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A POSSIBILIDADE DA CONFIGURAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Apesar de já haverem sido propostas diversas demandas por parte dos motoristas e em face da empresa Uber, postulando o reconhecimento do vínculo empregatício, é importante destacar, que não há um entendimento pacificado quanto ao tema, conforme será demonstrado.

Segundo o desembargador federal do trabalho, José Eduardo de Resende Chaves, há fundamentos que demonstram ser pertinente o reconhecimento do vínculo empregatício, são eles:

1. Direção do Trabalho: É o Uber quem define exaustivamente o modo de produção: a) define o preço do serviço; b) define padrão de atendimento; c) define a forma de pagamento; d) define e recebe o pagamento; e) paga o motorista; f) centraliza o acionamento do colaborador para prestar o serviço. 2. Sistema Disciplinar do Uber: Aplica as penalidades aos trabalhadores que infringirem suas normas de serviço. Por exemplo, se o motorista pegar um passageiro na rua, sem ser acionado pelo aplicativo. Estão sujeitos também a penalidade, os motoristas mal avaliados pelos usuários do serviço. (CHAVES, 2016).

De acordo com Nanartonis (2016), “os serviços prestados possuem os requisitos que caracterizam a relação empregatícia, como, por exemplo, a pessoalidade e a subordinação, o que acaba sendo possível identificar a relação de emprego.”

A primeira decisão, no Brasil, que reconheceu o vínculo empregatício entre o motorista e a empresa Uber ocorreu na 33ª Vara do Trabalho da Comarca de Belo Horizonte, MG. O Juiz Márcio Toledo Gonçalves, em sentença referenciada a uma decisão judicial semelhante ocorrida em Londres, condenou a empresa ao pagamento das verbas de aviso prévio indenizado, de férias proporcionais com 1/3 (um terço) constitucional, do 13º (décimo terceiro salário), do FGTS (fundo de garantia do tempo de serviço) com 40% (quarenta por cento) de todo o contrato, da multa do artigo 477, §8º da CLT, dos adicionais de duas horas extras por dia de trabalho e reflexos em aviso prévio indenizado, do adicional noturno no percentual de 20% (vinte por cento) com relação ao labor executado entre as 22 horas e as 05 horas, observando-se o instituto da hora ficta noturna, da remuneração em dobro dos feriados laborados e ao reembolso de R$2.100,00 (dois mil e cem reais) mensais por todo contrato de trabalho, além de assinar a CTPS (carteira de trabalho e previdência social. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0122) (BRASIL, 2016).

O autor da ação afirmou ter iniciado suas atividades, como motorista na empresa no dia 20 de fevereiro de 2015 tendo sua rescisão contratual em 18 de

dezembro de 2015 de modo unilateral e abusivo. Sustentou na inicial, que na prática, configurou-se a relação de emprego. As alegações do autor fundaram-se nos seguintes fatos:

a) não recebeu as verbas trabalhistas a que teria direito; b) recebia salário- produção entre R$4.000,00 a R$7.000,00; c) trabalhou, em média, duas horas diárias em sobre jornada durante todo contrato de trabalho; d) laborou em período noturno sem o pagamento de adicional; e) trabalhou em feriados sem que houvesse compensação ou pagamento em dobro; f) não recebeu as verbas rescisórias; g) devem ser aplicadas à ré as multas do art. 467 e 477, §8º da CLT; h) faz jus ao reembolso de despesas para a realização do trabalho; i) faz jus à indenização por dano moral sofrido em virtude de dispensa arbitrária. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Por fim, atribuiu à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Houve tentativa de conciliação das partes em audiência preliminar, porém sem sucesso. Diante disso, a parte ré apresentou defesa arguindo em preliminares, a incompetência absoluta da justiça do trabalho para julgar a ação e contestando os pleitos da inicial, afirmando:

a) ser uma empresa que utiliza a plataforma digital permitindo aos usuários do aplicativo solicitar transporte individual privado a um dos motoristas parceiros; b) a reclamante é quem os contratou através de uma prestação de serviço para captar e conquistar clientes; c) não havia habitualidade entre as partes por não ter dias e horários obrigatórios para realizar as atividades e nem pessoalidade, pois os usuários poderiam ser atendidos por qualquer um dos motoristas disponíveis na plataforma; d) o reclamante não recebeu nenhuma remuneração e que foi ele quem a remunerou pela utilização do aplicativo. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Assim, pugnaram pela improcedência total dos pedidos exordiais, essencialmente a não caracterização do vínculo empregatício e requereram a tramitação do feito em segredo de justiça, bem como a condenação do autor por litigância de má-fé (pedidos estes que foram negados).

Neste contexto jurídico, acerca da possibilidade de existência ou não do vínculo empregatício, verificou-se a presença dos requisitos exigidos na relação de emprego.

Os pressupostos pessoa física e pessoalidade foram confirmados no momento em que a ré exige que seja realizado um pré-cadastro em sua plataforma, no qual devem ser anexados os documentos solicitados pela empresa.

O próprio site da Uber comprova a proibição do compartilhamento de contas entre motoristas:

Os termos e condições da Uber não permitem o compartilhamento das contas dos motoristas parceiros. O uso da sua conta por outro motorista se constitui como um sério problema de segurança. Se soubermos que um motorista não corresponde ao perfil do motorista parceiro exibido pelo aplicativo do passageiro, a conta será suspensa imediatamente e ficará pendente para investigação. (UBER, 2017).

Ainda, a testemunha arrolada nos autos, também motorista da plataforma, confirma esse preceito em sua oitiva: “[...] que não poderia colocar ninguém para ficar em seu lugar, que isso seria uma falta grave, com punição de bloqueio definitivo da plataforma." (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Tratando-se da não eventualidade, a mesma restou caracterizada devido a ré impor exigências aos motoristas, conforme oitivas das testemunhas nos autos:

[...] se o motorista ficar mais de um mês sem pegar qualquer viagem, o motorista seria inativo; que eram enviados emails, para que o motorista ‘ficasse com medo’ e voltasse a se ativar na plataforma; que como gestor tinha por meta incentivar os motoristas a estarem ativos. (TRT-BH 0011359- 34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Quanto à onerosidade, a ré remunerava os motoristas pelos serviços prestados, além de gratificá-los com bonificações quando realizavam as circunstâncias impostas. Segundo a testemunha, ex-coordenador de operações da ré:

[...] que próximo ao Carnaval, por exemplo, o motorista ativado que completasse cinquenta viagens em três meses ganharia R$ 1.000,00 (mil reais); que no dia do protesto do taxista, no início de 2016, a empresa investigada já sabia que faltariam motoristas na cidade então programou uma promoção especial para o motorista que consiste em cumprir alguns requisitos, por exemplo, ficar online oito ou mais horas, completar dez ou mais viagens e ter uma média de nota acima de 4,7 e, então, o motorista ganharia 50% (cinquenta por cento) a mais de todas as viagens completadas nesse período e com esse padrão. (TRT-BH 0011359- 34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Ainda, no site da Uber, verifica-se que a mesma remunerava os motoristas mesmo em casos de viagens gratuitas:

Alguns usuários possuem descontos ou promoções, e este valor é descontado também das viagens em dinheiro, por isso o valor pode ser

reduzido ou até R$0. Não se preocupe, estes descontos são custos da Uber e você receberá normalmente o valor da viagem em seu extrato. (UBER, 2017).

Consoante sentença do Juiz Márcio Toledo Gonçalves:

Não resta dúvida, nesse cenário, que a roupagem utilizada pela ré para tentativa de afastar o pressuposto da onerosidade não tem qualquer amparo fático. A prestação de serviço se constitui como relação onerosa, em que o autor ativava-se na expectativa de contraprestação de índole econômica (onerosidade subjetiva) e o trabalho desenvolvido era devidamente remunerado pela ré (onerosidade objetiva). (TRT-BH 0011359- 34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Se tratando do requisito da subordinação, no presente caso, o autor teria que cumprir as imposições da ré no desenvolvimento das prestações de serviços, bem como as regras estipuladas pela empresa, sob pena de sofrer sanções disciplinares.

A testemunha, que também havia prestado serviços como motorista da plataforma, arguiu em sua oitiva:

[...] que nessa oportunidade passaram por orientações de como tratar o cliente, como abrir a porta, como ter água e bala dentro do carro, que são obrigatórios, que teriam que manter a água gelada e estarem sempre de terno e gravata, guarda-chuva no porta malas; que o uso de terno e gravata era só para UberBlack, que também foi passado que o ar condicionado sempre deveria estar ligado, o carro limpo e lavado e o motorista sempre bem apresentado. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

E ainda:

[...] que todo o passageiro avalia o motorista ao final da corrida, que a avaliação é medida por estrelas e que o máximo são cinco estrelas e que no mínimo, uma; que essa avaliação é o que mantém o motorista na plataforma; se o motorista obtiver avaliação com uma estrela, a Uber manda um questionário no próprio aplicativo, perguntando para o passageiro o que ocorreu na viagem; que para o motorista a Uber não manda nada, ficando apenas o motorista ciente da porcentagem de estrelas, ou seja, de uma média de sua nota; que quando o passageiro chama, aparece a foto do motorista e sua nota média; que para ser mantido na plataforma, deveria obter nota mínima de 4.7; que três semanas abaixo dessa nota, o acesso à plataforma seria encerrado. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

[...] se o motorista ficasse com média entre 4,4 e 4,7, tomaria os "ganchos" (de dois dias a cada vez) e teria nova chance, até três vezes, antes de ser desativado; que se ficasse com média abaixo de 4,4 era desativado diretamente, sem que pudesse aplicar novamente; que caso aplicasse novamente, não mais seria aceito. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

A testemunha e ex-gerente de marketing da empresa ré relatou:

[...] que na época em que a depoente trabalhou, os interessados tinham que comparecer na sede da Uber para receber treinamento de cerca de duas ou três horas, oportunidade na qual eram repassadas informações relativas à forma de utilização do aplicativo, à forma como os motoristas poderiam se comportar e como deveriam se vestir; que aqueles motoristas que recebiam avaliação baixa eram convocados para refazer o treinamento sob pena de serem excluídos do aplicativo. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

Posto que nos autos, constam ainda, relatos em que é possível verificar que a empresa ré controlava as atividades dos motoristas, sendo estes sujeitos a sanções, suspensões e até mesmo banidos do sistema, caso suas condutas não fossem de acordo com as exigências da empresa. Restando dessa forma, evidências da subordinação.

Em vista disso e considerando os pressupostos citados, o juiz titular Márcio Toledo Gonçalves, reconheceu a existência da relação de emprego entre as partes. E ainda, em sua sentença argumentou que o âmbito do trabalho passou por diversas mudanças, citando a chamada “uberização”. Em síntese:

a presente lide examina a chamada "uberização" das relações laborais, fenômeno que descreve a emergência de um novo padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia. Assim, há que se compreender o presente conflito segundo os traços de contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho. (TRT-BH 0011359-34.2016.5.03.0112) (BRASIL, 2016).

De acordo com o magistrado, essa é uma das marcas do capitalismo. Não pode-se ignorar os avanços tecnológicos na evolução das relações laborais. Além desta, outras decisões semelhantes foram proferidas no Brasil reconhecendo o vínculo laboral dos motoristas com a empresa Uber.

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