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2 A PRÁTICA DE ENSINO E AS RELAÇÕES COM O CURRÍCULO, O LIVRO

2.1 A PRÁTICA DE ENSINO E A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

A formação inicial de professores tem sido pouco considerada em pesquisas sobre a formação de professores no Brasil. Muito se tem feito no Ensino Superior no que se refere a ensinar e formar professores, ou seja, ensinam-se muitos saberes, fazeres, porém pouco se reflete sobre o processo de formação inicial, em especial à prática de ensino, e às concepções dos licenciandos sobre currículo e livro didático, bem como às articulações entre ambos nesta formação.

A prática de ensino oportunizou aos licenciandos momentos de diálogo com os professores da educação básica, com o professor titular do componente e com outros professores do curso sobre as ações observadas, tornando-se um viveiro de experiências significativas.

No processo de investigação-formação-ação os licenciandos passaram a ter um discurso mais crítico, fazendo reflexão sobre seus próprios saberes, sobre saberes ensinados nas aulas do componente curricular e saberes observados nos professores de educação básica. Acredito que a prática de ensino oportunizou o maior número de experiências possíveis, que propiciaram a reflexão da instituição escolar, através de registros (narrativas em diários de bordo) e discussão das experiências.

Na prática de ensino, bem como no estágio, os licenciandos, ainda entendem a docência a partir do lugar de aluno, e não de professor. No caso desta pesquisa, no componente curricular prática de ensino, oportunizaram-se espaços de reflexão (Universidade), sobre o currículo em ação (na escola de educação básica).

A Resolução Nº 1/2002 do Conselho Pleno, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2002), traz em seus Artigos 12 e 13 que a prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. Pelo contrário, a resolução indica que a prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema.

Nos cursos de Licenciatura, os componentes curriculares denominados prática de ensino abordam os aspectos propostos na Resolução Nº 1/2002. Nas temáticas envoltas nesta pesquisa, e no reconhecimento da formação inicial como caminho possível de estudo, identifiquei na prática de ensino um lugar para pesquisar as concepções dos licenciandos. Mais especificamente, conforme a estrutura curricular do curso, este é um dos componentes curriculares em que tem seus primeiros e mais efetivos contatos com a escola.

A prática de ensino, assumida na perspectiva da investigação possibilitou aos licenciandos (des/re)construir suas concepções sobre a educação, a docência, e o currículo. Acredito na prática de ensino como lugar da “unidade teoria e a prática” (CANDAU; LELIS, 1983), de articulação e interlocução, de intervenção. Por este viés, entendo a prática para além da instrumentalização, ou tarefa de dar aulas e

40 assistir aulas, mas pela investigação-formação-ação passou a se desenvolver e movimentos de reflexão e crítica. No caso desta pesquisa a Prática de Ensino é espaço e tempo de investigação-formação-ação, de reflexão sobre o currículo em ação, constituiu-se também em reflexões críticas sobre o livro didático e o currículo.

No contexto da formação inicial de professores, a Prática de Ensino é pensada aqui para além da instrumentalização técnica, valendo-se de uma concepção de professor pesquisador (PIMENTA; LIMA, 2011) e profissional reflexivo (SCHÖN, 2000). Na perspectiva assumida neste escrito, o professor constitui-se pesquisador de sua prática, o que também foi proposto por Stenhouse (cf. ELLIOTT, 1998).

A prática de ensino pode ser uma possibilidade de superar a separação entre teoria e prática, quando colocada no horizonte das contribuições da epistemologia da prática, e encarada como pesquisa. Schön (2000), ao propor uma formação baseada na epistemologia da prática, aposta na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio de reflexão. Abre-se a perspectiva de pesquisa na ação dos profissionais, colocando as bases para o que se convencionou denominar professor pesquisador de sua prática. Parafraseando Nóvoa (1995), no contexto da formação de professores, é importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência; conforme este autor: “a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal” (p. 25).

Marcelo (1995) apresenta a indagação reflexiva como uma estratégia a ser utilizada com os professores em formação ou em exercício, princípio este que busca facilitar uma tomada de consciência dos problemas da prática de ensino, analisando as causas e consequências da conduta docente, superando os limites didáticos e a própria aula.

Ao pensar na prática de ensino, acredito que a superação da separação entre teoria e prática, será manifestada por um novo viés a epistemologia da prática, reconhecendo este componente como um espaço de pesquisa. Pimenta (2010) defende que a prática de ensino assuma nova postura, caminhando para a reflexão, a partir da realidade. Assim a finalidade da prática de ensino seria propiciar ao aluno aproximação da realidade em que atuará.

Assim, Pimenta (2010) introduz a discussão de práxis, na tentativa de ultrapassar a dicotomia teoria e prática. Para a autora, também o estágio na formação de professores, não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida como atividade de transformação da realidade. Cabe reconhecer que é no contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade, que a práxis ocorre.

No entendimento de Pimenta e Lima (2011), todas as disciplinas são ao mesmo tempo teóricas e práticas, indo além, as autoras trazem que todas as disciplinas (de fundamentos e as didáticas) devem contribuir para sua finalidade, que é formar professores a partir da análise, da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação. Para as autoras, o estágio como pesquisa coloca-se no momento atual como postura teórico-metodológica e desafio.

Pimenta e Lima (2011) colocam os Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), evento em que acontecem apresentações de pesquisas sobre estes temas, bem como estudos que acompanham a compreensão do estágio no processo histórico dessa disciplina no Brasil, um espaço de consolidação das teorias e práticas de ensino, que propicia a troca de experiência e o diálogo pedagógico capaz de realimentar as propostas de trabalho, acompanhar as discussões e inovações surgidas na educação, no tocante a formação de professores e docência no Ensino Superior.

Neste sentido, também destaco as contribuições da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), que tem como finalidade o desenvolvimento e a consolidação do ensino de pós-graduação e a pesquisa na área da Educação no Brasil. O evento realiza-se anualmente, com a participação de professores, mestrandos e doutorandos dos cursos de pós-graduação em Educação do País e demais pesquisadores da área.

As temáticas são expostas nos 24 Grupos de Trabalhos (GT‟s), com quatro áreas do conhecimento e de pesquisa. As reuniões vêm ocorrendo conforme as informações disponibilizadas no sítio eletrônico7, desde 1978, quando ocorreu a primeira reunião, e neste ano de 2015 está em sua trigésima sétima Reunião Anual. Destaco que a ANPED também tem os eventos de cada região do país, conhecidos como “Anpedinhas”, ou encontros regionais, que ocorrem de dois em dois anos, nos moldes do encontro nacional, e também vem contribuindo com a consolidação de pesquisas em várias temáticas incluindo a formação de professores.

42 Numa revisão e busca de artigos na trigésima sexta Reunião Anual da ANPED, encontrei sete que versavam sobre pesquisas no contexto da formação inicial, mas nenhum sobre investigação-ação ou pesquisa-ação. A investigação-ação nem mesmo foi encontrada na temática formação inicial. Encontrei, porém: Grazziotin, Almeida e Klaus (2013) realizaram seus estudos na formação inicial em um Curso de Pedagogia vinculado ao Plano Nacional de Formação de Professores da educação básica (PARFOR), a partir de uma análise das atividades desenvolvidas na disciplina de História da Educação.

Soares e Beraldo (2013) buscaram uma formação inicial de professores que vise responder este desafio, mas repensada de forma profunda e apontam como um dos elementos principais as representações dos participantes o foco da mediação didático-pedagógica com vistas ao professor profissional.

Kauss e Reis (2013) realizaram pesquisa na formação inicial sobre as representações sociais dos graduandos do curso de Pedagogia acerca da Educação Inclusiva. Os resultados demonstram que os valores e os conhecimentos priorizados para pensar e, consequentemente, agir estão fortemente vinculados ao cuidado e aceitação das diferenças, sem, no entanto, articulá-los, significativamente, aos conhecimentos técnicos que podem qualificar a práxis docente.

Por sua vez, Nogueira, Almeida e Melim (2013) realizaram uma pesquisa- formação com professores iniciantes e acadêmicos de cursos de Pedagogia sobre formação inicial e exercício docente. Consideram que a pesquisa-formação é uma estratégia mobilizadora de transformação, pois o envolvimento de acadêmicos em pesquisa-formação faz com que eles apropriem-se de instrumentais teórico-práticos importantes à sua formação.

Pereira, Wassem e Caldas (2013) desenvolveram uma pesquisa com discentes de todos os cursos de uma universidade pública paulista. O objetivo foi conhecer, na perspectiva dos discentes, os aspectos dos currículos de seus cursos apontados como essenciais e a principal ênfase, que os currículos deveriam abordar para melhor prepará-los para o atual e o futuro, mundo do trabalho. A análise dos dados revelou que os estudantes hoje estão mais preocupados com questões sociais do que já estiveram no passado e estranham a ausência desta ênfase nos currículos.

Para analisar os indícios de constituição da identidade docente de licenciandos em formação no Curso de Matemática, Martins e Rocha (2013)

realizaram uma pesquisa com o método (auto)biográfico, na qual perceberam que os licenciandos se tornam professores de forma gradativa, sendo as memórias da formação elementos importantes para a constituição do perfil e da identidade docente, e ainda, que as experiências de estágio foram significativas, principalmente, as relativas ao PIBID, no processo de tornar-se professor.

A pesquisa de Félix, Dias e Nascimento (2013) caracteriza a prática pedagógica de estagiárias do curso de Pedagogia, em que a formação inicial é um importante fator para a atuação do futuro professor como mediador no ambiente escolar.

Acredito em uma proposta na qual as práticas de ensino e os estágios possibilitem que a relação entre saberes teóricos e práticos ocorra durante todo o percurso da formação, garantindo, inclusive, que os licenciandos aprimorem sua escolha de serem professores, a partir do contato com as realidades de sua profissão. Pimenta (2010) entende que é preciso ir além da indissociabilidade teoria e prática, em seu estudo sobre o conceito de prática nos cursos de formação de professores, percebe que:

[...] os diferentes sentidos que essa prática tem para a formação variaram conforme o entendimento histórico-social da profissão de professor, embutido nas finalidades histórico-sociais que se atribuíam à própria educação escolar básica (PIMENTA, 2010, p. 78).

Ao pensar o componente curricular da prática de ensino, questiono se está possibilitando na formação inicial de professor um engajamento na pesquisa? Está sendo formado um professor pesquisador? A unidade ou a indissociabilidade teoria e prática está sendo considerada? É possibilitado: reflexão, diálogo, sistematização, em grupos, com seus pares, relatos de suas experiências de ensino? Que conhecimentos e conceitos são possibilitados ao licenciando (des)(re)construir? O professor formador já se questionou (ou que tipo de reflexão faz) sobre o que é uma prática de ensino?

Outra questão que reforça as dúvidas expressas no parágrafo anterior é: qual a concepção de currículo do professor da prática de ensino? Para Brandalise (2007), a concepção de currículo evidencia sempre as formas como os educadores vêem e pensam o mundo, o homem, a sociedade, a educação e a escola: “quando se fala em práticas pedagógicas, é imprescindível não desconsiderar o currículo,

44 uma vez que ele é tomado em seu sentido mais abrangente, englobando tudo que acontece na escola (p. 14)”. Ainda esta autora afirma que ao desenvolver a prática, todo educador torna evidente suas opções cuja efetivação está no desenvolvimento do currículo (BRANDALISE, 2007, p. 16). Para a autora “o currículo é uma teoria da prática, na qual se pode discutir, investigar, e, sobretudo, intervir” (p. 21). Neste sentido investiguei as concepções de currículo e livro didático, em contexto de formação inicial de professores de Ciências/Biologia, no contato direto com os licenciandos (futuros professores), com o professor titular de prática de ensino, com a professora pesquisadora, e, nas interações ocorridas em sala de aula, entre esses sujeitos.

Já Sacristán e Gómez (1998) consideram que o currículo pode ser entendido como práxis, partindo-se de um processo dinâmico, circular e contínuo. Há uma relação intrínseca entre currículo e práticas pedagógicas: “o currículo é um objeto que se constrói no processo de configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 121). Para o autor, a teoria curricular precisa considerar essas complexas determinações, bem como “os processos que determinam a concretização do currículo nas condições da prática” (ibidem).

Neste contexto, reforço que a proposta de investigação-formação-ação possibilitou movimentos formativos no componente curricular de prática de ensino em Ciências/Biologia II, organizou a responsabilidade individual e coletiva na formação inicial dos sujeitos envolvidos. Assumo a investigação-formação-ação na perspectiva da transformação de concepções, de discursos sobre o currículo, o livro didático e a ação docente.

No contexto de análise, as primeiras constatações do planejamento e da realização da intervenção, pela via da reflexão em narrativas nos diários de bordo, constituíram movimentos formativos, dos quais emergiram as espirais reflexivas. Estes pressupostos circunscrevem a análise, que segue.

2.2 A ESPIRAL REFLEXIVA DESENCADEADA PELO PLANEJAMENTO E