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A população envolvida na exploração de flores do Cerrado

3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO: O MUNICÍPIO DE ALTO

3.4. A população envolvida na exploração de flores do Cerrado

Antes de tentar caracterizar a visão de mundo das comunidades da Chapada dos Veadeiros e, em especial, do município de Alto Paraíso, é preciso observar que os habitantes nascidos na região estiveram, até o início da década de 1980, praticamente isolados do restante do país, sem acesso a informações e transformações culturais que se processavam àquela época. Até então, a maioria da população tirava seu sustento da terra, dedicando-se à agropecuária de subsistência ou ao extrativismo de ouro, cristais e outros minerais. Dessa forma, a população local nativa convivia com a natureza de forma predatória, nos moldes aprendidos e herdados de seus antepassados, ao longo de muitas gerações.

Os habitantes de Alto Paraíso, que praticam o extrativismo de flores do Cerrado, encontram-se entre a população nativa do município e concentram-se, basicamente, na sede municipal e nos povoados de Moinho e São Jorge. Uma pequena parte está espalhada em outros pequenos povoados e nas fazendas da região (por exemplo, nas fazendas Bom Sucesso, São Ricardo, Prata, Campo Seco,

Santa Maria). Essas pessoas possuem uma longa tradição no desenvolvimento da atividade extrativista e acredita-se que cheguem a constituir 10% da população total de um município que cresceu bastante (cerca de 56%) nos últimos 20 anos, em função de um movimento migratório peculiar, que se fez acompanhar de mudanças culturais e socioeconômicas, na medida que teve a ver, em sua maior parte, com a integração de novos grupos sociais à população local (por ela denominados, pejorativamente, de "chegantes"), provenientes principalmente das regiões Sul e Sudeste, os quais, segundo Silva (1998), trouxeram consigo formas alternativas de relacionamento com a biodiversidade, na busca de uma melhor qualidade de vida.

Assim, a população do município passou de 2.775 habitantes, em 1970, para 6.182 habitantes no ano 2000, dos quais 4.197 vivem hoje em área urbana e 2.003 em área rural. As taxas de crescimento da população de Alto Paraíso no período 1970-2000 permitem constatar o aumento peculiar ocorrido na década de 80, conforme apresentado no Tabela 3 e na Figura 8.

TABELA 3 - Taxa de crescimento da população de alto paraíso no período de 1970 a 2000 MUNICIPIO 1970 % 1980 % 1991 % 2000 % URBANO 460,00 16,60 539,00 19,80 2.331,00 55,60 4.179,00 67,60 RURAL 2.315,00 83,40 2.186,00 80,70 1.862,00 44,40 2.003,00 32,40 TOTAL 2.775,00 100 2.725,00 100 4.193,00 100 6.182,00 100 FONTE: IBGE, 1970,1980, 1991 e 2000

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 1970 1980 1991 2000

TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO DE

ALTO PARAISO NO PERIODO DE 1970 A 2000

URBANA RURAL TOTAL

FIGURA 8 - Taxa de crescimento da população de Alto Paraíso – 1970-2000 FONTE: IBGE. Censos Demográficos, 1970,1980, 1991 e 2000

A implantação de infra-estrutura voltada para o turismo (1981-85), a migração – principalmente, de esotéricos e ambientalistas - e a mudança das normas de utilização do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros afetaram especialmente a sede municipal e a Vila de São Jorge, confrontando-as com novos hábitos culturais e novos valores.

O contato cultural com migrantes e turistas não se deu de maneira harmônica, mas percebe-se que hoje estão disseminados entre a população os conceitos e valores da preservação ambiental, que a levam a justificar o controle que o IBAMA exerce na área do Parque, por exemplo.

No entanto, a prática preservacionista está ausente do cotidiano da maioria da população, chegando a gerar conflitos e insatisfação. Os moradores antigos não se questionam acerca da necessidade de se controlar a predação e a degradação ambiental, com a qual dizem concordar. Isso porque seus valores são diferentes daqueles introduzidos pelos movimentos ecológicos e pela legislação

ambiental, quando se trata de estipular o que pode ou não ser considerado como agressão à natureza. Por exemplo, a caça de animais silvestres e a pesca para consumo próprio não são vistas como danosas ao meio ambiente, uma vez que há décadas estas são praticadas e os animais continuam a se reproduzir. Da mesma forma, a realização de queimadas é necessária e benéfica, pois é responsável pela renovação da vegetação e o rebrote.

Em suma, os moradores nativos da Chapada, em geral, não percebem que as técnicas usuais de coleta de flores do Cerrado – corte raso dos caules ou extração da planta – estão colocando em risco essa fonte de complementação de renda de um grupo populacional significativo, além da preservação da biodiversidade regional. Os campos de flores vão ficando cada vez mais distantes dos locais de moradia.

Embora os moradores nativos trabalhem em conjunto com os migrantes quando se trata de buscar a melhoria das condições de vida e preservar o meio ambiente, expressam freqüentemente temores em relação aos primeiros. Também em relação ao turista, percebem-se insatisfações junto à população que, se por um lado reconhece nele a sua principal fonte de trabalho e renda, por outro consideram que o incremento do turismo na região trouxe algumas desvantagens, como: aumento da poluição sonora, problemas por uso de drogas; descaracterização da região e degradação ambiental; aumento da especulação imobiliária; e elevação do preço da terra, inclusive provocando expulsão da população nativa.

Alto Paraíso destaca-se pela existência de inúmeras associações, entidades e organizações não-governamentais, de caráter místico-religioso, ambientalista ou de defesa de interesses de classe. Um estudo realizado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN, 1999) examina o associativismo no município, de um modo geral, relacionando o seu crescimento com a imigração ocorrida na década de 80. Ali, estima-se que 31% dos moradores adultos façam parte de alguma associação.

Os dados que esse estudo apresenta são de fato impressionantes, conforme ilustra a Tabela 3, demonstrando que é bastante elevada a parcela de

domicílios (42,7%) em que pelo menos um dos moradores participa em alguma associação.

TABELA 4 - Número de moradores por domicilio que fazem parte de alguma associação

Número de moradores

participantes Número de Domicílios % dos Domicílios

0 12 37,0 1 10 30,0 2 9 25,0 3 8 22,0 4 1 2,5 Total 40 FONTE: ISPN, 1999

A tipologia das associações existentes no município, com respectivos percentuais de domicílios participantes, é mostrada na Tabela 4. Cabe ressaltar que as associações de extrativistas - Associação de Proteção do Meio Ambiente do Sertão (APROMAS), Associação dos Pequenos Extrativistas de Flores do Cerrado da Chapada dos Veadeiros (ASFLO), Associação da Fazenda Ezusa, Fórum da Chapada - inserem-se na categoria “Outras entidades comunitárias e ambientais”.

TABELA 5 - Domicílios em que algum dos moradores participa em entidade (%)

Tipos de entidades % Domicílios

Associação de moradores 13,9

Entidade ambiental 10,9

Outras entidades comunitárias ou ambientais 5,1

Grupos de mulheres 9,1

Grupos de pais e mestres 14,1

Entidade cultural 0,2

Associação de guias 8,2

Associação de produtores ou cooperativas 4,2

Sindicatos de trabalhadores 7,8

Partidos políticos 12,2

Outros 14,3

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A ASFLO, a mais atuante das associações locais em relação ao extrativismo de flores do Cerrado, foi criada em 13 de julho de 1993. Com sede em Alto Paraíso, sua atuação é voltada para “garantir a exploração auto-sustentada das plantas do cerrado economicamente viáveis” e “incentivar a criação de Reservas Extrativistas vinculadas à ASFLO...”, dentre outros (Estatuto da ASFLO, Cap. I). Atualmente, conta com mais de 100 associados e viabiliza o beneficiamento (buquês e arranjos) e comercialização de espécies ornamentais do Cerrado (FIGURA 9), bem como a fabricação artesanal de conservas de frutas, polpas, sucos, licores, sabão, ervas medicinais, cosméticos, óleos e essências, bolsas, chapéus e outros produtos oriundos dos recursos naturais da região. Para tanto, disponibiliza um galpão e um ponto de vendas, como também organiza feiras em feriados e finais de semana. Luta também pela criação de uma Reserva Extrativista em Pouso Alto, área de grande ocorrência de flores, no município de Alto Paraíso.

Outras associações que apóiam a exploração de flores do Cerrado são a ASJOR - Associação de Moradores do Povoado de São Jorge Associação Comunitária da Vila São Jorge, criada em 1988, e a ABRASCA - Associação de Comunidades Alternativas, sediada no povoado de Moinho.

FIGURA 9 – Comercialização de produtos beneficiados no galpão da Associação dos Pequenos Extrativistas de Flores do Cerrado da Chapada dos Veadeiros

Mas, quem são as pessoas que participam das associações em Alto Paraíso? A tese mais freqüente é que o alto nível de associativismo é relacionado à alta taxa de imigração do período 1980-90. A taxa de participação varia conforme a região de procedência. Entre os migrantes, pode-se perceber que os que nasceram fora da região pesquisada apresentam maior grau de participação. Assim, migrantes do Norte e do Nordeste participam numa taxa bem menor do que os do Sul e Sudeste, e até menor do que os da região. Essa informação é interessante, pois sugere que as pessoas que vêm de regiões com taxas menores de associativismo continuam com taxas mais baixas de participação, mesmo após a migração para regiões mais ativas.

3.5. A importância da exploração de flores na economia local

A extração de flores, na Chapada dos Veadeiros, foi incentivada a partir da criação de Brasília, em resposta à demanda de um mercado consumidor nacional e internacional. Conforme assinalado no item anterior, o período áureo da exploração foram as décadas de 70 e 80, quando chegavam a ser exportadas cerca de 200 toneladas de flores ao ano pelas empresas Brasiltimex e Brasilflora. Hoje, de acordo com informações colhidas junto aos extrativistas, a exportação não ultrapassa 40 toneladas/ano.

O mercado nacional dos extrativistas da Chapada era (e ainda é) representado principalmente por Brasília-DF, Curvelo e Diamantina, em Minas Gerais, e Cristalina-GO, principais centros de beneficiamento fora da região de coleta. O seguinte depoimento de Edy Paulino da Silva (49 anos), que acredita ter sido um dos primeiros a intermediar a compra e venda de flores em Alto Paraíso, ilustra bem como surgiu o interesse local pela extração de flores do Cerrado:

“Em 1969, quando fui à torre de televisão em Brasília, vi que tinha flores lá que podiam ser encontradas na região que moro. Falei com o comprador. Depois de duas semanas ele estava aqui, pesando e comprando. Vi que dava certo. Então, contratei uns 30 coletadores para catar flores. Naquele tempo não era proibido catar no parque.