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2 A ABORDAGEM TEÓRICA

4.1 A presença de Marcadores Conversacionais (MCs)

Conforme se mencionou nos aportes teóricos deste trabalho, reitera-se aqui a noção de que a expressão por meio da linguagem é constituída de duas fases: uma de planejamento e uma de execução. Na língua falada, essas fases ocorrem simultaneamente, em tempo real. “Elas se dão numa situação discursiva plena, isto é, com todos os usuários em presença, o que interfere diretamente na organização e na execução dos atos de fala. Já na língua escrita, a ‘audiência’ tem uma atuação muito discreta, com pouca probabilidade de interferir nessa organização” (CASTILHO, 2014, p. 19).

Essa noção parece não ser do conhecimento dos alunos da EJA colaboradores desta pesquisa, ou, pelo menos, não a levam em consideração ao produzir textos escritos, uma vez que suas produções textuais do gênero R. apresentam-se eivadas de marcas da oralidade (bem mais que as produções escritas do gênero A.O.). Mais especificamente, de acordo com o interesse deste tópico, de palavras e expressões que são tipicamente usadas na fala como reflexo da falta de tempo para planejamento de uso da língua nessa modalidade. Uso que deveria ser evitado em textos de gêneros escritos formais como os executados por esses alunos quando da composição do corpus analisado aqui.

Antecipa-se, ainda, a informação de que foram usados nos textos alguns elementos que funcionam como articuladores da conversação (língua falada), chamados de “marcadores conversacionais” (doravante MCs) – ou marcadores discursivos –, os quais não são adequados à articulação em textos escritos que exigem o uso modelar da linguagem.

Entre os textos do gênero A.O. que apresentaram marcas da oralidade informal, em aproximadamente 21% deles foram encontradas estruturas com MCs, enquanto entre os textos do gênero R. com marcas da fala informal, aproximadamente 73% deles apresentaram uso de MCs.

Para exemplificar o exposto, quanto ao que foi observado nos textos da O.A, seguem:

Os excertos acima, contidos em A-5 e A-8 (todos retirados dos textos de gênero da O.A., portanto), demonstram casos em que os alunos utilizaram uma estratégia de textualização bastante característica da fala, os MCs, que parecem ser os articuladores coesivos fundamentais dessa modalidade, entre os quais “aí” é o mais comum. A recorrência, em geral, do MC “aí” na língua falada informal usada pelos falantes do português, entre os quais se encaixam os alunos autores dos excetos destacados, refletiu na presença do mesmo elemento na escrita destes discentes, conforme se nota.

Nos textos de gênero R. também foi identificada articulação textual com o mesmo elemento:

Em R-5, o aluno empregou “aí” que, conforme já se destacou, é inadequado ao gênero de texto em que foi usado. A impressão que se tem é de que ele escreveu como se estivesse contando oralmente o que havia acontecido. Como se não tivesse atentado nem à modalidade nem ao gênero da situação de comunicação em que se encontrava ao escrever, ou, até mesmo, por não dispor de outra forma de textualização da sua escrita.

Para que o texto assumisse uma forma mais adequada de representação da língua por meio da escrita (considerando, aqui, somente o problema do uso de marcador discursivo), ele

(A-5) “Os jovens acham legal sair, beber, ficar com garotas. Mas ai que está o problema, porque os jovens estão se envolvendo rápido demais (...)”.

(A-8) “Aqueles jovens que conseguem chegar na idade adulta ai vem as consequências são arrependimentos de não terem estudado, (...)”.

(R-5) “(...) más com o tempo ele foi mudando muito já maduro com os seus 20 anos já achou que era dono da sua própria vida, más ai ele acabou se envolvendo com pessoas erradas (...).

Más depois com o tempo ele passou a ir atrás dela e atormentala ai que ela tomou uma decisão de

entrega-lo para a policia resolver o seu problema. ai nunca mais ela viu ele”.

(R-6) “(...) ele se apavorou e comesou amem [a me] chamar na ou tra rede do ele olhou maso [mas só] eu sentir ai ele pegou o corpo do compadre perdo [Pedro] no braço e comesou acorre (...)”.

(R-11) “(...) me chamou para ir no banheiro com ela, aí chegando lá ela começa a chorar (...).

Ai se passou alguns dias e a Jackeline não estava indo pro curso e todos que eram amigos dela já

estavam preocupados, ai depois de uns dias sem ter ido pro curso, Jackeline apareceu (...) perguntei

se ela estava passando mal ai foi que ela pediu pra mim ir na farmácia (...), ai foi que a outra amiga

poderia, no primeiro trecho, simplesmente não ter empregado o MC “aí”. Também no segundo trecho, seria alternativa à eliminação desse marcador recorrer aos conectores “foi quando” e “então”, respectivamente, com alguns ajustes. Assim:

Em R-6, estrutura comparável à do segundo trecho de R-5, o aluno empregou “aí” para proporcionar uma relação de tempo entre as orações da sequência. Portanto, lhe bastaria substituir o MC pela expressão “naquele momento” (para não repetir “foi quando” sugerida como alternativa para a falha no primeiro trecho). Desta forma:

No texto R-11, houve bem mais ocorrências do MC “aí” que nos outros textos do corpus. A considerar pelo extenso tamanho do texto (duas laudas) pormenorizado como se tivesse sido produzido pela língua falada, supõe-se que a aluna trouxe a maneira de relatar típica da fala para a escrita. Essa suposição pode ser respaldada pela comprovação adquirida nos estudos linguísticos da realização da fala, de que o alongamento do texto é característica da oralidade, ou seja, uma mesma história falada, quando contada na modalidade escrita, pode reduzir de tamanho consideravelmente, uma vez que a tendência (e o indicado) ao escrever formalmente é a eliminação de diversos elementos que se empregam na fala informal, desnecessariamente. Conforme se verifica nas considerações de Fávero (2012, p. 93):

Há diferenças na sequenciação tópica de uma modalidade para outra, que se revelam nas distintas formas de encadeamento sintático. Na fala, essa sequenciação se dá através de marcas linguísticas de continuidade (“daí, então, aí, depois” etc.),

possibilitando a produção de um texto mais extenso e pormenorizado. Na escrita, tal sequenciação se estabelece visando a uma concisão, marcada por construções sintáticas em que o período é produzido para resgatar as ideias sucintamente.

Ao se deparar com ocorrências como as de R-11, o professor de LP precisa perceber que seu aluno necessita urgentemente ser levado a confrontar gêneros de ambas as modalidades de uso da língua para conhecer e empregar estratégias de textualização características de cada modalidade e, assim, saber que nem sempre é possível empregar

(R-5) (...) mas com o tempo ele foi mudando muito. Já maduro, com os seus 20 anos, achou que era dono da sua própria vida, mas ø acabou se envolvendo com pessoas erradas (...).

Mas depois, com o tempo, ele passou a ir atrás dela e atormentá-la. Foi quando ela tomou a decisão

de entregá-lo para a polícia resolver o seu problema. Então, nunca mais ela o viu.

(R-6) (...) ele se apavorou e começou a me chamar na outra rede. Ele olhou, mas só eu senti. Naquele momento, ele pegou o corpo do compadre Pedro no braço e começou a correr (...).

estratégias de uma na outra. Como é o caso do MC “aí”, que ocorreu diversas vezes, inadequadamente, quando poderia ser substituído por elipse e por conectivos como:

Os marcadores conversacionais, como sugere o próprio nome, são os articuladores da conversação. Na verdade, um texto oral tem sua organização permeada esses elementos. Até agora, nesta análise, foram mostradas estruturas nas quais há presença de marcadores lexicais51. No entanto, os textos do corpus apresentaram, também, estruturas com emprego de

marcadores da classe dos não lexicais (CASTILHO, 2014). Como, por exemplo, a expressão “Ah”, observada em:

Nesse excerto, o que se pode concluir com o emprego do MC “Ah”, é que o aluno o empregou como se dialogasse com o interlocutor do seu texto escrito, denotando um maior grau de envolvimento dos parceiros, como se estivessem próximos. Porém, essa estratégia de textualização é característica de gêneros prototípicos da fala (RISSO. In NEVES, 1999), que apresenta em sua natureza essa proximidade entre os interlocutores, e não da escrita, cujos interlocutores se encontram distantes.

Logo, essa é mais uma marca da modalidade oral da língua cuja caracterização é de fundamental importância para o conhecimento dos alunos ao se trabalhar com a relação entre oralidade e escrita em sala de aula. Pois, assim como ocorreu o emprego inadequado do MC “Ah” na escrita, também é possível ocorrerem outros, devido a essa mesma confusão (ou falta

51

Para que um item lexical se candidate a MC ele precisa apresentar certa multifuncionalidade. Não há uma classe gramatical específica. Por vezes “olha”, “agora”, “então”, “aí”, “mas”, etc. funcionam como MCs. Para mais esclarecimentos sobre os estudos dos MCs, sugere-se a leitura da obra de Castilho (2014) “A língua falada no ensino de português”.

(R-11) (...) me chamou para ir ao banheiro com ela. ø Chegando lá ela começa a chorar (...).

Passaram-se alguns dias e a Jackeline não estava indo ao curso e todos que eram amigos dela já

estavam preocupados. Porém, depois de uns dias sem ter ido ao curso, Jackeline apareceu (...)

perguntei se ela estava passando mal e ela pediu pra eu ir à farmácia (...), enquanto a outra amiga

dela saiu para comprar um copo de leite (...).

de conhecimento sobre o assunto) com relação à distância entre os interlocutores no contexto da situação de comunicação, o que se pode observar nos MCs encontrados em52:

Nesses trechos com MCs também se interpreta que a intenção dos alunos ao usarem essa estratégia de textualização era a de interagir com o interlocutor do seu texto de forma subjetiva, como se estivessem próximos, o que não é próprio da escrita formal.

Há também de se considerar outro aspecto da oralidade em alguns textos do corpus. Além da ocorrência de “aí”, eles apresentaram vários outros usos típicos da oralidade informal:

Nos três excertos acima, verifica-se a ocorrência de expressões típicas da fala informal (destacadas), que, portanto, não deveriam ser usadas na textualização da escrita formal, por não serem adequadas a essa variedade. As estruturas talvez tenham sido assim organizadas em virtude da proximidade dos gêneros nos quais compunham seu texto com a conversação espontânea, um gênero tipicamente marcado pela informalidade.

A partir dessas marcas da oralidade que os alunos empregaram inadequadamente, entende-se que eles têm necessidade de, além de conhecer as especificidades da fala e da escrita nas variedades formal e informal, aprender a buscar em seu vocabulário expressões sinônimas para substituir aquelas que não sejam adequadas à situação de comunicação. Para

52

O aluno não compreendeu a proposta de produção textual. No lugar do gênero da O.R, ele produziu um texto de gênero da O.A., mas ainda assim ele empregou a expressão em destaque com o mesmo problema de ser empregado no gênero R.

(R-4) “Sendo que eu mesmo estou aqui para que você saiba de algo que aconteceu.” (R-10) ‘Não é longe mas quem sabe um dia esse sonho se torne realidade.

Só pra lembrar a cidade de Cametá há onde tem o melhor carnaval do Pará, (...).

(R-1) “(...) a mãe descobrio o namoro da filha e soube que o carinha não era boa peça”.

(R-8) “Ela era bonita e muinta gostosa o nome dela era Mia a galera da sala ficaram ligado nela. Mas o Rodrigo comesou ada [a dar] uns pega nela (...)”.

isso, considerando-se os exemplos do corpus, o professor poderia mostrar, por meio dos textos dos próprios alunos, que há a necessidade de o uso da língua estar em conformidade com o contexto sociocomunicativo e deveria alertar que, de acordo com o gênero textual que foram solicitados a produzir nas atividades que geraram a escrita em questão, eles usaram indevidamente as expressões destacadas. E frisar, também, que precisam substituir tais expressões (para o que o docente deve dar sugestões).

Desse modo, atendo-nos aqui apenas ao tratamento de tais expressões, seriam algumas das possíveis sugestões as seguintes substituições:

A partir da análise do corpus, é possível, ainda, concluir que o número de ocorrências de MCs é expressivo nos textos da O.R. (encontradas em aproximadamente 70% dos textos com ocorrências de marcas da oralidade) e pouco verificável nos textos O.A. (verificados apenas em aproximadamente 22% dos textos com ocorrências de marcas da oralidade). Essa constatação pode ser útil para os professores de LP como orientação para o trabalho com o problema da presença inadequada de MCs na escrita, ou seja, ela indica que eles ocorrem com maior frequência nas produções textuais da O.R., e que, portanto, a escrita de textos dessa tipologia merece maior atenção na consideração desse aspecto em sala de aula.