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A prática pedagógica enquanto práxis e a formação de professores

4 PRÁTICA PEDAGÓGICA, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS

4.1 A prática pedagógica enquanto práxis e a formação de professores

A formação do professor ocupa um espaço central nas discussões sobre a prática pedagógica. De fato, a prática de ensinar requer dos professores uma mobilização de conhecimentos, advindos das diversas experiências vivenciadas, da experiência profissional e das vivências pessoais enquanto sujeitos formadores.

Considerar a prática pedagógica é considerar a mobilização dos conhecimentos dos profissionais enquanto partícipes de grupos culturais, interagindo numa complexa rede formada por instituições e indivíduos, sob múltiplas influências, estratégias, táticas, ideais, enfim, um conjunto de possibilidades onde ocorrem o ensino e a aprendizagem. A formação não se restringe aos aprendizados nas instituições formadoras; se dá num continuum que permeia todos os momentos em que os sujeitos, em sociedade, interagem e trocam conhecimentos.

Dessa forma, a experiência educativa pode ser repensada para um processo construtivo, aberto e permanente, uma vez que os conhecimentos institucionalizados não bastam para a formação de professores, o que implica em rever os objetivos da formação docente para reconstrução de uma sociedade mais solidária, justa e igualitária (ROMANOWSKI, 2007, p. 37). A autora destaca que vivemos um paradoxo, pois o acesso a tecnologias e conhecimentos deveriam diminuir as desigualdades sociais e educacionais. Ao invés disso, encontramos o aumento das desigualdades: “o aumento do acesso ao conhecimento e a geração de mais riquezas não resultam melhores condições de vida para todos; [...] a ampliação da escolarização não tem produzido na mesma proporção o respeito à diversidade cultural e étnica (ROMANOWSKI, 2007, p. 37).

A atualidade, apesar de produzir as desigualdades apontadas, contribui para que a educação e a profissionalização docente tenham possibilidades de se repensarem e de se reconstruírem, intencionando uma formação completa e humana das pessoas. Uma maneira de se alcançar esse objetivo, por exemplo, é a perspectiva crítico-libertadora de Paulo Freire. Nela, conforme Saul e Gioverdi (2006), podemos encontrar ao menos quatro princípios fundamentais que fornecem subsídios para sua compreensão: princípio político, princípio axiológico, princípio gnosiológico e princípio epistemológico.

No princípio político, “[...] a educação é uma forma de intervenção na vida coletiva, no sentido de manutenção de uma determinada realidade ou de sua superação” (SAUL;

GIOVERDI, 2006, p. 214). A manutenção ou superação de uma realidade, através da educação, busca uma sociedade mais livre, humana, justa e democrática; teríamos condições, dessa forma, de superar as desigualdades econômicas, sociais e culturais, respeitando-se a diversidade.

No princípio axiológico, “[...] a educação é difusora e produtora de valores que regem a vida dos sujeitos” (SAUL; GIOVERDI, 2006, p. 214). Os valores alinham-se aos princípios políticos no sentido de buscar a união e a promoção de atitudes que visem uma educação humana, solidária, reflexiva, autônoma e que tenha compromisso com a coletividade. É nessa direção que os paradoxos da atualidade “[...] apontam para novos desafios, tais como a diminuição da miséria e da pobreza e da marginalização científica e tecnológica” (ROMANOWSKI, 2007, p. 37). Percebemos que pouco adianta avançarmos em áreas como as ciências se não usarmos tais conhecimentos para engrandecermos nosso lado humano, superando as adversidades e desigualdades.

No princípio gnosiológico, “[...] a educação implica em uma relação dos sujeitos com o conhecimento”, e os sujeitos “[...] produzem conhecimentos a partir de situações existenciais [...] no mundo” (SAUL; GIOVERDI, 2006, p. 215). Este princípio se alinha aos dois anteriores por considerar a diversidade social, cultural, educacional, dentre outras, assim como a realidade dos indivíduos. Logo, o conhecimento produzido requer contextualizações, uma vez que a coletividade não pressupõe hierarquização de maneiras de ensinar ou formas de aprender.

Por fim, no princípio epistemológico “[...] a educação implica em uma seleção de conhecimentos” considerando o “[...] diálogo entre educadores e educandos, com a intenção de que sejam selecionados conhecimentos sistematizados que permitam aos educandos melhor compreender e superar situações-limites” (SAUL; GIOVERDI, 2006, p. 215). Este princípio considera não apenas a necessidade de educar a partir dos conhecimentos pertinentes a cada grupo. Em contrapartida, o diálogo é tido como ponte entre os conhecimentos da escola – através da figura do professor – e a sociedade – através da figura dos educandos.

É com base nesses princípios que encontramos conceitos que reiteram a necessidade da reflexão constante sobre o processo de ensinar e aprender, fundamental na formação de professores. Destaca-se aqui o conceito de práxis, usado para indicar esse processo reflexivo:

a práxis é o conceito que explicita o princípio da reflexão sobre a prática. Isso significa que a formação permanente exige que a escola e, fundamentalmente, os desafios percebidos pelos educadores no seu cotidiano sejam os objetos privilegiados do processo formativo. Quando o processo formativo não parte dos problemas colocados pela prática dos educadores no seu cotidiano, tende a ser desprovido de significado para os sujeitos da formação, não possibilitando a transformação das práticas instituídas (SAUL; GIOVERDI, 2006, p. 217).

A ação educativa/práxis pedagógica é o campo que, dentre as suas vertentes, engloba a formação dos professores. No entanto, a prática docente – aquela em que profissionais certificados atuam na formação de indivíduos – é apenas uma das dimensões da prática pedagógica. A esse respeito, Souza (2009) contribuiu com reflexões que uso enquanto marco teórico de minha pesquisa. Para o autor,

a formação de quaisquer pessoas ou profissionais, inclusive da educação, não resulta de uma prática docente, mas de uma práxis pedagógica não apenas de uma instituição, mas de várias. Uma professora ou um professor não se forma por meio da prática de um docente [...], mas da práxis pedagógica de várias instituições formadoras e de muitas outras experiências formativas que vai vivendo ao longo da vida e de seus ambientes culturais (SOUZA, 2009, p. 23).

As instituições podem ser compreendidas não apenas como espaços físicos. A educação também não se limita à prática docente, podendo abranger muitos outros momentos, lugares e experiências de ensino e aprendizagem, formais, não formais e informais (SOUZA, 2009, p. 50). Dessa maneira, a formação não se restringe à ação de docentes. A prática docente é apenas mais uma das dimensões da práxis pedagógica, não se dissociando de outras práticas que compõem o complexo mecanismo do ensino. Questiona o autor: “não será atribuir demasiado peso à ação do docente e esquecer que a contribuição à formação humana do sujeito humano é responsabilidade da agência formadora, portanto da instituição, e não apenas de um docente ou do conjunto de seus educadores?” (SOUZA, 2009, p. 25-26).

A formação englobaria mais do que a prática docente em instituições superiores. As instituições em si precisam ser consideradas nesse processo, pois não caberia apenas ao professor a responsabilidade pelo ensino e formação dos sujeitos. O ambiente da formação de professores, tal qual outros ambientes não formais e informais, são fundamentais para a construção da formação humana, posto que o espaço formal da educação não pode ser considerado o único lugar onde o conhecimento é produzido e disponibilizado.

Uma vez que a formação não se restringe às instituições nem à ação docente, analisaremos primeiramente as perspectivas para o exercício profissional dos professores e as configurações dos espaços formais para a formação. Com base nesses conceitos, podemos compreender como são esses espaços, a partir do viés ideológico e dos valores do exercício profissional que o legitima. Dessa forma, é possível perceber como os demais espaços formativos são igualmente importantes na formação humana.