• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS TENSÕES E CONFLITOS

1.3 Liberalismo, Modernidade e a Instrução Pública no Brasil

1.3.3 Reforma Couto Ferraz (1854)

Leis, decretos e regulamentos sobre a instrução marcaram a segunda metade do século XIX. Mas, das medidas legislativas que foram tomadas, o decreto 1.331A, conhecido como Reforma Couto Ferraz, destacou-se por colocar em discussão as reformas da instrução primária e secundária na Corte.

Segundo Saviani (2006, p. 19), ao assumir a função de ministro do Império no Gabinete chefiado por Carneiro Leão, Luiz Pedreira Couto Ferraz mostrou-se um conservador. O Regulamente apresentado por ele instituiu os serviços de inspeção e fiscalização do ensino, a regulamentação das escolas particulares, bem como o regime disciplinar aplicado aos docentes. O caráter centralizador da instrução também definiu os sujeitos responsáveis por inspecionar os estabelecimentos escolares públicos e privados:

Art. 1º A Inspecção dos estabelecimentos públicos e particulares de instrução primaria e secundaria no município da Corte será exercida: Pelo Ministro e secretario d‟Estado dos Negócios do Imperio; Por hum Inspetor Geral; Por hum conselho Director; Por Delegados de Districto (BRASIL, 1854).

Assim, estabeleceu-se a centralização da instrução pela criação da Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária no município da Corte que, por sua vez, era subordinada diretamente ao Ministério do Império, sendo a Inspetoria composta pelo Inspetor Geral, pelo Reitor do Colégio Pedro II, dois professores públicos e um particular de instrução primária ou secundária e dois membros nomeados pelo governo. A função da Inspetoria Geral era examinar os métodos e os sistemas práticos de ensino, além da escolha de material que deveria ser selecionado, observando-se o conhecimento e os valores a serem transmitidos. De acordo com o artigo 3º, é incumbência do Inspetor Geral:

Art. 3º § 5º - Coordenar mappas e informações que os Presidentes das províncias remetterem annualmente ao Governo sobre a instrucção primaria e secundaria, e apresentar hum relatório circunstanciado do progresso comparativo neste ramo entre as diversas províncias e o minucipio da Côrte, com todos os eclarecimentos que a tal respeito puder ministrar (BRASIL, 1854).

Os membros nomeados anualmente pelo governo tinham a função de examinar os métodos e sistemas práticos de ensino – uma vez que as atividades eram predominantemente escritas –, escolher e avaliar os materiais necessários à transmissão do conhecimento e de valores morais.

É importante nos atentarmos para o fato de que ao tentar reestruturar o sistema educacional no município da Corte, a reforma proposta por Couto Ferraz serviu de modelo para as províncias. As normas e competências contidas no documento serviram de referência para a elaboração das legislações provinciais sobre o tema da instrução. Conforme aponta Saviani (2006, p. 19), “além do efeito-demonstração e do caráter modelo, a Legislação do município da Corte teve para as províncias o Regulamento de 1854 explicitamente buscava alcançar a instrução pública provincial”.

A reforma Couto Ferraz determinou a obrigatoriedade do ensino, além de regulamentar o seu exercício:

Art. 64 - Os Paes, tutores, creadores ou protectores que tiverem em sua companhia meninos maiores de 7 annos sem impedimento physico ou moral, e lhes não derem o ensino pelo menos do primeiro gráo, incorrerão na multa de 20$ a 100$, conforme as circunstâncias (BRASIL, 1854).

Além da multa, a reforma qualifica como crime o ato de desobediência quanto à obrigatoriedade do ensino aos responsáveis pelos meninos maiores de sete anos. No entanto, nada menciona quando se trata de crianças do sexo feminino.

Na perspectiva da organização dos estudos, a escola primária ficou dividida em duas classes, conforme o quadro 01.

A instrução moral, proposta para as escolas de primeiro grau de instrução elementar, restringiu-se a temas da pátria e prosperidade nacional, diferente da conotação fornecida pela Igreja na educação religiosa. A instrução primária superior, proposta nas escolas primárias de segundo grau, diz respeito aos conteúdos que deveriam complementar a instrução primária elementar, porém sem habilitar os alunos para o ensino secundário. O exame de admissão para o curso secundário deveria ser prestado no Colégio Pedro II.

Tipo de

Instrução Programa

Escola Primária de 1º Grau

Elementar

Instrução moral e religiosa, leitura e escrita, noções essenciais de Gramática, princípios elementares de Aritmética e sistema de pesos e medidas.

Escola Primária

de 2º Grau Superior

Aritmética, em suas aplicações práticas, leitura explicada dos Evangelhos e notícias da História Sagrada, elementos de História e Geografia, principalmente do Brasil, princípios das Ciências Físicas e da História Natural aplicáveis aos usos da vida.

Quadro 1: Organização da Escola Primária (Decreto 1.331A de 1854). Fonte: Artigo 43 do Decreto 1.331A; Saviani (2006, p. 21).

Com relação à formação de professores, o Regulamento de 1854 traz uma questão peculiar. Couto Ferraz, descrente em relação às Escolas Normais por considerá-las onerosas e ineficientes para a formação do corpo docente, propõe a substituição dessas escolas pelos

professores adjuntos26. As determinações do regulamento apontam para a formação prática, dispensando às Escolas Normais a incumbência de formar professores. Entretanto, entre outros dispositivos que ficaram somente no papel, “efetivamente resultou em letra morta aquele que pretendia substituir as Escolas Normais pelos professores adjuntos” (SAVIANI, 2010, p. 134). As províncias continuaram a apoiar a criação das Escolas Normais. A Escola Normal de Niterói, fechada por Couto Ferraz em 1849,quando ele era presidente do estado do Rio de Janeiro, foi reaberta em 1859.

Com o ensino estritamente ligado à prática, o Regulamento de 1854 instituiu o método simultâneo27 como oficial nas escolas brasileiras da época. Todavia, mesmo considerando os avanços que a instrução pública obteve com essa iniciativa, principalmente no que se refere ao princípio da obrigatoriedade do ensino primário e, consequentemente, à formação de professores para atuar nesse nível de ensino, a Reforma Couto Ferraz mostrou pouca efetividade quando olhamos para a decadente realidade do país.