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A presença do sofrimento e sacrifício nas promessas

V. A relação entre o sofrimento e as promessas

3. A presença do sofrimento e sacrifício nas promessas

Como referimos no número anterior, o sofrimento tanto pode ser um caminho para o despertar da fé, como um sério obstáculo. Nesta parte da dissertação pretendo aprofundar a questão da influência do sofrimento enquanto causa para as promessas e a sua presença durante a realização das mesmas.

Podemos partir de uma constatação muito empírica, mas com grande relevo: “existem pessoas que atribuem a Deus o aparecimento ou a resolução dos seus problemas da saúde”227. Também, “muitas pessoas recorrem frequentemente a Deus como recurso cognitivo, emocional ou comportamental para enfrentá-los”228.

Diante de uma situação de sofrimento, particularmente, do foro da saúde, a pessoa, muito antes de começar o seu tratamento médico, recorre aos santos ou a Maria para serem seus intercessores perante aquela aflição. Ou então, é depois de se esgotar todos os tratamentos, depois de terem sido desenganados pelos médicos que, numa atitude de aflição e desespero, se voltam para a transcendência como uma última esperança. Quando analisamos, “os motivos das promessas constatamos a realidade na qual ela está inserida: a maioria das promessas surge quando a vida corre perigo”229, ou está sujeita a um grande sofrimento.

A grande maioria das promessas tem como causa as questões de saúde e sobretudo o pedido para outras pessoas. Nota-se um certo altruísmo e uma solidariedade na dor e no sofrimento. “Na doença as pessoas buscam na religião um significado e um alívio para o sofrimento”230. Podemos encontrar esta mesma solidariedade a aquando do pagamento da promessa, especialmente aquelas que acarretam algum esforço físico, pois não falta quem ao lado ajude e estimule ao seu cumprimento.

A vivência religiosa tem influência na forma como a pessoa reage e age diante de uma situação de sofrimento. Antigamente, com uma acentuação maior, “o sentido da vida, do mundo e da religião, era pensado a partir do interior da visão religiosa do todo. Deste modo,

                                                                                                                         

226 Silva e Moreno, “A religião e a experiencia do sofrimento psíquico,” 164. 227 Carqueja, “A prática religiosa e a perceção do sofrimento,” 14.

228 Faria e Seidl, “Religiosidade e Enfermagem,” 383.  

229 J. C. Pereira, A eficácia simbólica do sacrifício. Estudo das devoções populares (São Paulo: ed. Arte e

Ciência, 2001), 171.

tudo estava imbuído da ideia da necessidade da religião”231. Para a pessoa que sofre é importante encontrar alívio para o sofrimento e, também, descobrir uma explicação que o justifique. Com uma acentuação maior, a pessoa quando não encontrava respostas na medicina ia procurá-las na religião. Não podemos esquecer, que ao longo dos tempos a medicina e a religião sempre se apresentaram com muitas afinidades.

Perante isto, “a promessa tornou-se um elo de ligação entre o humano e o divino. Uma forma de devoto chegar até ao santo é passar pela via do sacrifício”232. Quando as pessoas fazem as suas promessas procuram resgatar a dignidade perdida, procuram a esperança e um novo sentido para a vida. Existe um duplo sentimento de sofrimento: primeiro na causa que originou a promessa e depois no seu pagamento. Muitas pessoas, se o pagamento da promessa não acarretou dor, sacrifício questionam-se se a promessa ficou cumprida. E quantos problemas de consciência surgem por causa disto… A não realização das promessas é causa de uma profunda angústia, que pode gerar mais sofrimento e até levar as pessoas a adoecer. O não cumprimento de uma promessa faz com que a pessoa esteja sujeita a uma grande frustração e desesperança.

As promessas e os ex-votos ajudam a revelar um mundo simbólico de relações sacrificiais do humano com o divino, contribuindo para justificar as práticas penitenciais de tantas pessoas que fazem promessas. “A promessa ajuda a manter viva a esperança diante das dificuldades, mesmo que o seu pagamento custe o sofrimento do promesseiro”233. Nesta questão das promessas podemos notar uma grande relação entre o sofrimento e depois as ações que as pessoas fazem para encontrar algum alívio ou a cura. “No contexto das práticas da saúde observa-se com alguma frequência, a influência de aspetos religiosos na cura e no tratamento de doenças, ainda que existam alguns estudos que contradigam esta influência”234.

Uma coisa podemos afirmar, a situação de sofrimento pessoal, ou de alguém próximo, fica mais atenuado quando existe uma pertença religiosa. “Vários cientistas têm investigado a associação entre os fatores relativos à religiosidade – práticas, aflições, crenças – e saúde, tanto na sua dimensão física como mental”235. Esta relação manifesta-se quando observamos a importância da fé, da religião e de várias emoções na cura ou desencadeamento das doenças. No processo da recuperação tem grande influência a pertença religiosa. Por isso, “para os

                                                                                                                         

231 Carqueja, “A prática religiosa e a perceção do sofrimento,” 13.

232 Pereira, A eficácia simbólica do sacrifício, 170; Cf. Sanchis, Arraial: Festa de um Povo, 47.   233  Pereira, A eficácia simbólica do sacrifício, 170.  

234 Carqueja, “A prática religiosa e a perceção do sofrimento,” 14. 235 Carqueja, “A prática religiosa e a perceção do sofrimento,” 14.

doentes a religiosidade ou espiritualidade foi considerada como uma grande aliada na recuperação, onde, para eles há uma forte ligação da fé no processo de cura”236.

Em conclusão podemos dizer que as promessas não têm só a relação com o sofrimento, mas também com o sacrifício. “A promessa é um elemento importante no catolicismo popular. Além de caracterizar uma relação de troca entre o fiel e o santo, envolve também o aspeto do sacrifício”237. Para muitas pessoas se o “pagamento da promessa” não acarretar um certo sacrifício ficam com a dúvida se ela fica mesmo cumprida. Certas promessas que envolvem esforço físico, tem sempre uma certa dose de sacrifício, mas este não é refutado pelo devoto, porque a graça foi recebida238. Todos os sacrifícios, durante o cumprimento da promessa, são aceites em virtude da graça recebida e da alegria que a pessoa sente em poder concretizar o que prometera.

A abertura à transcendência acontece nas pessoas sob os mais variados aspetos, destacando-se a promessa como fator de união e de projeção entre a realidade material dos crentes e a realidade celeste da divindade. E podemos afirmar que o sofrimento é potenciador das promessas, na medida em que é uma procura de esperança e de um projetar na transcendência as dores, angústias e desespero de quem experimenta a sua fragilidade e finitude.

                                                                                                                         

236 Geronasso e Coelho, “A influência da religiosidade/espiritualidade,” 186. 237 Pereira, A eficácia simbólica do sacrifício, 170.  

238 Cf. Testemunho de homem, 40 anos, São Bento: anexo 7. Cf. Testemunho de mulher, com 26 anos, São