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CAPÍTULO 1 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS TENSÕES E CONFLITOS

1.3 Liberalismo, Modernidade e a Instrução Pública no Brasil

1.3.4 Decreto Leôncio de Carvalho (1879)

Em meados do século XIX, as reformas sobre a instrução públicas ficaram restritas ao ensino primário e secundário. Mas, no final do mesmo século, o ensino superior também se torna foco das reformas.

Instituído pelo Ministro dos Negócios do Império, em 19 de abril de 1879, o Decreto 7.247 trouxe a síntese de uma série de discussões a respeito do sistema educacional brasileiro. Tal documento expressa as aspirações de uma elite liberal em modificar a estrutura de sistema educacional vigente, em função do desenvolvimento social e material do país. O ideal liberal propunha que, para caminhar em direção ao almejado desenvolvimento, a educação seria um importante elemento nesse processo.

26 A dinâmica do regulamento de 1854 propôs contratar, por concurso geral, professores auxiliares. Da lista de aprovados, o Governo escolhia os melhores colocados para nomea-los adjuntos. Esses professores, que deveriam receber formação prática, seriam avaliados anualmente, durante um período de três anos. Depois desse tempo, os docentes reprovados seriam excluídos da condição de adjunto e os aprovados seriam nomeados professores públicos (SAVIANI, 2010, p. 133).

27 De Acordo com Rosa Fátima de Souza (2006, p. 39), o termo simultâneo sofreu várias revisões pedagógicas. No final da década de 1830, o termo simultâneo “descrevia um método pedagógico pelo qual os professores encontravam-se no comando da atenção simultânea de todos seus alunos”. Em síntese, o método simultâneo é aquele em que o professor ensina a todos os alunos ao mesmo tempo.

O ideal de modernização tornou-se mais expressivo em nosso país a partir dos anos de 1870. Nesse tempo, houve grande incentivo à industrialização, fato verificado devido ao considerável aumento da importação de Carvão e maquinários para o Brasil (RIBEIRO, 2003). A partir da década de 1880, com o surto industrial e o estabelecimento de “uma política migratória, se aboliu o regime de escravidão, se iniciou a organização do trabalho livre e se inaugurou, com a queda do Império, a experiência de um novo regime político” (AZEVEDO, 1963, p. 607). A passagem de uma economia rural para uma cultura industrial e urbana ocasionou mudanças de pensamento e ideais que, no caso, acompanharam o estilo capitalista liberal. Por conseguinte,

Os princípios liberais influenciaram debates relacionados à educação, apresentando-se, em muitas das discussões sobre as reformas de ensino, como o ideário de „liberdade de ensino‟, defendido por muitos políticos liberais (MELO; MACHADO, 2009, p. 295).

Os primeiros liberais brasileiros influenciaram debates em torno da educação e, em muitas dessas discussões, o ideal de liberdade do ensino surgiu como aspiração de políticos administradores do país. Percebendo isso, o ministro Leôncio de Carvalho se mostrou eficiente quando, em decreto lançado por ele, destacou a educação como importante elemento na formação do sujeito.

O Decreto 4.247 de 1879 buscou reformar os ensinos primário e secundário na Corte, além de reformular os exames preparatórios nas províncias e os estatutos das Faculdade de Direito e Medicina em todo o Império. Mas a essência do Regulamento, que trata da liberdade de ensino, é apresentada já de início:

Art. 1o - É completamente livre o ensino primario e secundario no município da Côrte e o superior em todo o Imperio, salvo a inspecção necessária para garantir as condições de moralidade e hygiene (BRASIL, 1879).

A questão da liberdade do ensino, na concepção liberal, é vista como um meio de aumentar o número de escolas. A livre concorrência serviria de estímulo para que os estabelecimentos escolares competissem entre si e, dessa forma, disponibilizariam mais vagas que viriam atender um maior contingente de alunos e ampliar o mercado de trabalho docente. Nesse caso, o Estado ficaria responsável por inspecionar as condições de salubridade e garantir a qualidade do ensino oferecido.

Outro ponto importante destacado no decreto do ministro Carvalho foi a obrigatoriedade escolar. Foi mantida a obrigatoriedade escolar para as crianças de sete a 14 anos, com multa aos pais e responsáveis que descumprissem tal medida. Porém, diferente da reforma Couto Ferraz, as crianças do sexo feminino foram englobadas na reforma de Leôncio de Carvalho:

Art. 2º § 1º - Todos aquelles que, tendo em sua companhia meninos e meninas nas condições acima mencionadas, deixarem de matricular-lhes em estabelecimentos particulares ou em suas casas a instrucção primária do 1º grão, sejam pais, mais tutores ou protectores, ficam sujeitos a uma multa de 20 a 100$000 (BRASIL, 1879).

Como percebemos, ficam dispensados dessa obrigação os alunos frequentadores de escolas particulares ou aqueles que recebiam instrução em suas residências.

O pensamento liberal reconhece o direito de todos à educação, por meio da gratuidade e da obrigatoriedade. Para os liberais, a educação é um direito e dever de todos; sendo assim, a obrigatoriedade e a gratuidade são instrumentos fundamentais na efetivação desse direito e no cumprimento desse dever.

O decreto de 1849 manteve a divisão da escola primária em 1º e 2º graus, conforme o quadro 2:

PROGRAMA

Escola Primária de 1º Grau

Instrução Moral; Instrução Religiosa; Leitura e Escrita; Noções das Coisas; Noções Essenciais de Gramática; Princípios Elementares de Aritmética; Sistema Legal de Pesos e Medidas; Noções de História e Geografia do Brasil; Elementos de Desenho Linear; Rudimentos de Música com exercício de Solfejo; Canto; Ginástica e Costura simples para as meninas.

Escola Primária de 2º Grau

Princípios elementares de Álgebra e Geometria; Noções de Física, Química e História Natural com explicações de suas aplicações ao uso da vida; Noções Gerais de Deveres dos Homens e do Cidadão com explicação sucinta da organização do Império; Noções de Lavoura e Horticultura; Noções de Economia Social e Prática Manual de Ofício (meninos) e de Agulha (meninas).

Quadro 2: Organização da Escola Primária (Decreto 4.247 de 1879). Fonte: Decreto 4.247 de 19 de abril de 1879.

Os programas de ensino passam a caminhar em função de uma realidade pautada nos ideais do liberalismo, uma forma de atender às novas necessidades de mão de obra do sistema brasileiro. Mesmo a disciplina Instrução religiosa, sugerida no programa de ensino primário de 1º grau, é proposta da seguinte maneira:

Art. 4º § 1º Os alunnos acathólicos não são obrigados a frequentar a aula de instrucção religiosa, que por isso deverá effectuar-se em dias determinados da semana e sempre antes ou depois das horas destinadas ao ensino das outras disciplinas (BRASIL, 1879).

Os alunos do curso primário, no regulamento de Leôncio de Carvalho, que não professavam a fé católica, não eram obrigados a frequentar as aulas de ensino religioso. A agregação dos valores da religião – no caso do Brasil, a católica – pelo Estado já não correspondia à nova realidade. Podemos perceber isso quando olhamos, por exemplo, para a disciplina Instrução Moral, que visa ensinar sistemas de regras constituídas, um importante dispositivo para imputar normas de civilidade garantindo, assim, que o Brasil caminhasse firme rumo ao progresso.

É primordial compreendermos que a Reforma de Leôncio de Carvalho retrata a dinâmica de transformações sociais – incluindo a educação escolar – que se operaram no Brasil nos fins do século XIX. Esse conjunto de informações nos oferece pistas de como se desenhará a educação e o ensino nos primeiros anos da Primeira República, período delimitado para nossa pesquisa.