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CAPÍTULO 3 O MOVIMENTO DE REAÇÃO CATÓLICA E AS IMPLICAÇÕES

3.2 A presença da Igreja Católica na Educação Mineira

O clima laico, instalado pela modernidade no mundo europeu, fez com que a Igreja Católica engendrasse uma política de restauração dos preceitos religiosos. No contexto brasileiro, o projeto de reação católica apropriou-se da dimensão educacional para atingir os seus objetivos.

No Brasil, desde os tempos dos primeiros jesuítas, o ideal católico de catequese pautou-se no processo de evangelização, caracterizado sob a forma do trabalho docente. O ensino, cuja finalidade era formar bons cristãos consistiu, exclusivamente, no ensinamento da doutrina católica. O regime monárquico adotou a religião católica como oficial, mas a entrada dos ideais de modernidade, fruto das revoluções burguesas na Europa, fez com que os princípios religiosos católicos fossem perdendo força nos assuntos políticos. Aos poucos, o ensino religioso foi perdendo espaço junto às legislações, a exemplo da Reforma Leôncio de Carvalho quando propôs que o ensino da religião deixasse de ser obrigatório.

Com a república a influência positivista na educação se torna marcante e esse fator acentuou a política de descentralização da organização escolar. O sistema de descentralização do ensino acabou por beneficiar a iniciativa privada que associou os seus interesses à necessidade do Estado de oferecer a instrução à população. Dada a necessidade de expansão do ensino, o setor público associou-se ao movimento de restauração católica da Igreja. Esse movimento de reestruturação do catolicismo passou a se processar com mais rigor no Brasil no período republicano. Devido à separação oficial entre a Igreja e o Estado proposta pela Constituição nesse período, na tentativa de resgatar a religiosidade, o bispado recorreu aos institutos religiosos estrangeiros, convocando-os para regularizar o ambiente de evangelização em terras brasileiras. Foi assim que as congregações religiosas, sob a forma de missões, se instalaram em maiores proporções em nosso país. Elas tinham o objetivo de reformar a moral

cristã dos brasileiros, a partir dos ideais do catolicismo, utilizando-se, para esse fim, de instituições educativas.

No caso de Minas Gerais, o firmamento do catolicismo se reveste de peculiaridades, uma vez que a religião aqui apresentou uma característica fortemente exteriorista43. Em território mineiro, as congregações foram importantes na organização da vida religiosa da população desde os tempos de colônia. As congregações religiosas estrangeiras que se estabeleceram em Minas, para organizar a vida religiosa do lugar, contou com o apoio das oligarquias coronelistas. Isso porque houve o interesse dos coronéis44 em manter o controle da população local. Eram eles que exerciam as lideranças em níveis local e regional e, por ser assim, definiam as escolhas dos eleitores. Com a Lei no 3.029 de 1881, conhecida como Lei Saraiva, não mais se permitiu o voto dos analfabetos e, na metade do século XIX somente “10% da população livre em idade escolar havia frequentado a escola primária” (BOAVENTURA, 2010). Por isso, era interessante para as oligarquias o trabalho ideológico realizado pela Igreja por meio das congregações.

Um marco importante para a história da Igreja em Minas Gerais foi a criação do Bispado em Mariana em 1745. Esse município contou com a presença de uma das primeiras dioceses no Brasil, sob a direção dos irmãos lazaristas. A intenção do papado com essa criação foi, além do projeto ultramontano de formação do clero em terras brasileiras, atender “as reclamações dos moradores das Minas em prol da criação de escolas para seus filhos” (LOPES e BICALHO, 1993, p. 50). Cinco anos depois da criação do bispado, foi fundado o Seminário de Mariana – cujo nome oficial era Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte – um lugar que, além de formar religiosos, era aberto ao estudo público para preparação dos filhos das elites que, depois, continuariam os estudos em Portugal.

43 As Irmandades religiosas se firmaram, entre outros, por meio dos símbolos religiosos. Junto a esses símbolos, rituais como romarias, procissões e culto à imagem dos santos, consistiram-se numa maneira de atingir a mentalidades da população mineira. Assim, arraigar os costumes católicos na mentalidade das pessoas do lugar, de forma se tornarem um hábito presente nas mais diversas manifestações do corpo social local, resultou numa “mentalidade fortemente exteriorista de Minas colonial” (MATA, 1997, p. 50).

44 Segundo LEAL (1975, p. 101), o coronelismo foi um fenômeno na existência político-social do Brasil, pautado na figura do proprietário de terra. A política dos coronéis caracterizou-se por “um compromisso típico do sistema em que os chefes locais prestigiavam a política eleitoral dos governantes e deles recebiam o necessário apoio para a montagem das oligarquias municipais” (Ibidem, idem).

De acordo com Rossi (2006, p. 80), foi o bispo D. Viçoso (1844-1897) que “consolidou na diocese o trabalho dos lazaristas, que assumiram a direção do seminário e a chegada das Filhas da Caridade”, também conhecidas como Irmãs de São Vicente de Paulo.

Figura 4: D. Viçoso bispo de Mariana, MG. Fonte: Sítio oficial do Santuário do Caraça (Mariana, MG).

As irmãs vicentinas fundaram, em 1849, o primeiro colégio religioso feminino em Minas Gerais: o Colégio Providência. Além das obras de caridade em orfanatos e asilos e serviço de enfermagem prestados em Santas Casas e Hospitais, a congregação das irmãs foi uma, dentre tantas outras, das responsáveis pelo crescimento das redes e escolas e colégios.

Muitas outras congregações femininas se instalaram no Brasil, como nos informa Azzi (1986, p. 34): Irmãs de São José de Chambéry, as Franciscanas da Caridade e Penitência, as Filhas de Maria Auxiliadora, as Irmãs Dominicanas, para citar algumas. Além das obras de caridade, essas congregações atuaram principalmente no campo educativo, fornecendo

instrução elementar na tentativa de sanar as carências da alfabetização – e, assim, compor eleitores, importantes para manutenção das oligarquias no poder – e, também, formar profissionais para atuar no ensino primário.

Como já ressaltamos neste trabalho, as poucas escolas primárias existentes nas províncias eram insuficientes e onerosas e funcionavam sob instalações inapropriadas e possuíam ensino precário. Devido aos elevados gastos com a educação pública, as províncias se colocaram em defesa do ensino privado. Também:

Nesse conjunto de conflitos, a formação feminina ficou prejudicada, pois meninas cresciam analfabetas, sem uma mínima instrução, vivendo em casa, sendo preparadas tão somente para o casamento, ou viviam enclausuradas nos recolhimentos (ROSSI, 2006, p. 81).

Relembrando a Lei de 15 de outubro de 1827, foi pensado o estabelecimento de uma educação que formaria professores capacitados para atuar no ensino primário. Mesmo quando a Constituição do Império prescreveu como gratuito o ensino primário, o governo estabeleceu “um currículo não profissionalizante para a educação feminina, voltado para a formação de donas-de-casa, compostas das disciplinas: leitura, escrita, doutrina católica e prendas domésticas” (MANOEL, 2008, p. 23). Todavia, a educação feminina assumiu novas proporções:

Na sociedade patriarcal a educação feminina restringiu-se às boas maneiras e às prendas domésticas, porém, com o movimento crescente de urbanização e industrialização, a sociedade passou a exigir da mulher certo desembaraço em decorrência da necessidade de frequentar as festas e reuniões sociais que se tornavam cada vez mais regulares (INÁCIO FILHO, 2002, p. 54).

Somando-se ao desejo das famílias em educar as jovens, no interior do novo padrão exigido pela cultura urbana, aos interesses da Igreja em disseminar o catolicismo, alastraram- se as escolas para a formação de moças. As instituições escolares destinadas à educação das mulheres foram relegadas aos cuidados das irmãs de diversas congregações religiosas. Nessas escolas, a internalização dos preceitos cristãos católicos era essencial para que as jovens viessem a exercer o papel para o qual seriam destinadas no interior de suas futuras famílias.

Grande estratégia da Igreja, no projeto de reação católica, foram as Escolas Normais, formadoras de professoras primárias:

No decorrer da história das Escolas Normais, prevaleceu a preocupação com a inculcação de padrões morais e religiosos convenientes ao Estado. [...] O professor, antes de tudo, tinha que se conscientizar que sua função era de disseminador da moral pregada pela classe senhorial, já que a Escola Normal nasceu ligada a consolidação do poder dos grandes proprietários (MENDONÇA, 2000, p. 67).

Sob a responsabilidade das congregações religiosas, as Escolas Normais compuseram um importante meio para centralizar e aprofundar a doutrina católica na sociedade. Essas instituições educativas vieram a calhar nos planos da Igreja, bem como das oligarquias, principalmente no que diz respeito à educação de meninas.