• Nenhum resultado encontrado

Pequena síntese da evolução da tutela coletiva no Brasil

A partir do momento em que se firmou a idéia de que superada é a divisão dos direitos em apenas duas categorias de direitos (direito público e direito individual), há que se pensar na forma de se tutelar os novos direitos.

O fim da dicotomia clássica decorreu da constatação da existência de uma nova categoria de direitos, uma terceira categoria, referente a direitos de massa, chamados de direitos coletivos em sentido amplo, englobando os direitos que são efetivamente coletivos (difusos e coletivos) e os direitos individuais homogêneos, que não são coletivos mas podem ser tutelados de forma coletiva.

83

A ação civil pública, regulada pela Lei n. 7.347/85, foi um marco no direito processual brasileiro, considerando que ampliou a legitimidade para a defesa desses direitos coletivos, rompendo com o mecanismo da legitimidade ordinária do Código de Processo Civil (art. 6º).

Pela sistemática do processo civil brasileiro havia dificuldade para a tutela dos direitos transindividuais, mesmo porque não era permitida a defesa de direito alheio em nome próprio. Por outras palavras, não era possível que uma entidade pleiteasse em juízo a defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, pois ninguém poderia agir, em seu nome, na defesa de direitos alheios.

A Lei n. 7.347/85 democratiza o acesso à justiça, enunciando uma série de legitimados para a defesa dos novos direitos. É verdade que a democratização não é plena, pois o cidadão, individualmente, não é admitido em juízo na defesa de direitos

transindividuais. Uma pessoa, isoladamente, não é um

representante adequado para a tutela de direitos que transcendem a sua pessoa. Há, na verdade, uma grande preocupação do Estado com a outorga de legitimidade a qualquer pessoa. Nem mesmo as associações são plenamente legitimadas, pois a lei impõe a elas determinados requisitos como, por exemplo, a constituição há mais de ano.

De qualquer forma, a ampliação da legitimidade ad causam foi uma passo adiante na tutela dos novos direitos. Passaram à condição de legitimados: o Ministério Público, a União, os Estados e os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações. Com relação ao terceiro setor (associações não governamentais) exigiu-se a

constituição há pelo menos um ano e a inclusão, entre as suas finalidades, da proteção aos direitos coletivos.

A ação civil pública foi pensada como uma ação não penal

promovida pelo Ministério Público. Como constata Édis Milaré84, “ao

que se sabe, a primeira referência expressa à locução „ação civil

pública‟, em sede legislativa, foi feita pela Lei Complementar

Federal nº 40, de 14 –12 -1981, que, ao estabelecer as normas

gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, dispôs ser função institucional do Parquet a promoção da ação civil pública, nos termos da lei (art. 3º, III). O legislador paulista, ao editar a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar n. 304, de 28-12-1982), a ela se referiu no art. 41, I, para dizer que a sua promoção se encarta nas atribuições do Promotor de Justiça

Curador Judicial de Ausentes e Incapazes”.

Todavia, com a edição da Lei n. 7.347/85 a ação civil pública não pode ser considerada como ação não-penal promovida pelo Ministério Público. A legislação foi muito além, dando à mencionada ação a característica de um mecanismo jurisdicional de tutela dos interesses transindividuais, utilizável por diversos órgãos e entidades.

No início, porém, a ação civil pública passou a ser mais utilizada pelo Ministério Público. Na atualidade essa importante ação é manuseada com muito sucesso por diversas associações.

Como não poderia deixar de ser, a sociedade brasileira e, principalmente, a comunidade jurídica tem adquirido experiência na utilização desse importantíssimo mecanismo de tutela

jurisdicional de direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos.

84

A importância adquirida pela ação elevou-a ao patamar constitucional, tanto que a Constituição Federal de 1988 fez referência expressa à mencionada ação (CF, art. 129).

Também o objeto da ação civil pública sofreu ampliação. Com efeito, a Lei n. 8.078/90, que regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, determinou a inclusão do inciso IV ao texto da Lei n. 7.347/85, de tal forma que a ação pode ser utilizada na defesa de

qualquer interesse difuso ou coletivo.

Aliás, o CDC representou outro importantíssimo passo na efetiva tutela de direitos coletivos, pois estabeleceu, dentre outras coisas, um liame entre as leis (art. 90 do CDC) e sistematizou a tutela jurisdicional coletiva de direitos individuais (desde que homogêneos).

Entre a lei que instituiu a Ação Civil Pública e a lei que instituiu o Código do Consumidor existiram outras importantes leis e, portanto, relevantes conquistas. Todavia, são dois momentos fundamentais para a tutela e proteção dos direitos coletivos (lato

sensu).

O CDC fixou alguns conceitos importantes e trouxe inúmeros avanços:

a) optou pelo termo transindividuais, embora se reconheça que são sinônimos os termos supra-individuais e metaindividuais. Todos expressam a idéia de interesses e direitos que vão além do indivíduo isoladamente, além do particular;

b) também tratou como sinônimos os termos interesses e

direitos. A propósito, Kazuo Watanabe85 esclarece que “a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os

85

„interesses‟ assumem o mesmo status de „direitos‟, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma

diferenciação ontológica entre eles”;

c) permitiu um grande avanço ao criar a possibilidade de proteção judicial dos direitos individuais homogêneos por meio de ação coletiva. Podemos encontrar o principal motivo dessa

inovação na lição de Kazuo Watanabe86: “O legislador claramente

percebeu que, na solução dos conflitos que nascem das relações geradas pela economia de massa, quando essencialmente de natureza coletiva, o processo deve operar também como instrumento de mediação dos conflitos sociais neles envolvidos e não apenas como instrumento de solução de lides. A estratégia tradicional de tratamento das disputas tem sido de fragmentar os conflitos de configuração essencialmente coletiva em demandas - átomo. Já a solução dos conflitos na dimensão molecular, como demandas coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à Justiça, pelo seu barateamento e quebra de barreiras sócio-culturais, evita a sua banalização pela técnica da fragmentação e conferir peso político mais adequado às ações destinadas à solução desses conflitos coletivos”;

d) estabelece a interação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública (LACP) que, juntos, formam aquilo que é denominado de microssistema do processo coletivo. Ou seja, o CDC e a LACP são mecanismos legais que se integram e se complementam para uma tutela mais efetiva dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Um dos pontos mais importantes do Código de Defesa do Consumidor, sem dúvida, foi permitir a tutela coletiva de direitos

86

individuais, desde que mencionados direitos individuais sejam homogêneos, isto é, decorram de uma idêntica situação fática ou jurídica.

Estamos na iminência de um novo passo legislativo importante, pois a comunidade jurídica está envolvida na discussão do Código Brasileiro de Processos Coletivos. A proposta será comentada em tópico destacado.

2.7. Direitos coletivos no sentido lato e no sentido