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O lugar do gênero na construção de indivíduos

Mapa 6 Montagem do corpo drag

2. T RAVESTILIDADE EM UMA PERSPECTIVA TEÓRICO HISTÓRICA

2.1. O lugar do gênero na construção de indivíduos

A relação que se estabelece entre o sexo anatômico designado no nascimento de uma criança e o papel social que ela irá representar durante sua vida aparece de forma naturalizada nos discursos que caracterizam os sistemas de classificação humana. No momento em que acontece a verificação da genitália, também são informados e traçados os elementos que constituirão a existência daquele ser. Uma vez nascido “macho”, o indivíduo estará destinado a desempenhar atividades, comportamentos e demais atributos considerados “masculinos” para corresponder ao status de “homem”. Da mesma forma se observa com a “fêmea”, que precisa da sua “feminilidade” para garantir o papel de “mulher” no meio em que vive. Em tal projeto, a finalidade é o recrutamento de sujeitos que – através da conformidade entre seu organismo fisiológico e as ações que realiza – estejam de acordo com princípios gerais que molduram o conjunto de códigos e regras morais da sociedade à qual pertence. Num panorama geral desse processo, então se pode afirmar que a partir do momento em que se reconhece o órgão genital de um embrião humano, uma carga concentrada de expectativas é impressa automaticamente sobre aquele organismo, agindo para atestar “normalidade” ao que manifesta coerência com um regulamento social.

É atribuído, nesta lógica, um tratamento de naturalidade à conexão entre a informação anatômica de um indivíduo e o papel social que ele é estimulado a exercer durante sua vida. Propriedades específicas são tidas como essenciais aos sexos e determinam modelos de comportamento transmitidos de maneira rígida pelos projetos de construção das pessoas. Um

fato que ilustra essa proposição se localiza especialmente na infância, quando se torna comum de se ouvir que “homem não chora” ou que “mulher precisa ser delicada”, entre outras lições que se apresentam como destinos reservados aos gêneros, fundados principalmente na intenção de fortalecer a diferenciação entre machos e fêmeas no espaço social. Tais exemplos confirmam a presença, na formação dos sujeitos, de um elenco de características selecionadas para atuar no sentido de adequá-los aos códigos que materializam as concepções culturais do que se entende por masculino e feminino em determinado lugar. Entretanto, o problema na questão pedagógica referida é que todos estes enunciados funcionam para exigir continuidade entre projetos de corpo, desejo e identidade situados em uma matriz de pensamento dominante. Sendo assim, para compreender o raciocínio que define os métodos de construção de indivíduos é necessário mapear os conceitos observados na constituição das regras que compõem a organização das categorias existentes nesse processo.

A investigação antropológica fornece evidências para um exame teórico detalhado a respeito do sistema de onde se derivam tais categorias. Dentre os principais argumentos encontrados para fundamentar a discussão sobre o assunto, a análise do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1982) indica que “o homem é um ser biológico ao mesmo tempo em que um indivíduo social” (p. 41). A respeito dessa ideia, ele pondera sobre os obstáculos emergentes da associação entre natureza e cultura na organização social da espécie humana. De acordo com a interpretação do pesquisador, uma interferência entre os caracteres naturais e culturais do indivíduo explica a projeção das sanções, no campo social, que regem o comportamento coletivo dos membros de uma instituição. Segundo o autor, o exemplo da interdição do incesto46 ilustra o problema, uma vez que a demarcação do tabu na proibição do casamento entre parentes próximos ocorre em territórios delimitados pela ordem fundada no espírito social de um grupo.

A constatação de Lévi-Strauss provém de elementos teóricos suficientes para o início debate que pretende desvendar a teia que abrange as relações do corpo e seus papéis sociais específicos, em que somente na conformidade entre estes é possível atingir o grau de normalidade. Numa explanação mais genérica, a masculinidade ou feminilidade de alguém está intrinsecamente afirmada não apenas na materialidade, mas na totalidade das condutas e posturas com as quais se interage com outros indivíduos de seu meio. Nesse sentido, a

46 Para Lévi-Strauss (1982), as regras de parentesco são importantes para entender os problemas no binômio

natureza/cultura uma vez que “a proibição do incesto limita-se a afirmar, em um terreno essencial à sobrevivência do grupo, a preeminência do social sobre o natural, do coletivo sobre o individual, da organização sobre o arbitrário” (p. 85).

condição social de homem/mulher é associada a modelos padronizados de apresentação corporal, que incluem a gestualidade, a indumentária, a estética e até mesmo o modo de ser de cada criatura. Entretanto, como e por que a natureza é acionada para construção desses papéis? Que tipo de influência ela apresenta na criação e reprodução dos arquétipos humanos? O quão flexível é a aplicação desses modelos e como eles validam o corpo sexuado? Ao longo da história da civilização, alguns experimentos etnográficos forneceram dados para examinar, de forma crítica, a problemática central que envolve tais questionamentos.

Com o propósito de investigar os padrões responsáveis pela diferenciação sexual dos corpos, a antropóloga norte-americana Margaret Mead realizou uma pesquisa de campo com três sociedades melanésias. Em Sexo e Temperamento (1979), ela relata como essas sociedades organizavam suas relações humanas e atitudes coletivas em torno da distinção de homens e mulheres, e que se expressavam no vestuário, na ocupação e em outros traços que permitem um mapa geral das personalidades sociais que são atribuídas aos sexos. Mead verificou que a variação nos ideais de comportamento para cada tribo não apresentavam correspondência aos modelos hegemônicos do mundo ocidental, em que uma lógica marcada pela dicotomia macho/fêmea é responsável por essencializar os estilos temperamentais condicionados por essa diferença.

Entre os Arapesh, a pesquisadora identificou que a constituição comportamental que caracterizava os membros da tribo se dava pela pacificidade, sem distinção entre os gêneros. Na descrição que faz do grupo, Mead conta que eles “exibiam uma personalidade que, fora de nossas preocupações historicamente limitadas, chamaríamos maternal em seus aspectos parentais e feminina em seus aspectos sexuais” (p. 267). Uma realidade oposta foi encontrada na outra tribo, formada pelos Mundugumor. A característica principal que esse povo apresentava era a agressividade, voltada para um temperamento bélico. Ao contrário do primeiro exemplo, “homens e mulheres se desenvolviam como indivíduos implacáveis, agressivos e positivamente sexuados, com um mínimo de aspectos carinhosos e maternais em sua personalidade” (ibidem, p. 267-8). Já na terceira sociedade analisada por Mead, um contraste sexual foi encontrado com relação às configurações comportamentais, “sendo a mulher o parceiro dirigente, dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos responsável e emocionalmente dependente” (ibidem, p. 268). Estas informações resumem o material encontrado pela antropóloga e questionam sobre o condicionamento social vinculado ao sexo, particular à cultura de cada povo, em que são percebidas variações e inversões de modelos.

O laboratório de Margaret Mead possibilitou o seu pioneirismo na proposição de que características masculinas e femininas não refletiam diferenças meramente biológicas, mas

estavam relacionadas às influências sociais e culturais de um lugar ao qual se pertence. O trabalho assume relevância no sentido em que atribui a cada cultura autoria na prescrição de papéis que são definidos por moldes de comportamento aos quais são submetidos os sujeitos de uma sociedade. A análise sobre as tribos melanésias incita a reflexão sobre como tais aspectos são afirmados e incluídos na educação de meninos e meninas, a fim de se formar indivíduos que correspondam a tais ideais coletivos.

Sobre os percursos pedagógicos que estruturam o processo de distinção entre os sexos, o trabalho do antropólogo francês Pierre Clastres (2003) contribui para verificar o caráter fabricado destas diferenças. Ao estudar a vida cotidiana dos índios guaiaqui, o pesquisador assinala a construção cultural dos gêneros a partir da representação simbólica de ferramentas na divisão dos trabalhos. O antagonismo entre o arco e o cesto repercute em todos os aspectos da sociabilidade dessa tribo, considerando que “cada um desses instrumentos é, com efeito, o meio, o signo e o resumo de dois ‘estilos’ de existência tanto opostos como cuidadosamente separados” (p. 74). Clastres acrescenta que o uso destes dois utensílios são os únicos que escapam da neutralidade sexual na vida do grupo. O arco é atribuído exclusivamente ao homem, que desempenha a função de caçador, enquanto que apenas à mulher é reservada a fabricação de cestos. Define-se aí uma espécie de “acordo”, no qual fica estabelecido que ao sexo masculino cabe a obrigação a colheita de alimentos, principalmente através da caça, enquanto que do outro lado as mulheres se encarregam de consumir essa produção e fornecer cestos para que os homens transportem suas coletas e arcos.

A lógica do sistema demonstrado por Pierre Clastres oferece informações para refletir sobre os territórios simbólicos que são delimitados pela divisão sexual do trabalho no grupo. Para o antropólogo, estes espaços são definidos da seguinte maneira: a floresta é região para os caçadores e o acampamento para suas esposas. Suas existências só se autenticam a quando realizam suas atividades de acordo com o designado para seu sexo. Tendo a caça como o lugar mais importante na alimentação da tribo, que se apoia excepcionalmente na exploração de recursos naturais, o etnógrafo destaca um dado que certifica a transmissão cultural para outras gerações: “toda criança macho é um futuro caçador, isto é, um membro essencial da comunidade” (ibidem, p. 81). Em outras palavras, a lógica dos guaiaqui diz que o sexo masculino possui posição privilegiada, e a educação acerca dos valores relacionados ao gênero são esforços realizados desde a infância, no intuito de manter as tradições culturais e o equilíbrio da diferenciação sexual.

O estudo realizado pela antropóloga americana Ruth Benedict (2006) sobre a aquisição da identidade japonesa é exemplo notório da transmissão dos ideais de

comportamento em vigor a partir do aprendizado da criança. Em O Crisântemo e A Espada a pesquisadora descreve os processos educacionais que são vivenciados por meninos e meninas em escolas e no próprio lar, através de rígidas disciplinas que servem para “perpetuar a linha de família pelas gerações afora, preservando a honra e as possessões familiares” (p. 215). Desse modo, as crianças japonesas são submetidas, logo cedo, a espécies de treinamento onde são ensinados conhecimentos referentes à tradição de seu país. Os pais japoneses moldam a identidade de seus filhos seguindo o padrão nacional, e através destes procedimentos propagam sua linhagem de acordo com o modo de pensar nativo. O treinamento implacável observado durante experiência etnográfica de Benedict designa o adulto, além dos hábitos e costumes rituais que montam a imagem cultural do país, às formas de como os indivíduos devem responder às compulsões e necessidades de sua dimensão íntima.

Tomando como objeto de análise o entrelaçamento das observações de Pierre Clastres e Ruth Benedict, a infância emerge como o período mais importante ao processo de civilização, pois representa o momento ideal para imprimir sobre a pessoa a carga de significados culturais de seu grupo, população ou comunidade, de maneira que se perpetue a reprodução de um legado social. Para que a criança seja submetida desde cedo aos moldes dessa imagem, uma série de aprendizados é introduzida na formação dos novos sujeitos, e se manifestam desde os primeiros passos até o último suspiro de sua vida. O sociólogo francês Marcel Mauss (2003a) utiliza a expressão “técnicas do corpo” para descrever “as maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo” (p. 401). Segundo o pesquisador, a construção de posturas, maneiras de agir e movimentos mecânicos existem dentro um contexto mais amplo e são fatos de educação disseminados desde os primeiros passos do ser humano. A especificidade e o caráter variável são ressaltados por Mauss para explicar as diferenças que podem ser observadas quando se isola uma técnica para compará-la com formas distintas manifestadas em outras realidades sociais. Assim, para cada atitude do corpo existe um hábito próprio do qual uma sociedade se utiliza para inscrevê-lo em seu regimento interno ou desenvolver habilidades que possam satisfazer fins especiais.

O sociólogo também expõe os princípios de classificação visíveis a partir da noção de tais técnicas. Observações relativas às diferenças de atitudes dos corpos são citadas por Mauss em relação aos sexos, idades, rendimento metabólico e fisiológico, além da natureza da educação. Todos estes elementos são combinados a fim de colaborar, de forma eficiente, para a melhor eficiência na transmissão de tradições. Por estas ilustrações é possível compreender que as técnicas que adestram a espécie humana não provêm de uma unidade, mas dizem

respeito à multiplicidade de atos e exercícios habituais que são classificadas e enumeradas de acordo com as tradições presentes na razão coletiva. A noção introduzida por Mauss incide também sobre o trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu (2002) e sua ideia sobre habitus. O conceito discutido pelo autor exprime um sistema de disposições duráveis, produzidas por um tipo particular de meio ambiente socialmente arranjado, e que funcionam exatamente “enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ ou ‘regulares’ sem em nada serem o produto da obediência a regras” (p. 163). Em outras palavras, Bourdieu se refere à capacidade de interiorização de determinadas estruturas sociais pelos agentes através de disposições que prescrevem sentimentos, pensamentos e ações, de forma a gerar estratégias, respostas ou proposições que atendam à resolução de problemas de ordem social.

Seguindo o raciocínio dos autores, os modelos de técnicas e de habitus repousam sobre as elaborações feitas sobre o corpo, através de faculdades de repetição que tem como meta a ordenação dos caracteres coletivos ou individuais, tais como a imposição de diferenças sexuais.

O gênero torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções sociais” – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1990, p. 7)

À luz da teoria feminista encontram-se os primeiros indícios que ajudam a esclarecer sobre o processo de distinção de identificações de acordo com o sexo. O discurso promovido por esta corrente de pensamento questiona a divisão tradicional de papéis sociais entre homem e mulher, na qual se problematiza a universalidade da subordinação feminina e suas origens a partir do exame das sociedades e seus regimes de poder. A partir do ensaio crítico O Segundo

Sexo (1970), obra de Simone de Beauvoir, um quadro geral é estabelecido para a investigação

destas questões. A filósofa francesa evoca o existencialismo para postular sobre a opressão feminina, atribuindo à natureza fisiológica da mulher a origem do conflito, alegando que “sua infelicidade é a de ter sido biologicamente destinada a repetir a vida” (p. 85). A frase de Beauvoir envolve o principal objeto das argumentações que sucederiam a publicação de seu livro: a capacidade de procriação. Nesta abordagem, a crença em uma identidade básica é formulada a partir da essência orgânica do corpo que promove a discussão acerca da dualidade natureza/cultura.

Considerando a constituição biológica das espécies, os projetos de segregação sexual se apoiam no sistema reprodutor para fundar as atividades culturais destinadas ao binômio macho/fêmea. Na visão da antropóloga Michelle Rosaldo (1979), os fatores relacionados à maternidade destinam a mulher à criação do filho e às responsabilidades familiares. Em contrapartida, a pesquisadora observa que as tarefas masculinas são reconhecidas com prestígio pelos sistemas de poder. Seguindo esse raciocínio, “as mulheres são absorvidas principalmente em suas atividades domésticas devido ao seu papel de mãe” (p. 40), e essa orientação para o lar se destaca no quadro de responsabilidades que são atribuídas ao sexo feminino, restringindo suas atividades econômicas e políticas. Trata-se, então, de uma definição espacial que situa os sexos em duas realidades, em que aos homens é atribuída a incumbência dos interesses extra-domésticos, políticos e militares. No contexto retratado, Rosaldo percebe essa tendência à dicotomia sexual entre o público e o privado como fator crítico, uma vez que reserva à mulher um status secundário nas sociedades, em posição de subordinação.

Além dessa reflexão, a pesquisadora discute as maneiras como essas estruturas se perpetuam e se repetem pelas gerações a partir do processo de educação. Durante os procedimentos de aprendizado das crianças, suas psicologias são direcionadas tendo como ponto de partida a configuração anatômica do corpo. Nos relatos etnográficos expostos por Rosaldo são apresentados elementos que permitem localizar e avaliar os mecanismos que sustentam essas identificações sociais: “em algum momento o menino precisa se desligar de sua mãe e desenvolver sua masculinidade como algo à parte” (ibidem, p. 41). De acordo com esse entendimento, a ruptura com o vínculo íntimo materno significa, para o rapaz jovem, o momento em que ele se torna homem, quando é capaz de construir sua personalidade por meio de acesso a territórios que se encontram em oposição ao espaço familiar. Por outro lado, a fertilidade confere ao organismo feminino o status de “natural”, e aproximação da moça com a figura da mãe representa a preparação para a fase adulta, quando encontrará a maternidade e desenvolverá um conjunto de caracteres psíquicos relacionados a esse papel (principalmente com relação à afetividade), e ainda aprenderá sobre as responsabilidades do lar.

Ainda no plano de fundo dos estudos feministas, a bióloga e historiadora Donna Haraway (2004) afirma que o termo “gênero” se desenvolveu “como uma categoria para explorar o que significa ‘mulher’, para problematizar o que era anteriormente dado” (p. 245). De modo geral, a palavra se refere ao tratamento empregado na articulação teórica que buscava respostas para a subordinação feminina na relação hierárquica sexista, herança

deixada pelo sistema de patriarcado que instituía a superioridade masculina. Pensar nas fronteiras do “gênero” incluía, nessa perspectiva, uma experiência que permitia visualizar as formas de organização do mundo a partir das relações de oposição. Através do universo de práticas que tinham como principal referente à fisiologia dos organismos, as primeiras proposições de alteridade foram introduzidas na investigação antropológica pelas pesquisadoras que fundaram essa corrente.

Diante da formulação crítica desenvolvida pelas teorias feministas sobre a idéia de “gênero”, a antropóloga britânica Marilyn Strathern (2006) visualiza que, enquanto categoria analítica, o termo continha “um modelo nativo de dualidade, discriminando entre categorias e construtos de toda espécie, frequentemente com um sentido de assimetria” (p. 123). Sobre os estereótipos que classificavam a desigualdade entre os sexos a partir do binômio valorizado/denegrido, o potencial de universalização das estruturas sociais predominava na explicação de mundos duais, marcados por uma hierarquia ideológica de valores que obedecia a uma fundamentação biológica do indivíduo. Strathern percebe que no posicionamento da antropologia feminista, o conceito de gênero é examinado dentro de uma interação masculino- feminina, porém reduzido à inquietação com a domesticidade da mulher a partir de sua fisiologia e dos papéis culturais associados à fertilidade do seu corpo.

No enfoque da pesquisadora, gênero é entendido dentro de um quadro que engloba a categorização fundamentada em imagens sexuais, pelas quais as características do que é masculino ou feminino tornam concretas as ideias das pessoas sobre a natureza das relações sociais. O material etnográfico coletado pela antropóloga incorpora tal conceito, através do registro das práticas melanésias, pelas quais verificou princípios de organização de acordo com o sexo. Na intenção de documentar a influência da teoria feminista sobre a antropologia daqueles povos, Strathern sugere uma estratégia de análise sobre como assumir o gênero enquanto objeto teórico. Sua proposição se traduz na indispensável abordagem dos princípios pelos quais se baseiam as disposições reguladoras das representações sexuais, além de uma investigação a respeito da generalidade das categorizações através das sociedades estudadas.

Entretanto, diante das contribuições apresentadas pelos debates sobre o conceito de gênero, quais evidências orientam para o esclarecimento de modelos que atuam no aprendizado de cada corpo? De que forma as sociedades reproduzem esses perfis e o que significam em cada contexto? Tais questões ampliam a necessidade de reconhecer os mecanismos pelos quais são educados e socializados os indivíduos em sua existência coletiva.