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Conteúdos pedagógicos, políticas públicas e educação musical: desafios da ação

4 PRÁTICA PEDAGÓGICA, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS

4.7 Conteúdos pedagógicos, políticas públicas e educação musical: desafios da ação

Os conteúdos pedagógicos – categorizados em educativos, instrumentais e operativos – demandam abordagens distintas, visto a especificidade de cada um. O lugar da educação musical dentro perspectiva estaria dentro dos conteúdos pedagógicos instrumentais pois, conforme a proposta de Souza (2009), é nela que estariam concentrados os conteúdos artísticos. O expressar-se é uma ação central na linguagem artística e, enquanto conteúdo instrumental, estaria diretamente ligado à ressocialização, ou seja, aos processos de reinvenção e recognição. Esses dois processos, por sua vez, visam ressignificar os conhecimentos, a fim de transformar a sociedade, respeitando a diversidade cultural e caminhando para um processo de multiculturalidade. Dessa forma, a expressão artística teria na educação musical um espaço educativo em potencial, desde que o projeto político pedagógico/educacional das instituições confira o espaço necessário para o desenvolvimento da área de música e a reconheça como importante na formação humana.

Na prática, o projeto educacional das instituições está atrelado ao campo de disputas de grupos sociais: estes, – movidos objetivamente para a realização desse fim –, interferem na autonomia das agências formadoras, modificando, através de vários mecanismos, o projeto político pedagógico. Dentre essas modificações, encontramos não apenas a diminuição do espaço que algumas áreas de conhecimento ocupam nos currículos, mas também uma transformação do conceito e da função da educação.

Alguns pesquisadores apontam que as novas políticas de educação, como as incentivadas pelo neoliberalismo, promovem esse tipo de transformação. A Organização Mundial do Comércio, por exemplo, classifica a educação como um serviço, e a expansão de um currículo modelado em competências avalia de acordo com padrões predefinidos (ARÓSTEGUI; LOURO; TEIXEIRA, 2015, p. 26-27). Um currículo com base em competências e avaliações predefinidas e padronizadas mundialmente empobrecem a capacidade da escola de promover a contextualização e valorização das culturas, que impacta negativamente no valor e espaço ocupado por algumas áreas de conhecimento.

O ensino de música é afetado diretamente por esse processo, pois esse tipo de currículo se alinha ao modelo econômico o qual faz parte e, por sua vez, prioriza o ensino de matérias específicas, como matemática, ciências e tecnologia (ARÓSTEGUI; LOURO; TEIXEIRA, 2015, p. 26-27). Essa economia do conhecimento, como é conhecida, se caracteriza pela necessidade de um currículo independente do contexto onde se desenvolve. Há um interesse

neoliberal de que exista um padrão de avaliação em todos os países que possibilite a manutenção desse sistema (ARÓSTEGUI; LOURO; TEIXEIRA, 2015, p. 27-28).

A perda do espaço da música nos currículos é reflexo desse processo, conforme os autores. Mas vemos, por outro lado, que a música está bastante presente fora do espaço escolar na vida dos jovens, o que exemplifica que nem todas as estratégias dos grupos dominantes conseguem plena consolidação. Os jovens lidam com música através de redes sociais e de espaços informais de aprendizado, sendo parte importante da formação identitária, contribuindo para o desenvolvimento psicomotor, sócio afetivo e cognitivo (ARÓSTEGUI; LOURO; TEIXEIRA, 2015, p. 25). Os espaços informais, portanto, podem ser vistos como um lugar para a formação dos indivíduos, espaços estes que são, muitas vezes, independentes dos sistemas oficiais de ensino.

Mas não só os jovens usam os espaços informais para obter conhecimentos. Os professores também podem usar esses conhecimentos não formais para ressignificá-los nas instituições escolares, através do processo de recognição e reinvenção (SOUZA, 2009). Nesse sentido, os gestores podem fomentar ações como essas, aproximando a escola dos grupos sociais do entorno das escolas.

No Brasil, as políticas educacionais também se apresentam como um espaço de disputa, pois “[...] seus encaminhamentos são fundamentais para a definição da realidade educacional e, portanto, para o espaço e o valor de cada área de conhecimento nesse contexto” (QUEIROZ, 2012a, p. 36). A avaliação da educação surge como uma oportunidade de reflexão acerca dos espaços e valores das áreas de conhecimento, sendo fundamental para a consolidação do perfil e dos caminhos que o perfil educacional brasileiro pode seguir. Compreender as políticas educacionais brasileiras significa perceber os meios pelos quais os projetos estabelecidos atuam na formação da sociedade.

As políticas educacionais se definem

[...] a partir da estruturação de um conjunto sistêmico de diretrizes e ações que norteiam a condução da educação nacional. Portanto, elas representam as bases do que se almeja e se estabelece para os sistemas de ensino e devem ser traçadas com a finalidade de possibilitar o crescimento quantitativo e qualitativo da educação, possibilitando o acesso, mas, mais que isso, a formação plena dos indivíduos (QUEIROZ, 2012a, p. 37)

O conceito de formação plena para Queiroz (2012a) mantém relação com a formação humana dos sujeitos proposto por Souza (2009), especialmente na incompatibilidade entre uma formação plena e ampla, e a economia do conhecimento, pois “[...] ainda falta uma participação equânime entre as áreas de conhecimento nas pesquisas, debates e ações” (QUEIROZ, 2012a,

p. 38). Evidenciamos, portanto, que as ações neoliberais permeiam nossas políticas educacionais, ao menos no que tange aos diferentes valores dados às áreas de conhecimento, afetando diretamente as menos estimadas nessa proposta, como a educação musical. Dessa forma, faz-se necessário não apenas ações objetivamente políticas, mas que se estabeleçam “[...] linhas teórico-investigativas que permitam, com base em abordagens científicas, o diálogo, a análise e a crítica das políticas educacionais a partir das perspectivas e objetivos da área” (QUEIROZ, 2012a, p. 38).

Com relação às políticas públicas para a educação básica e suas implicações para o ensino de música, Queiroz e Penna (2012) analisaram e discutiram quais ações e programas do governo brasileiro têm impacto direto na construção do nosso sistema de ensino e suas reverberações na educação musical em espaços de ensino formais. Fica evidente que o fortalecimento da educação musical se dá na sua inserção nas políticas públicas educacionais: “além de uma legitimação epistêmica, metodológica e formativa, precisamos de uma legitimação política, se almejarmos sedimentar a música como um componente curricular relevante” (QUEIROZ; PENNA, 2012, p. 93).

A relevância mencionada está relacionada com os valores que são atribuídos às diferentes áreas diante da lógica da economia do conhecimento. Todos os conhecimentos são igualmente significantes na formação humana do sujeito humano (SOUZA, 2009), não cabendo distinções. No entanto, Queiroz e Penna (2012, p. 93) percebem que as áreas de conhecimento priorizadas por essa economia do conhecimento aparecem também na estrutura das políticas educacionais brasileiras, tais como as áreas de ciência, física, matemática, português e química. Essa priorização influencia no modo como os mecanismos de avaliação do sistema de ensino são planejados (ARÓSTEGUI; LOURO; TEIXEIRA, 2015).

4.8 Políticas públicas para a educação no Brasil: políticas avaliativas, de consolidação e