• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 O MOVIMENTO DE REAÇÃO CATÓLICA E AS IMPLICAÇÕES

3.4 Congregações religiosas e a formação de professoras primárias

A abertura da sociedade brasileira aos valores da modernidade europeia exigiu uma redefinição de postura da mulher. A urbanização e a infiltração da cultura liberal na mentalidade dos brasileiros trouxeram consigo valores de uma sociedade burguesa que, também, atingiu a educação feminina:

Dessa forma, não era mais o bastante que as mulheres soubessem apenas dirigir a casa e governar os escravos. Tornava-se necessário, diria até imperioso, que as mulheres soubessem ler, escrever, conversar, que conhecessem ao menos por informação, um pouco do mundo situado além dos muros de suas casas e das paredes das paróquias mais próximas. Em outras palavras, era necessário educar e cultivar as jovens (MANOEL, 2008, p. 24-25).

A penetração dos ideais liberais dentro dos ambientes intelectuais, advindos, principalmente, da Revolução Francesa, atingiu as camadas elitistas, brasileira e mineira. Conceitos de civilização e cultura, juntamente ao desenvolvimento do saber científico capaz de nos impulsionar a tempos mais evoluídos, ganharam expressão nos costumes da nossa gente. Conceitos aristocráticos sobre polimento cultural e boas maneiras atingiram de sobremaneira a educação de meninas. Isso porque:

A burguesia francesa [...] permaneceu estreitamente vinculada à tradição de corte em seu comportamento e no controle de suas emoções, mesmo depois de demolido o edifício do velho regime. Isso porque graças ao estreito contato entre os círculos aristocráticos e de classe média, grande parte das maneiras cortesãs, muito tempo antes da revolução haviam sido também aceitas pela classe média. Pode depreender, então, que a revolução burguesa na França, embora destruindo a velha estrutura política, não subverteu a unidade dos costumes tradicionais (ELIAS, 1994, p. 63).

Em Minas Gerais, os cursos normais tiveram como atrativo uma educação voltada para o polimento cultural, além de educar as moças para um futuro casamento e para a criação dos filhos. Nesse encalço, as escolas religiosas privadas, comandadas por freiras de origem europeia, principalmente as francesas, gozaram de maior prestígio. Associada aos interesses do Estado, a Igreja emergiu como o ente responsável pela conservação do tradicionalismo mineiro. Apesar de caber ao Estado muitas das ações de nomeações de mestres, organização e

coordenação de programas de estudos, a avaliação e a verificação do ensino destinado às crianças e jovens eram realizadas por representantes da Igreja ou a pedido dela. Por isso, veremos a ação de padres católicos atuando, principalmente, no campo da educação escolar. Perceberemos também o apoio do Estado quanto à implantação e à subvenção ao ensino particular secundário oferecido pelas congregações religiosas, sobretudo para a formação de professoras para atuar no ensino primário.

As congregações religiosas, que chegaram ao Brasil devido às missões ultramontanas, passaram a oferecer, além do ensino primário em locais improvisados, o ensino secundário destinado à formação técnica para os homens e ao magistério para as mulheres. Os Estados investiram nessas iniciativas particulares, advindas das congregações, com o objetivo de oferecer educação para a juventude com base nos preceitos cristãos.

As congregações eram, em sua maioria, formadas por leigos e clérigos consagrados. Os leigos, chamados povo de Deus, eram pessoas comuns dispostas a dedicar suas vidas ao serviço de transmissão dos valores cristãos. O clérigo consagrado era composto pelos monges, tais como os beneditinos, que são monásticos, vivendo enclausurados nos mosteiros, dedicados exclusivamente às atividades religiosas. Também são clérigos consagrados os frades e as freiras, religiosos que vivem nos conventos e dedicam sua vida à caridade, à pregação e à evangelização. São exemplos dessa modalidade religiosa os franciscanos, dominicanos, agostinianos e as carmelitas, que renunciam à posse de bens e vivem da caridade dos outros.

A presença das congregações religiosas no Brasil é percebida desde os tempos do colonialismo, especialmente depois da expulsão dos jesuítas devido ao decreto de Pombal. Com as missões ultramontanas e o interesse da aristocracia em manter a cultura de privilégios, a presença das congregações em terras brasileiras cresceu bastante. Leonardi (2008), com base nos dados do Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social (Ceris), apresenta o quantitativo das congregações que se instalaram no país nos fins do século XIX e início do século XX:

Gráfico 3: Congregações Religiosas Estrangeiras no Brasil (1849-1933). Fonte: CERIS apud Leonardi, 2008.

Observando o gráfico, concluímos que durante o século XIX o movimento de vinda das congregações masculinas diminui e, contrariamente, as congregações femininas apresentaram um ligeiro aumento. Com o passar do tempo, houve uma inversão desse quantitativo e as ordens femininas ganharam constância, principalmente nos primeiros anos do século XX. Assim, podemos considerar que o número de congregações femininas vai, gradualmente, ultrapassando o quantitativo de congregações masculinas ainda nos últimos anos do século XIX.

Para entender o aumento das congregações do espaço nacional brasileiro, não podemos esquecer que, além dos interesses das oligarquias políticas, no contexto europeu, a Igreja estava amortecida, seus ideais enfraquecidos pelos ideais laicos e outros valores pós- revolucionários:

Naquele momento na Europa, a crise que a Igreja enfrentava em vários países, colocava em situação adversa as inúmeras Congregações religiosas que sofriam perseguição, constrangimentos e até expulsão. Consequentemente, a abertura do Brasil às Congregações europeias não se da aleatoriamente. Havia uma conjugação de interesses que se configurava de um lado, pela busca de alternativas de sobrevivência alimentada pela mística da ação missionária em terras da América e, de outro, pela necessidade de fortalecer a Igreja no Brasil com a rica experiência de padres e irmãs que já atuaram principalmente em obras paroquiais educativas e assistenciais na Europa. (HADDAD; SANTOS, 1992, p. 10-11).

Aliada à luta católica para não perder fiéis, os colégios de ensino masculinos e femininos oferecidos pelas congregações religiosas, principalmente sob a forma de internatos na educação secundária, foram ferramentas importantes no serviço de evangelização por meio da escolarização. A orientação dada às Congregações era a de que atuassem prioritariamente em instituições educacionais de forma a exercer “grande influência na formação da juventude, preparando as moças, no caso dos colégios femininos, para aturarem como exemplos perfeitos de esposas, mães e professoras” (FIGUEIREDO; GOMES, 1993, p. 39).

A maior concentração de Congregações estrangeiras voltadas para a educação feminina situava-se em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (LEONARDI, 2008). Comparada a outras regiões do Brasil, nesses estados se verificou um pequeno índice de aumento da instrução, consequência de uma atuação política mais efetiva. Quanto à nacionalidade das congregações religiosas nesses estados, tem-se a seguinte visualização:

Gráfico 4: Nacionalidades das Congregações Religiosas Femininas (1849-1912) Fontes: CERIS apud Leonardi (2008).

Ressaltamos a importância de se identificar a nacionalidade das congregações femininas que aqui se instalaram. Elas nos permitem traçar o estilo de educação destinada à formação de professoras que atuariam no ensino primário, bem como o tipo de ensino destinado aos setores menos abastados da população. No caso de Minas Gerais, esse

panorama nos permite visualizar a lógica das relações de poder entre o Estado e a Igreja Católica a partir do momento que analisamos o tipo de educação que ambos ofereceram.

No caso do estado mineiro, a maioria das congregações era de origem francesa. A França, naquela época, exercia grande influência cultural em diversos países do mundo. Quando se falava em valores modernos de civilização e refinamento, pensava-se primeiro nos franceses. Os mineiros não ficaram alheios à influência cultural da França, já que sua elite era grande consumidora de seus produtos culturais: livros, teatros, perfumes, vinhos e ideias. Mas, apesar dos ideais de modernidade importados franceses, a educação moral fornecida pela Igreja era vista como importante para educar, segundo os preceitos da moral cristã, as moças que atuariam no seio familiar ou como professoras na educação primária. Por esse motivo, a instalação das Congregações francesas em Minas Gerais contou com o apoio incondicional das oligarquias. Tal associação estava ligada à necessidade local de educação de moças, futuras professoras no ensino primário.

As instituições escolares católicas privadas também eram responsáveis pela formação de professoras para atuar no ensino primário público. Além da formação de mulheres de família, atuantes como mães e educadoras, havia a preocupação em profissionaliza-las e, desse modo, fazê-las transmitir os ensinamentos religiosos internalizados nos tempos de colégio. Por isso, a quantidade de congregações religiosas femininas aumentou, em função dos colégios masculinos. Seja como for, educar mulheres significou, para os padrões da época, instruir utilizando-se de uma “educação de conduta estética, religiosa e formação para o lar, que salientavam em seu ensino ministrado às alunas, as virtudes da função natural da mulher” (ROSSI, 2006, p. 81).

Nesse sentido, notamos o envolvimento da Igreja Católica com as autoridades políticas de Minas Gerais apesar da separação entre esta instituição e o Estado. A Igreja nunca abriu mão de seu espaço na política local e regional, utilizando-a como base para a reorganização de suas forças para voltar a atuar de maneira mais efetiva nos anos de 1910/20.