflação e a estabilidade econômica que resultou num alto número de demissões, gerando saques do FGTS numa proporção bem maior que seu recolhimento.

saneamento ambiental. Desse modo, passou-se a olhar para a habitação como um conjunto de serviços básicos aos quais deveria permitir a articulação entre políticas setoriais e entes federados. Azevedo (1996, p. 89) destaca como ponto significativo das políticas implementadas pelo Governo de FHC a “defesa de uma política fundiária urbana adequada, de modo a desestimular a formação de estoques de terras para fins especulativos”.

No entanto, no relatório de auditoria do TCU (2003) verificamos que enquanto gerido pela SEPURB, com recursos exclusivos do OGU, a aplicação ficou aquém da aprovada pela Lei Orçamentária Anual, verificando, também, a falta de critérios técnicos para seleção dos municípios contemplados com os recursos238. Apesar disso,

destacamos239 a capacidade maior de investimento do Programa Habitar Brasil

quando comparado ao Programa Pró-Moradia, representando um impacto maior no enfrentamento do problema habitacional nas grandes cidades240.