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2 A ABORDAGEM TEÓRICA

3.3 A proposição do material didático

A partir da composição do corpus foi feita uma reflexão e um estudo acerca dos problemas encontrados nas produções escritas dos alunos envolvidos na pesquisa. Os estudos abordaram teorias linguísticas envolvendo os objetivos do ensino de língua e os meios de que se deve lançar mão para alcançá-los; bem como se procurou relacionar essas teorias e a prática docente, galgando perspectivas mais atuais para o ensino-aprendizagem. Por isso foram abordadas as concepções sociointeracionista e funcionalista da linguagem, gêneros textuais e suas modalidades de expressão e a relação oralidade/escrita.

A partir dessas abordagens, elaborou-se o caderno pedagógico composto de atividades de compreensão de texto e de atividades epilinguísticas sequenciais, com evolução gradativa, direcionadas a tratar especificamente das dificuldades observadas, além de uma proposta de produção de textos. A intenção foi a de produzir um caderno pedagógico que contemplasse a seleção de textos de gêneros da modalidade oral e escrita para confrontar estratégias de textualização quanto a:

 presença de marcadores conversacionais;  introdução de tópicos discursivos;

 formas de referenciação textual;  seleção de conectores.

A metodologia usada no caderno pedagógico elaborado a partir deste estudo foi baseada no procedimento sequência didática48, que se deu desde a produção inicial dos textos

escritos – realizada em dois momentos: um para a produção escrita de texto, da ordem do argumentar, do gênero “artigo de opinião” e outro para a escrita de texto, da ordem do relatar, do gênero “relato” – que compuseram o corpus para a verificação dos problemas pertinentes quanto às marcas da oralidade na escrita e do conhecimento que os alunos do quarto ciclo da EJA já possuíam a esse respeito. Os resultados da análise desses textos indicaram o caminho a

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“Uma ‘sequência didática’ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito. (...) Têm, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. (...) Servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis” (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004). No mesmo trabalho estes autores apresentam um quadro com uma sequência didática para exposição oral na escola secundária, que pode ajudar o leitor a esclarecer melhor o procedimento em questão. A sequência consta nos anexos deste Projeto.

ser seguido quando da elaboração do material didático em atividades de evolução gradativa – do simples ao complexo – por meio de módulos de ensino, até a sugestão da produção final para verificação, pelo professor, do aprendizado realizado pela classe (produção que, por sua vez, deverá perpassar pela reescrita).

A organização de sequências didáticas se faz bastante relevante no trabalho com gêneros, uma vez que é um procedimento que visa a transformar o modo de escrever (e de falar) dos alunos e ampliar sua consciência de uso da linguagem em virtude dos diferentes instrumentos que lhes são propostos, pelos quais se reflete sobre esse uso.

Nos próprios PCN, é sugerida a relação entre a organização didática e o material pedagógico por meio de sequências didáticas, ou seja, um material pensado para um conjunto de aulas, organizadas de maneira sistemática em torno de uma atividade de linguagem (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004).

O caderno pedagógico intitulado “Proposta para abordagem da relação

oralidade/escrita”, em seu início, traz uma orientação aos professores para realizarem a

leitura da pesquisa que levou à elaboração dele, a fim de que tenham todos os conceitos implicitamente envolvidos nas atividades bem esclarecidos e possam ter mais segurança e preparo para a realização das atividades propostas.

A proposição foi organizada com momentos em que se falou diretamente ao professor orientando-o sobre a forma como proceder ao aplicar as atividades e, ao mesmo tempo, dando dicas de capítulos da pesquisa aos quais poderia recorrer para seu embasamento ou, ainda, para sanar dúvidas.

Inicialmente a proposta destaca informações para o professor sobre o procedimento “sequência didática” com o intuito de esclarecer suas características, o que concorre para que ele incorpore o procedimento em sua prática pedagógica. Há também outro momento dedicado a esclarecimentos para o professor, desta vez voltados à “atividade de retextualização”, segundo Marcuschi (2005). Organizado para o acesso do professor, o material sugere atividades em uma sequência que pode ser realizada ao pé da letra ou adaptada às necessidades do docente e dos discentes, bem como pode ser adaptada, quanto ao número de atividade, à realidade destes.

O material apresenta observações para informação do professor e também observações para orientação do aluno pelo professor. Para evitar que o docente tenha dúvidas quanto ao que deve esperar como resposta do aluno, algumas vezes, nas quais fosse possível essa ocorrência por alguma necessidade de informação do próprio professor, descreveu-se a que resposta o aluno deveria chegar (o que contribui também com a direção que se deve dar às discussões das atividades).

As atividades foram apoiadas em recursos como vídeos, imagens e textos de gêneros como bilhete, tirinha, carta pessoal, carta reivindicatória, conversa telefônica, anúncio publicitário, causo, conto e memórias literárias, este último, abordado na produção textual final, pois é muito próximo da fala espontânea e considerado bem adequado à verificação da competência adquirida pelo aluno quanto à seleção de estratégias de textualização próprias de gêneros escritos formais como o “memória literárias”, em comparação às da oralidade informal que empregaram nos textos de gêneros formais do corpus. A variedade de gêneros confrontados nas atividades do caderno pedagógico encontra explicação na intenção de levar o aluno a observar o uso da língua em diversas formas de apresentação do texto falado/escrito, formal/informal e suas estratégias de textualização específicas. Tudo isso para contribuir com o aumento da competência comunicativa dos alunos.

O caderno pedagógico foi organizado em duas unidades. A primeira, com quatro módulos de atividades que buscam a conscientização e a reflexão dos alunos sobre o uso da língua, a saber:

UNIDADE I

 Módulo 1: A importância do domínio da língua (três atividades)  Módulo 2: Língua falada e língua escrita (duas atividades)  Módulo 3: Variação linguística (duas atividades)

 Módulo 4: Gêneros textuais e adequação (uma atividade)

A segunda, com cinco módulos, cujas atividades foram elaboradas para tratar diretamente das estratégias de textualização da fala espontânea que os alunos têm empregado equivocadamente na escrita formal, as quais já foram detalhadas aqui. Assim estão dispostas as atividades dessa unidade:

UNIDADE II

 Módulo 1: Comparando um texto oral com sua forma escrita (duas atividades)  Módulo 2: Os marcadores conversacionais (uma atividade)

 Módulo 3: A referenciação (uma atividade)  Módulo 4: Os conectores textuais (uma atividade)

Atividade complementar 1 (uma atividade com excertos de textos do corpus da pesquisa)

 Atividade complementar 2  Atividade complementar 3

 Módulo 5: A produção textual (proposta de produção de texto)

As atividades do caderno pedagógico produzido nesta pesquisa foram pensadas com a intenção de “ajudar os estudantes a tomarem a consciência do que estão fazendo adequadamente e do que precisam melhorar. O objetivo não é a busca de erros e sua subsequente correção” (OLIVEIRA, 2010, p.166), mas contribuir com a ampliação de sua competência linguística.

O erro foi tomado como ponto de partida para o processo de tomada de decisões pedagógicas. Foi visto de uma maneira construtivista, portanto. Assim, a partir da motivação pelos erros encontrados na escrita dos alunos por influência da fala, foi possível preparar atividades para serem realizadas nas aulas de LP, voltadas para conscientizar os alunos da causa desses erros (observáveis por meio da confrontação de estratégias de textualização da oralidade e da escrita). Essa forma construtivista de lidar com os erros cometidos pelos alunos serve, também, para mostrar aos docentes que não adianta apenas riscar o “erro” no texto do aluno para destacar o que precisa ser corrigido, pois isso não contribui para conscientizá-lo dos fatores envolvidos naquele “erro”, o que igualmente não contribui para o desenvolvimento da competência comunicativa do aprendiz.

O quadro das necessidades de aprendizagem dos alunos colaboradores deste estudo exigiu o desenvolvimento de atividades epilinguísticas, que pudessem levá-los a refletir o uso que fazem e o que devem fazer da língua. Foi desenvolvido, portanto, o aspecto funcional nas

atividades propostas para que os discentes, ao analisarem e refletirem sobre o emprego das formas linguísticas trabalhadas, consigam ver utilidade prática para o que aprendam. O propósito a alcançar está, pois, longe de querer que eles se preocupem em aprender apenas para tirar boas médias na escola.

Portanto, além de centralizar-se na abordagem comunicativa, a elaboração do caderno pedagógico centralizou-se no aprendiz e nas suas necessidades linguísticas ao selecionar conteúdos funcionais que pudessem prepará-lo para o exercício efetivo da comunicação na vida real. Isso foi uma tentativa de fazê-lo sentir-se diretamente engajado na sua aprendizagem, pois se entende que a língua escrita não pode mais ser vista como algo que o aluno deve adquirir, mas como um instrumento que ele deve aprender a dominar, conforme suas necessidades e motivações, nas diferentes situações em que precisar utilizá-la.

4 A PRODUÇÃO TEXTUAL DOS ALUNOS: RELATO DA PESQUISA

Este capítulo tratará da produção textual escrita dos alunos colaboradores deste trabalho, mais especificamente das estratégias de textualização empregadas por eles na escrita e da ocorrência de marcas da fala espontânea nos textos escritos formais.

A análise está organizada em quatro tópicos que envolvem os textos de ambos os gêneros ora produzidos. No primeiro tópico, consta a análise com foco na observação do emprego de marcadores conversacionais. No segundo, procurou-se identificar como se dá a topicalização (e introdução tópica) nos textos. No terceiro, encontra-se a observação quanto a problemas de referenciação textual, e no quarto e último tópico foi verificada a ocorrência do uso inadequado de conectores.

Destaque-se, de antemão, que o emprego inadequado, na escrita formal, de estratégias de textualização da fala ocorreu em ambos os tipos de texto produzidos na pesquisa. No entanto, nos textos pertencentes à ordem do relatar, as ocorrências foram significativamente mais evidentes quando comparados aos textos da ordem do argumentar. 100% (cem por cento) dos textos do gênero “relato” apresentaram marcas da oralidade informal. Enquanto, aproximadamente, apenas 41% (quarenta e um por cento) dos textos do gênero “artigo de opinião” apresentaram a referida ocorrência49.

Embora os tópicos seguintes não apresentem uma análise exaustiva dos segmentos, considera-se ser a exemplificação suficiente para que os professores de LP também possam observar a produção escrita dos seus alunos do ponto de vista das estratégias de textualização empregadas por estes.

Por uma questão de facilitar a fruição da leitura dos próximos tópicos recorreu-se ao uso de siglas para se referir à tipologia e aos gêneros textuais citados. Para indicar a tipologia/ordem do relatar usou-se “O.R.” e para tipologia/ordem do argumentar usou-se “O.A.”, enquanto para indicar o gênero Relato, foi empregado “R.” e para o gênero Artigo de Opinião, “A.O.”.

Para a identificação dos textos50 dos alunos de onde foram retirados os excertos usados

na análise, além da numeração arábica, os textos foram identificados com a letra inicial da sua

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Os percentuais indicados na análise foram calculados apenas sobre os textos com marcas da oralidade. 50

tipologia (A – para textos da ordem do Argumentar / R – para textos da ordem do Relatar). De onde se obteve: A-1(texto 1 da ordem do argumentar), A-2 (texto 2 da ordem do argumentar) e assim por diante com os demais textos dessa ordem; bem como R-1 (texto 1 da ordem do relatar), R-2 (texto 2 da ordem do relatar) e assim por diante com os outros textos dessa mesma ordem.