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Mapa 6 Montagem do corpo drag

2. T RAVESTILIDADE EM UMA PERSPECTIVA TEÓRICO HISTÓRICA

2.2. Corpo, gênero, desejo e seus (des)encontros

Torna-se conhecido até aqui a existência de dois modelos de gênero para dois tipos de corpos sexuados. O princípio que organiza cada um destes papéis no universo das relações sociais é baseado na oposição natureza/cultura, que segundo a literatura feminista inscreve a mulher numa situação de subordinação ao homem, através dos sistemas simbólicos advindos principalmente do sistema de patriarcado, onde o poder de chefe da família era atribuído ao sexo masculino. Entretanto, para compreender a ação das estruturas responsáveis pela geração de tais significados, ainda é preciso localizar o que está em jogo quando se criam tais padrões. Para um exercício reflexivo capaz de alcançar o núcleo da célula que germina tal lógica, então se faz necessário o estranhamento das categorias tidas como nativas ao corpo socializado. Se os gêneros são construções imagéticas estabelecidas com o intuito de regular as interações entre os indivíduos em determinado espaço, do outro lado deve existir um agente que comanda e reproduz os sentidos que participam nesses processos de diferenciação.

Uma crítica ao dualismo homem/mulher promovido pelos agentes de poder é promovida pela bióloga norte-americanaAnne Fausto-Sterling (2002), que explana acerca de como o policiamento relacionado ao sistema sexo/gênero se faz presente nas articulações acerca das próprias representações deste esquema. As definições feministas apresentadas com relação às diferenças entre masculino/feminino deixava, para a autora, possibilidades de resultar esses esquemas através de funções cognitivas e de comportamento. Assim, algumas pesquisas estatísticas que medem capacidades natas, predisposições genéticas e índices desiguais de temperamentos ainda reforçam o conceito de que tais diferenças residem na essência do indivíduo. Essa identificação surge como uma realidade fundamental dos gêneros, que são confinados à representação anatômica e fisiológica, reproduzidos em imagens que geram novos dualismos, no exemplo das oposições forte/frágil, sexual/emotivo, dentre outras que se atribuem aos sexos como demarcadores de vagas destinadas a cada ser. Fausto-Sterling propõe analisar as práticas sexuais e comportamentos originados através delas nos contextos sociais e históricos de cada época e sociedade onde estavam contextualizados.

O historiador americano Thomas Laqueur (2001) introduz uma proposta de teorização para pensar na sequência lógica “sexo  gênero  sexualidade” a partir de um resgate

histórico, em uma reconstituição que opera nas estratégias de imaginação que condicionaram o tratamento do saber médico sobre as distinções sexuais, desde períodos antigos. A linguagem que marca os procedimentos de diferenciação das anatomias humanas era concebida na crença renascentista da “carne única”, onde as mulheres tinham a mesma genitália que os homens, e por isso consideravam o clitóris como um pênis interno, atrofiado, associando também os órgãos internos femininos aos masculinos. Datadas de um período localizado entres o século II d.C. e o século IV, tais explicações demonstravam os modelos espaciais determinantes das diferenças fundamentais entre os sexos eram dados pelo isomorfismo e justificava comportamentos comumente observado entre as mulheres, como a passividade. A lógica era que, ao possuírem órgãos sexuais inversos, seu calor vital era retido nas estruturas reprodutivas internas, de forma oposta ao sexo masculino. Diante das raízes que fundaram as diferenças entre os corpos, Laqueur entende que o sexo é uma categoria situacional “explicável apenas dentro do contexto da luta sobre gênero e poder” (p. 23), e as formas de interpretar o corpo resultam de desenvolvimentos analíticos distintos: epistemológicos e políticos. O Iluminismo inaugura uma nova forma de avaliar a classificação sexual, incluindo a estrutura corpórea feminina e refutando as teorizações mais antigas através da evidência biológica da ovulação, constatada como um fato independente do homem.

A contribuição de Laqueur esclarece muitas questões a respeito das concepções que utilizam a fisiologia humana como principal pilar da explicação para as diferenças sexuais. Entretanto, também há de se considerar que para além da matéria anatômica existe a forte influência exercida pelo ambiente que o indivíduo habita: o corpo social. Estruturado por normas e valores, esse meio é responsável por cristalizar ou desconstruir convenções e verdades sobre as diversas instâncias da história de alguém. Nesse sentido, a obra do filósofo francês Michel Foucault (1988) é uma das principais fontes que se destacam no trabalho de reconstrução dos fatos para entender tais operações sobre o campo da vida sexual. Com ênfase em uma hipótese repressiva, a partir de um amplo aparelho de interdições que tem início nas sociedades chamadas burguesas do século XVII, Foucault examina em sua teoria as evidências que permitem visualizar como se sustentava o caráter interdito acerca dos discursos sobre o sexo naquela época. Para ele, essa privação não constitui, por si só, o elemento fundamental para se conhecer uma história da sexualidade humana. Na colocação do autor, elementos negativos são comumente atribuídos ao assunto, com função localizada numa técnica de poder e também em uma vontade de saber, que são mediadas por instâncias de produção discursiva. De fato, a citada repressão estava formulada na proliferação de

conhecimentos acerca do corpo e das práticas sexuais, incitados através das relações de poder que visavam o controle dos indivíduos.

Palavras, expressões e inclusive o silêncio eram acompanhadas pelas prescrições determinadas pelos órgãos mantenedores dos princípios moralistas do período. Além das fronteiras de enunciados, o conjunto das práticas também sofreu tratamento de restrição na ordem pública. O surgimento da “população” é outro episódio levantado pelo autor, e tal fato fez com que os governos conferissem ao sexo o status de problema econômico e político, associado a fenômenos específicos, como natalidade, estado de saúde, fecundidade, formas de alimentação, que na forma de índices e taxas possibilitam uma demografia dos hábitos sexuais dos cidadãos. Desse modo, para além dos critérios de organização familiar, Foucault acrescenta que, de maneira constante, as sociedades passam a ser apreciadas pelo uso útil e público da sexualidade de seus indivíduos, regulada pelo meio dos discursos.

O filósofo aponta que até o final do século XVIII as práticas sexuais estavam sob a vigilância do regimento estabelecido por três grandes códigos explícitos, fixado em uma linha divisória de licitude. O direito canônico, a pastoral cristã e a lei civil estavam centrados nas relações matrimoniais, que fundamentaram a legitimidade da monogamia heterossexual. Implantava-se no seio do dever conjugal a normatização dos prazeres em função da reprodução da espécie. Atendiam pela categoria de “periférica” ou ainda “perversa” qualquer sexualidade que escapasse ao modelo regular, como o exemplo da homossexualidade, “quando foi transferida, da prática da sodomia [reincidência], para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma” (p. 43) e outras condutas “errantes” que fugiam à ordem das classificações reprodutivas. Assinalados os perigos a partir das relações entre o meio discursivo e as instituições de poder, a verdade sobre a matriz heterossexual evocada pelos mecanismos de regulação através do saber científico possibilitaram Foucault a concluir e ponderar que:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grande estratégias de poder e saber. (ibidem, p. 100)

Segundo seu raciocínio, o mesmo dispositivo caracteriza-se pela heterogeneidade e por agir através de esquemas móveis e dinâmicos, operando o controle dos indivíduos no que diz respeito a suas próprias sensações de seus corpos e prazeres. Nessas circunstâncias, a

regulação social sobre a carne, os desejos, as pulsões e qualquer outra impressão concebe a sexualidade não mais como um dado da natureza, mas como algo que se encontra no domínio das instituições que regem as relações do ser humano com o sexo através de pedagogias, proibições e patologizações presentes nas socializações de homens e mulheres. Portanto, inscritos nos projetos de masculinidade/feminilidade na forma de papéis de gênero, também se encontram os mecanismos assertivos da heterossexualidade concebida como “normal”, uma vez que o potencial reprodutivo desse modelo é uma “verdade” produzida no interior de estruturas discursivas que atuam historicamente sobre as sociedades através do governo, da igreja, da escola, das leis civis e das ciências.

Todas estas forças atuam de forma a garantir a continuidade da espécie e a organização familiar através dos padrões em que está impresso o selo da normalidade através da conduta heterossexual. Em uma crítica à interpretação binária do mundo, organizada na relação dualista dos sexos na ordem homem/mulher, as pistas para se perceber o problema da abjeção às manifestações divergentes da norma se encontram no conceito de “heterogênero”, adotado pelo sociólogo Chrys Ingraham para denunciar que “a prática da heterossexualidade ligada ao sexo biológico remete à construção social, da mesma forma que os papéis sociais do feminino e do masculino” (INGRAHAM apud SWAIN: 2009, p. 31). O debate sobre como tais disposições são objetificadas pelos indivíduos requer uma desconstrução analítica dos meios e práticas como elas são significadas e instituídas nas técnicas de aprendizado sobre os corpos.

Os parâmetros foucaultianos são usados na crítica da filósofa norte-americana Judith Butler (2003) no que diz respeito ao problema político do movimento feminista e a tendência à universalidade da identidade feminina a partir do termo “mulheres”. A suposição da autora é que a partir daí se denote uma identidade comum, com traços semelhantes entre todas as culturas, de maneiras preexistentes à opressão. Formulada a partir de uma concepção essencialista, o sexo é tido como algo que se define em termos biológicos, ao ponto em que gênero representa um local construído e determinado para um organismo sexuado. Entretanto, Butler sugere analisar o caráter imutável da categoria, pondo em questão a sua possibilidade de construção, tão quanto o gênero: “ele [o sexo] também é o meio discursivo/cultural pelo qual ‘a natureza sexuada’ ou um ‘sexo natural’ é produzido e estabelecido como ‘pré-discursivo’, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura” (p. 25). Nesses termos, para entender como e onde acontece a produção de sujeitos, a pesquisadora analisa que há a necessidade de uma “desnaturalização” dos conceitos, com o objetivo de reconhecer como os fundamentos do par sexo/gênero são conduzidos enquanto ideais

normativos, instituídos para garantir a seguridade das estruturas binárias instituídas sob a forma de caracteres masculino/feminino. Assim, relações de coerência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo se expressam de forma que quaisquer indícios de descontinuidade:

são constantemente proibidos e produzidos pelas próprias leis que buscam estabelecer linhas casuais ou expressivas de ligação entre o sexo biológico, o gênero culturalmente constituído e a “expressão” ou “efeito” de ambos na manifestação do desejo sexual por meio da prática sexual. (ibidem, p. 38)

Através dessa premissa, Judith Butler toma nota de uma linguagem hegemônica, idealizada pela “gramática do sexo” evidenciada por Foucault, que elucida uma série de configurações de comportamentos, em cujos padrões o modelo “heterossexual” é inscrito na classificação de “normalidade”. Gênero se define, em sua concepção teórica, na regulação de truques performativos de efeito substantivo, que afirmam o poder das instituições discursivas através da produção fictícia e linguística de indivíduos em conformidade com uma sexualidade imposta psicossocialmente: “é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural do ser” (ibidem, p. 59). Desse modo, os gestos, palavras e expressões corporais – que condicionam a interação entre os indivíduos em seus processos de comunicação com o mundo – presumem fórmulas propositais que visam à impressão de realidades sobre anatomias humanas, responsáveis pela inteligibilidade social.

Se por um lado o dispositivo da sexualidade revelado por Foucault contorna restritamente prazeres e identidades em um estatuto de normalidade que só funciona de acordo com expressões autorizadas do corpo, por outro ângulo os significados referentes aos limites discursivos de seu sexo podem ser constantes, mutáveis e subjetivos. Esse ponto de vista é capaz de contemplar um lugar social à dissidência das sexualidades periféricas, cujas particularidades anatômicas e psicológicas não correspondem à “matriz heterossexual” designada aos corpos. Compreendendo tal realidade, a filosofia butleriana estimula o raciocínio sobre gênero em termos de desconstrucionismo crítico de categorias essencializadas pelos dados biológicos, através de uma lógica que caracteriza o movimento teórico do qual Judith Butler é considerada principal expoente. No seio da tensão crítica com relação aos estudos sociológicos sobre minorias sexuais e de gênero, esse debate foi impulsionado em direção ao questionamento da ordem social como sinônimo de

heterossexualidade, numa corrente teórica denominada de Teoria Queer47, emergida nos finais dos anos 1980 nos Estados Unidos, disposta a estranhar a organização dos saberes científicos em torno de um discurso “naturalizado” para a definição de uma sexualidade hegemônica48.

A partir da abertura que os estudos foucaultianos apresentaram para os procedimentos analíticos sobre enunciados científicos e demais agentes institucionais que atuam na regulação dos sujeitos, a contribuição para a Teoria Queer se reflete no modo de considerar a multiplicidade de combinações que montam o mosaico das experiências sexuais humanas. Um importante objeto para tal exercício se concentra nos estudos do historiador e sociólogo Jeffrey Weeks (1993), que exemplifica a situação focada pelos teóricos queer através do caso da sexologia. Para o pesquisador, os esforços científicos de classificação e definição de patologias sexuais pela área originou um catálogo de perversidades, com descrições e rotulações taxonômicas que caracterizaram o “anormal” nos textos clínicos: “la urofilia y la cropofilia, el fetichismo y la cleptomanía, el exhibicionismo y el sadomasoquismo, la satiriasis y la ninfomanía crônica, y muchas, muchas más hicieron su aparición clínica a través de (o em vísperas de) esta manía clasificadora49” (p. 119). Weeks observa que o trabalho dos primeiros estudiosos da área se concentrou em elaborar conceitos para projetar, sob o imperativo biológico que estreitava os laços entre sexo, gênero e sexualidade, os comportamentos e práticas que não satisfaziam à necessidade reprodutiva da espécie humana. Da geração de ativistas originados dessa corrente teórica, a filósofa espanhola Beatriz Preciado (2008) desenvolve no interior da ideia de “tecnogênero” uma discussão que, a partir conhecimento de regimes farmacopornográficos50, amplia o caráter ordenador dos métodos de transformação dos seres vivos em seres coletivos. Os processos de genderização estariam relacionados, na concepção da autora, a um potencial sintético afirmado em técnicas que constituem performativamente a materialidade dos sexos, tais como a biotecnologia, a fotografia, a cinematografia e outras formas de produção e reprodução semiótica do corpo. Sendo assim, Preciado abdica da visão ideológica e performativa sobre gênero para defini-lo

47 O termo não tem tradução específica, era empregado como xingamento no sentido de significar perversão,

destacando a posição estigmatizada das formas de desvio à ordem heterossexual.

48 Cf MISKOLCI, 2009.

49 “a urofilia, a cropofilia, o fetichismo e a cleptomania, o exibicionismo e o sadomasoquismo, a satiríase e a

ninfomania crônica, e muitas, muitas mais fizeram sua aparição clínica através (ou em vésperas de) essa mania classificadora.” (tradução nossa).

50 Para Preciado (2008), o regime farmacopornográfico é constituído: por um lado pela farmacologia, e suas

dentro de uma ecologia política, em que as funções somáticas se projetam na dimensão anatômica por meio de tecnologias de domesticação dos corpos, além de um conjunto de farmacologias e técnicas audiovisuais.

El género funciona como um programa operativo a través del cual se producen percepciones sensoriales que toman la forma de afectos, deseos, acciones, creencias, identidades. Uno de los resultados característicos de esta tecnología de género es la producción de um saber interior sobre si mismo, de un sentido del yo sexual que aparece como una realidad emocional evidente a la conciencia: “soy hombre”, “soy mujer”, “soy heterosexual”, “soy homosexual” son algunas de las formulaciones que condensan saberes específicos sobre uno mismo, actuando como núcleos biopolíticos y simbólicos duros em torno a las cuales es posible aglutinar todo un conjunto de prácticas y discursos51. (p. 89)

A tese de Beatriz Preciado se aplica diante da possibilidade de modificações plásticas que um corpo pode sofrer para produzir coerência com o modelo binário. Exemplo dessa proposição é encontrado no caso da intersexualidade52, no qual se verifica a intervenção hormonal e cirúrgica para habilitar a criança recém-nascida de acordo com os parâmetros visíveis da cultura binária dos sexos. Os signos visuais e textuais que produzem a diferença sexual são ficções somáticas e são regulamentados pelos agentes políticos (governos, religião, lei civil), que para a pesquisadora correspondem a um dispositivo abstrato de subjetivação técnica, sujeito a alterações constantes, onde se pode desenhar o gênero de um corpo a partir de recursos estéticos específicos que atribuem inteligibilidade social não apenas a um corpo, mas ao sujeito que necessita de identidade, mesmo estando na situação de desvio. Semelhante ao maquinismo industrial, as biotecnologias são políticas e obedecem ao sistema sexo-político fundado na criação de indivíduos e na multiplicação de discursos que instituem a vida heterossexual humana em escala global.

51 “O gênero funciona como um programa operativo através do qual se produzem percepções sensoriais que

tomam a forma de afetos, desejos, ações, crenças, identidades. Um dos resultados característicos desta tecnologia de gênero é a produção de um saber interior sobre si mesmo, de um sentido do eu sexual que aparece como uma realidade emocional evidente à consciência: “sou homem”, “sou mulher”, “sou heterossexual”, “sou homossexual” são algumas das formulações que condensam saberes específicos sobre ele mesmo, atuando como núcleos biopolíticos e simbólicos sólidos em torno dos quais é possível aglutinar todo um conjunto de práticas e discursos” (tradução nossa)

52 Pino (2007) fala que “intersex é um termo de origem médica que foi incorporado pelos ativismos para

designar as pessoas que nascem com corpos que não se encaixam naquilo que entendemos como corpos masculinos ou femininos” (p. 153). A genitália ambígua ou indefinida é a principal característica desses indivíduos que em alguns casos, de acordo com os modelos sexuais de cada cultura, podem não corresponder a atributos valorativos, em que se faz necessária a intervenção cirúrgica de acordo com os moldes vigentes naquela sociedade.

Abjetos por um olhar cristalizado, porém normais em sua condição subjetiva: a dissidência de organismos divergentes às normas encontra na fatalidade da expressão de “anomalia” um repertório de utilitários para transpor obstáculos em direção à reabilitação social. Enquanto as sanções civis se preocupam com a naturalização dos prazeres e, por conseguinte, dos papéis identitários de forma fixa e imutável, no plano individual aqueles desejos que escapam aos critérios responsáveis pela normalidade de um corpo reivindicam sua existência a partir de atos performativos (como as faculdades de repetição demonstradas por Judith Butler) e das tecnologias de produção de corpos (na representação semiótica por intervenções estéticas destacadas por Beatriz Preciado). Seriam, mesmo assim, corpos estranhos? O destino do homem reside então na impossibilidade de infringir o modelo natural, mesmo quando ele não equivale às memórias e sentimentos pessoais de cada um? Por que tentar conter impulsos internos a um padrão formulado externamente sob princípios que visam à mera procriação? Quando a própria heterossexualidade será alvo das interrogações que questionam o seu potencial reprodutivo? Em busca de respostas como essa, os arranjos teóricos do conceito de gênero se sublimam, diante das múltiplas possibilidades que surgem