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A possibilidade de cumulação de diversos pedidos

3.1. O devido processo coletivo, a garantia de sua efetividade

3.1.6. A flexibilização da tutela coletiva

3.1.6.1. A possibilidade de cumulação de diversos pedidos

Questão que merece ser enfrentada diz respeito à possibilidade de cumulação de diversos pedidos em sede de ação coletiva para a tutela de direitos transindividuais.

Já foi comum nos tribunais, inclusive do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que a cumulação é inviável.

Confiram-se, a propósito, as seguintes decisões:

Agravo Regimental no Recurso Especial n. 180620/SP, relator Min. Francisco Falcão, julgamento ocorrido em 07/12/2000:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE

POR DANOS CAUSADOS AO MEIO-AMBIENTE.

QUEIMADA. CANA-DE-AÇÚCAR. CESSAÇÃO DA

ATIVIDADE SOB PENA DE MULTA. IMPOSIÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LEI 7.347/85. IMPOSSIBILIDADE.

- Conforme o artigo 3º da Lei nº 7.347/85, não pode a ação civil pública ter por objeto a condenação cumulativa de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e dinheiro.

- Agravo regimental improvido”.

Recurso Especial n. 247162/SP, julgado em 28/03/2000, sendo relator o Min. Garcia Vieira:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO

CIVIL PÚBLICA - OBJETO - ALTERNATIVA -

FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL - OBRIGAÇÃO - TITULAR.

Conforme o artigo 3º da Lei nº 7.347/85, não pode a ação civil pública ter por objeto a condenação cumulativa de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e dinheiro.

Nos loteamentos regulares, o fornecimento de água potável é obrigação dos proprietários.

Recurso provido”.

No julgamento do Recurso Especial n. 205153/GO, ocorrido no dia 20/06/2000, em que relator o Min. Francisco Falcão, também restou afastada a possibilidade de cumulação:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO-AMBIENTE. LEI

7.347/85. VIOLAÇÃO AO ART. 11. CESSAÇÃO DE ATIVIDADE. COMINAÇÃO DE MULTA. IMPOSIÇÃO LEGAL.

1. A determinação legal contida no artigo 11, da Lei 7.347/85, tem o objetivo imanente de fazer valer a obrigação, uma vez que retirada da mensagem legal a imposição de pena, é consectário lógico a mitigação da ordem, à míngua de punição ante seu descumprimento

2. Conforme o artigo 3º da Lei nº 7.347/85, não pode a ação civil pública ter por objeto a condenação cumulativa de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e dinheiro.

3. Recurso parcialmente provido”.

Não concordamos com o mencionado entendimento, no sentido de que não é possível a cumulação de pedidos em sede de ação coletiva.

A efetividade da tutela coletiva pressupõe que seja admitida a cumulação de diversos pedidos em sede de ação civil pública, sendo comum o Ministério Público ajuizar ação com pedido imposição de obrigação de fazer e de condenação pecuniária.

Em caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, que bem retrata a necessidade de cumulação, o Ministério Público do Distrito Federal pleiteou a condenação da empresa concessionária de telefonia celular ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na imposição de obrigação de fornecer, sem nenhum encargo, fatura discriminada dos serviços prestados, além de formular pedido de condenação pecuniária, referente à devolução,

em dobro, dos valores cobrados pelo detalhamento da conta telefônica.

Acolhidos os pedidos, com expresso reconhecimento da legitimidade ad causam do Ministério Público para a tutela de direitos individuais homogêneos, houve interposição de apelação, sendo que o órgão jurisdicional de segunda instância manteve o

decisum de primeiro grau em todos os seus termos.

A empresa de telefonia, então, interpôs recurso especial para o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, sustentando, dentre outras teses, a impossibilidade de cumulação.

Felizmente, ao julgar o Recurso Especial n. 684.712/DF, no dia 07/11/2006, o Ministro relator José Delgado fez constar do acórdão, que negou provimento ao recurso, a possibilidade de cumulação de pedidos, além da legitimidade do Ministério Público para a tutela de direitos individuais homogêneos:

“Os interesses dos consumidores/assinantes da linha telefônica são de natureza individual, o que, todavia, não afasta seu caráter homogêneo, na medida em que a relação jurídica de consumo se aperfeiçoou por meio de pactos de adesão formulados unilateralmente pela AMERICEL, o que coloca os usuários em situação homogênea, no que se refere à eventual violação de direitos. Portanto, vislumbrada a tutela de interesses individuais homogêneos, tem incidência o art. 81 do CDC (Lei n° 8.078/90), além do art. 82 deste Diploma, que legitimou o Ministério Público, dentre outros entes, a agir na defesa coletiva dos interesses e direitos dos consumidores.

Esta Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial n° 605.323/MG, emprestou nova interpretação ao art. 3° da Lei n° 7.347/85, reconhecendo a viabilidade da cumulação de pedidos em

sede de ação civil pública. Conferir: (REsp. n. 605.323/MG, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17/10/2005; REsp. n. 625.249/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 31/08/2006). Não obstante os precedentes tratarem da tutela coletiva do meio ambiente, não seria razoável deixar de estender a mesma exegese conferida ao art. 3° da Lei n° 7.347/85 também às hipóteses em que a ação civil pública serve à proteção

dos direitos do consumidor”.

Outra ementa que merece ser transcrita é a referente ao julgamento do Recurso Especial n. 605.323/MG, ocorrido no dia 18/08/2005, sendo relator o Min. José Delgado, quando se afirmou que a ação civil pública deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, sob pena de se tornar um instrumento inútil:

“PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR

QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE

PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.

1. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da

reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e

obrigações de variada natureza, comportando

prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.

2. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo instrumento, submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente assim será instrumento adequado e útil.

3. É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou”

deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). É conclusão imposta, outrossim, por interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este

código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") e, ainda, pelo art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.

4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja

única variante seriam os pedidos mediatos,

consistentes em prestações de natureza diversa. A proibição de cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e não teria sentido negar à

ação civil pública, criada especialmente como

alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

No mesmo sentido o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial n. 625.249/PR, assim como a decisão proferida no Recurso Especial n. 586.307/MT, sendo que em ambos os julgados foi relator o Min. Luiz Fux.

Portanto, deve-se admitir que as ações propostas pelo Ministério Público veiculem todo tipo de pedido de tutela jurisdicional, garantindo-se, pois, uma grande flexibilidade ao pedido imediato formulado em ações coletivas.

Além disso, não é aceitável a tese que veda a cumulação de pedidos e obriga que, para cada tipo de prestação, seja ajuizada uma ação civil pública autônoma.

Referido entendimento compromete decisivamente o princípio da economia processual e atenta contra o princípio da instrumentalidade do processo.

3.1.6.2. A possibilidade de ação civil pública para tutela de