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Mapa 6 Montagem do corpo drag

2. T RAVESTILIDADE EM UMA PERSPECTIVA TEÓRICO HISTÓRICA

2.3. A presença da travesti na cultura brasileira

Vestir-se de um gênero, encontrar-se no espelho como outro e sair na rua de outra forma diferente. Os códigos para criar imagens sociais capazes de afirmar um lugar dentro da lógica heterossexual são móveis, situacionais e contextuais, uma vez que são capazes de se observar a diversidade de padrões para os sexos em cada cultura. Mead (1979) havia verificado a ausência de temperamentos específicos associados ao sexo anatômico, quando constatou que características como a agressividade ou a docilidade não são atributos natos do ser humano. Já as teorias levantadas por Butler (2003) e Preciado (2008) contribuem para visualizar o caráter construído da gramática que rege o dispositivo da sexualidade, como explicado por Foucault (1988). Se masculinidades e feminilidades são construídas semioticamente e reiteradas através da linguagem e das tecnologias, então até mesmo o modelo da heterossexualidade se baseia numa convenção a serviço da reprodução humana e

da perpetuação da espécie. Roupas, cortes de cabelo, brinquedos e posturas corporais possuem sentido neutro se forem considerados isoladamente. São as normas do sistema de poder da heteronorma que inventam a posologia dos objetos, e a permissividade é nada mais que um meio de garantir que o modelo homem/mulher continue dentro de uma dimensão separatista, formada por dois de universos distintos e impenetráveis pelo outro.

Com relação às ambiguidades de corpo introduzidas por travestis e transexuais, esses trânsitos são vistos como desvios à norma, passando a ser objeto de estudo da psiquiatria, na intenção de classificar cada comportamento. O sexólogo alemão Magnus Hirschfield inventou o termo “travestismo” em 1910 para nominar o costume de se disfarçar do sexo oposto através de uma estilística que compunha, além dos trajes, outros atributos que remetiam imediatamente à sexualidade daquele indivíduo56. Compreendido na ênfase de uma forma

alternativa para realizar vivências sexuais, a palavra cumpria o papel de interpretar, ao nível do fetichismo ou da perturbação, as intervenções do sujeito sobre seu corpo. Trata-se, então, de uma ruptura com o projeto natural de corpo, e por isso estava sempre associado à homossexualidade. Mais uma vez a heteronormatividade exercia o seu papel regulador, ao nível do discurso marcado pela oposição natureza/cultura uma conexão que atribui ao contato com os signos de outro sexo um status de anormalidade. No entanto, um exame analítico dos cenários históricos em que se desdobraram diferentes práticas de travestir-se revela um leque ampliado de possibilidades para se pensar, em termos de heterogeneidade, nas formas e relações que eram exercidas no campo das sexualidades humanas.

O antropólogo Gregory Bateson (2006) registrou na etnografia clássica sobre a sociedade iatmul, povo austronésio da Nova Guiné, a cerimônia naven, que remetia à inversão de papéis entre homens e mulheres. No decorrer da comemoração, que existia para celebrar uma lista de situações que compreendiam atos e feitos considerados como padrões culturais, que abrangiam especialmente rituais de iniciação, as pantomimas aconteciam com ares de exibicionismo, onde eram evidenciados os contrastes sexuais. Nessas ocasiões, os homens mudavam a sua aparência e comportamento no sentido para o feminino, da mesma forma que as mulheres vestiam roupas masculinas. Tratava-se de uma subversão simbólica que, segundo Bateson, significava a expressão e a ênfase de laços de parentesco, e tinha como finalidade a adoção do ethos masculino, no método que obrigava uma encenação do comportamento do sexo oposto tendo em vista a construção socializada do menino em homem iatmul. Sendo assim, a masculinidade era introduzida na vida social daquele noviço a partir da apropriação

dos elementos do que constituíam o gênero da mulher, que acontecia apenas durante o ritual, para depois voltar à expressão habitual.

Para além do recorte iatmul, o retrato da nobre sociedade londrina do século XVIII é figurado pela historiadora americana Terry Castle (1999) como “cultura do travesti”, cuja principal particularidade era a manipulação das aparências enquanto estratégia privada e instituição social. Numa escala maior, o disfarce acontecia na esfera pública da época, em teatros, bordéis, jardins, e com maior ocorrência nos bailes de máscaras, quando nestes momentos “a mudança coletiva da indumentária era uma possibilidade catártica de si próprio e uma sugestiva revisão das experiências cotidianas” (p. 196). Através da fantasia, os comportamentos que antes eram sufocados pelo controle ético dos sistemas de poder adquiriam permissividade pelos mecanismos de inversão de categorias sagradas, como o universo dos gêneros. Enquanto uma alegoria de fuga da “natureza”, a autora pondera o caráter representativo da troca de roupa, considerando que, para aquele século, a máscara constituía um ícone transgressor.

Nas paisagens que remontam as artes num período antigo, uma forte expressão é encontrada no teatro clássico, principalmente no que abrange regiões como o Japão. O

kabuki57 é uma modalidade de arte cênica originada do século XVII, que numa dança dramática reúne música, mímica, encenação e atenção especial para os figurinos. A peculiaridade dessa tradição reside no fato de que, uma vez que as mulheres haviam sido proibidas pelo governo de subirem ao palco para contracenar, os papéis femininos passaram a ser representados por rapazes vestindo roupas do sexo oposto. Antes dessa proibição, as atrizes também faziam o mesmo com os estereótipos masculinos, nos espetáculos que traziam ilustrações da vida cotidiana em teor de comédia. Também no teatro épico produzido em territórios russo e alemão, a presença dos atores travestidos em cena era notável:

Num teatro em que a realidade é padronizada ao extremo da abstração, não admira que personagens femininos sejam apresentados por especialistas masculinos. Brecht teve contatos com um dos maiores atores chineses de papéis femininos, Mei Lang-Fang. (...) Todos os eventos cênicos são simbólicos. Para o ator é corpo é apenas material, instrumento que dá forma a um personagem com quem sua personalidade nada tem que ver fisicamente e só de modo muito imediato psiquicamente. (ROSENFELD, 1985, p. 113)

Na obra de Shakespeare também se adotava a mesma prática, em virtude da lei que proibia as mulheres de representar, fato que fez com que o autor escrevesse papéis femininos

para serem interpretados por jovens rapazes que ainda não tivessem manifestado sinais da puberdade (tais como crescimento da barba e mudança no timbre de voz)58. Os exemplos apresentados pelo campo artístico e ritual comprovam que é viável pensar em práticas e costumes de travestilidades entre sociedades mais antigas, sem que exista uma relação mais direta com o imaginário homossexual. Por dentro do funcionamento dessa lógica nominativa, a inversão de gênero é concebida como mais que uma troca de roupa, mas reside na ruptura com os padrões criados e instituídos para a garantia da heterossexualidade, na diferenciação social dos corpos sexuados. Os argumentos anteriores fornecem pistas para questionar acerca da execução de determinados papéis por especialistas do sexo oposto, uma vez que a partir de relatos expostos ainda se observa a permissividade e funções sociais incluídas no hábito. A figura do travesti surge no contexto de algumas culturas como arquétipo destituído de valor, marginalizado pela sua condição de infrator dos limites da sexualidade padrão imposta pelos regimes biopolíticos.

O cientista social canadense Erving Goffman (1988) fala que, nos meios de categorização de criaturas e atributos como comuns e naturais em ambientes coletivos, algumas pessoas possuem atributos que os tornam diferentes dos outros, o que pode em alguns casos reduzi-las a níveis de desprestígio social. Observando tal característica, a partir da elaboração do conceito de estigma para referenciar atributos profundamente depreciativos, Goffman analisou situações de descrédito entre atributos e estereótipos, que se incluíam nitidamente em três tipos: as deformidades físicas, as culpas de caráter individual (como prisão, alcoolismo, desemprego e desvios sexuais) e os estigmas tribais de raça, nação e religião. Na atribuição de regulações para serem seguidas em suas rotinas, aqueles que ostentam recusa na aceitação de seu lugar na comunidade são definidos pelo pesquisador como desviantes sociais, em tons de rebeldia. São considerados enquanto membros de minorias que provavelmente terão consciência da visão de estigmatizados, já que não mantém relações de coerência com as organizações de poder.

Tendo em vista o modelo dominante de heterossexualidade, então seria considerada enquanto estigma a travestilidade e o agente travesti automaticamente como desviante social. Esse aspecto poderia justificar, numa lógica redutiva, a marginalidade vivenciada por aqueles que praticam a inversão dos papéis de gênero em suas mais diversas expressões. Será que tais sujeitos ocupariam as mesmas posições deterioradas em todas as sociedades? Como o fator

58“Shakespeare Apaixonado” (Shakespeare In Love. Direção de John Madden. Estados Unidos/Reino Unido,

1998, 123 min.) ilustra essa passagem na obra do autor teatral, narrando a história – situada no final do século XVI – de uma jovem que sonha em atuar e se disfarça de garoto para encenar um texto de William Shakespeare.

cultura agiria sobre as manifestações de travestilidade em contextos diferenciados? Estaria esse tipo de comportamento sujeito a um tratamento universal de estigma? Atentar para as inquietações que surgem no processo de reflexão sobre a temática é um exercício que permite pensar, em termos analíticos, sobre as cargas simbólicas que são impressas nas diversas manifestações em que a prática se apresenta em funcionamento, dentro dos mais variados contextos socioculturais.

Entre os zapotecas, indígenas nativos do sul do México, os papéis e modelos de gênero se demonstram de maneira cruzadas, sobretudo em respeito aos sistemas de sexualidade. O trabalho de campo da antropóloga americana Lynn Stephen (2002) promove uma aproximação com a figura do muxe, que é apresentada pela pesquisadora como um homem que apresenta anatomia masculina, mas compartilha de signos designados ao mundo feminino. Embora apresentem tal característica, a etnógrafa observa que eles não são tidos como homossexuais, mas formam uma categoria separada, que se baseia nos atributos de gênero. O estima pela população muxe reside, como destacado por Stephen, no fato de que, apesar de não atender às expectativas do seu sexo biológico, eles atuam como lembretes constantes para os homens de como suas masculinidades são construídas. Além disso, suas habilidades artesanais e sensibilidades estéticas são apreciadas por muitas pessoas da comunidade. O exemplo etnográfico trazido pela antropóloga estabelece um raciocínio que questiona: em primeiro lugar, a sexualidade enquanto categoria primária de identificação social, já que no retrato da sociedade zapoteca não se observa uma ruptura com o padrão heterossexual pelos homens que se denominam muxes; em segundo lugar, a admissão de um sistema de gêneros que escape às restrições binárias; e em terceiro lugar, sobre a criação de um novo gênero, que funcione de forma tão inteligível quanto os outros dois conhecidos. Entretanto, a proposição de número três estabelece também uma reflexão anexa sobre como as identificações sociais de homem/mulher estão fixas em estereótipos, podendo representar, ao invés da gênese de novos modelos, uma forma de reivindicar autonomia para vivenciar diferentes experiências de gênero em corpos sexuados, mesmo que estejam em divergência com aqueles modelos discriminados no regime heterossexual.

A partir do conceito de experiência, elaborado pelo antropólogo britânico Victor Turner (1986), a travestilidade enquadra-se como situação de passagem, uma vez que implica transformação (da mais efêmera àquela permanente) da condição de um corpo tido enquanto “natural” para um novo corpo, resultado de investimento estético. Turner explica que em determinadas situações ao longo da vida, cada pessoa já teve

certain “experiences” which have been formative and transformative, that is, distinguishable, isolable sequences of external events and internal responses to them such as initiations into new lifeways (going to school, first job, joining the army, entering the marital status), love affairs, being caught up in some mode of what Émile Durkheim called “social effervescence” (a political campaign, a declaration of war, a cause célèbre such as the Dreyfus Affair, Wattergate, the Iranian hostage crisis, or the Russian Revolution). Some of these formative experiences are highly personal, others are shared which groups to which we belong by birth or choice59. (p. 35)

O pensamento de Turner estabelece o significado de experiência que se revela quando um choque interrompe algum comportamento rotinizado e repetitivo. Na intervenção artística ou no ritual, a subversão incluída na troca dos papéis de gênero indica uma prova de roupa que nem sempre pode se estabelecer apenas durante uma cerimônia ou na duração de um espetáculo teatral. É necessário lançar um olhar que permita verificar com amplitude de horizontes o que representa esse recurso para os sujeitos que realizam constantes metamorfoses, não somente nas fronteiras externas de corpo e de gênero, mas de forma especial em jogos subjetivos que negociam suas identidades sociais. Nesse sentido, o peso que as memórias individuais e coletivas reservam sobre os mesmos atos e costumes de uma sociedade em diferentes épocas exercem influência significativa no momento de criação de novos atores.

Joan Scott (1998) usa metáforas de visibilidade para explicar que a experiência é um registro de conhecimento sobre o corpo, de onde uma pessoa interage em seu espaço e nos processos de comunicação se torna visível. Porém, a historiadora alerta para o fato de que as estruturas responsáveis pela construção desse potencial transmissivo em alguém são avaliadas em posição secundária. Daí surge a necessidade de se pensar em noções de origens, causas e agentes capazes de explicar o funcionamento de certas categorias que entram em ação nos fenômenos e sistemas ideológicos. O processo de historicização da experiência é, portanto, indispensável, para que seja possível compreender os mecanismos de produção de identidades, tomando como ponto de partida o exame crítico de classificações tomadas pela obviedade, através de sequencias de eventos e relações discursivas que permitiram a organização de uma consciência social diante da definição de certos costumes. A realidade

59 “Certas experiências que foram formativas ou transformativas, isto é, distinguíveis, sequencias isoláveis de

eventos externos ou respostas internas a elas, como iniciações em novos estilos de vida (ir à escola, o primeiro emprego, entrar para o exército, mudança de estado civil), aventuras amorosas, estando relacionado de algum moro àquilo que Émile Durkheim chamou de “efervescência social” (uma campanha política, uma declaração de guerra, uma causa célebre como o Caso Dreyfus, Wattergate, a crise dos reféns do Irã, ou a Revolução Russa). Algumas dessas experiências formativas são altamente pessoais, outros são compartilhados por grupos a que pertencemos por nascimento ou escolha.” (tradução nossa)

brasileira protagoniza, na discussão adiante, o objeto desse exercício de historicização da experiência para alcançar o entendimento sobre os significados que cercam a prática da travestilidade e da reprodução das identidades de classe e gênero.

Na topografia da homossexualidade masculina no Brasil realizada pelo historiador de estudos latino-americanos James Green (2000), o registro de demonstrações explícitas de paródias de gênero e outras apropriações do universo simbólico feminino na cultura popular do país aparece de modo constante. Durante o carnaval, o ato de travestir-se era comum entre homens assumidos como heterossexuais, numa transgressão limitada aos códigos superficiais da feminilidade expressa na exploração lúdica dos conceitos de gênero de forma temporária, circunscrita num período de tempo que não passava de mais de quatro dias por ano. Entretanto, os foliões não se desfaziam totalmente dos elementos masculinos, já que para aquela ocasião não se desfaziam dos pelos do corpo, que ficavam explícitos na barba, no peito e nas pernas. Dessa forma, o pesquisador acentua o fato de que a transgressão da fantasia travesti não enunciava um desejo homoerótico, mas ilustrava com relatividade a natureza permissiva da festa carnavalesca e, nesse contexto, também uma série de limitações sociais impostas a esse tipo de comportamento. Porém, ao mesmo tempo em que a liberação do costume tomava ares mais públicos, alguns homossexuais também aproveitavam o calendário para praticar, de forma mais aberta, o travestismo e a paródia, exibindo a graça feminina nos trajes de plumas e lantejoulas que desfilavam pelas ruas.

Green acrescenta o lugar privilegiado que era ocupado pelos emergentes bailes de travestis, em meados dos anos 1940: “eram os principais locais onde a regra era o desregramento, onde se podiam transgredir normas de masculinidade e feminilidade sem preocupação com a hostilidade social ou punições” (ibidem, p. 332). Os eventos atraíam a cobertura da mídia e uma multidão de participantes, e através de luxuosos concursos de fantasias, que se tornaram um espaço de exibição para os homossexuais. O historiador também chama a atenção para o fato de que performances e apresentações, por si só, não eram a razão para a aglutinação que acontecia nesses espaços, mas o sentimento de unicidade e comunidade que brotava da experiência coletiva da folia, seja pelo canto de marchinhas ou pela liberação compartilhada de se vestir e se divertir numa atmosfera de violações das normas que sufocavam os desejos.

De acordo com o sociólogo argentino Carlos Figari (2007), os festivais e concursos que aconteciam naquele período da sociedade brasileira se popularizaram a tal ponto de atrair a audiência das famílias, quando os participantes dos desfiles viam ali a oportunidade para se mostrarem dignos e comportados, na intenção de reconhecimento e inclusão. Por outro lado,

nos bailes de travestis não existia nenhum tipo de pudor com relação às demonstrações de afetividade ou até mesmo de relações sexuais, assinalando as experiências homoeróticas numa posição de clandestinidade. Figari destaca as reuniões particulares organizadas por turmas de amigos em shows de clubes de bairro, em que acontecia a eleição de misses, inspirados no concurso de Miss Brasil e que constituíam acontecimentos dos quais era formado em sua maioria pelo público homossexual: “a passagem do apartamento, da cada ou do parque ao clube marca a progressiva inserção e deslocamento das atividades lúdicas das turmas a um âmbito muito mais amplo e sobretudo na esfera pública” (p. 387). Do luxo ao exotismo, as estetizações que marcaram a cena da época encontraram na competição as primeiras inspirações para as paródias que inscreveram a inversão de gênero na cultura do país.

A repercussão positiva dos bailes organizados e desfiles que eram prestigiados pelas famílias brasileiras, a travestilidade não estava livre do preconceito e do estigma que se notaram fora do universo de glamour ao qual estavam associados nos concursos e festivais. Em pesquisa sobre indumentária na Bahia do século XIX, o antropólogo brasileiro Jocélio Teles dos Santos (1997) faz uma reflexão sobre o papel central da vestimenta na definição de estigmas, geralmente repousados na qualificação de vadio atribuída aos travestidos. Dentre os documentos revisados, ele analisa o papel fundamental da imprensa no processo de marginalização dessas identidades, onde a linguagem que ilustrava situações de perseguição policial explicitava um tom de zombaria ao comportamento baiano: “homem vestido de mulher” fazia alusão à agência de identidades periféricas no imaginário social daquele momento histórico.

Na mídia brasileira, a disseminação de imagens ambíguas e andróginas demonstrava o que acontecia no cenário artístico nacional, principalmente no palco da música, do teatro e outras formas de expressão onde se localizavam os focos da inversão de gênero. O jornalista João Silvério Trevisan (2007) recupera a memória da cena travestida no Brasil, que não somente se observava na época do carnaval, mas se popularizava no teatro de revista carioca das primeiras décadas do século XX e outros espetáculos que institucionalizaram o travestismo profissional, que passou a ser chamado de transformismo. Em sua pesquisa, Trevisan destaca as manifestações que apareceram integradas ao comportamento de “desbunde”, explicado por um radicalismo vivenciado na era militar do país, quando alguém se emancipava dos compromissos políticos “para mergulhar numa liberação individual, baseada na solidariedade não-partidária e muitas vezes associadas ao consumo de drogas ou à homossexualidade (então recatadamente denominada ‘androginia’)” (p. 284). O episódio foi vivenciado na década de 1970, e as lembranças desse movimento são detectadas