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O CAPITALISMO ACIONARIAL E A PREVIDENCIA PRIVADA NO BRASIL, ESTADOS UNIDOS, CANADÁ E FRANÇA

4 A PREVIDENCIA PRIVADA NO CONTEXTO DO CAPITALISMO ACIONARIAL

4.2 A Previdência Social e a Dominância Financeira

Na constituinte de 1988, o conceito de proteção social foi desenvolvido dentro de um contexto então vigente, mas não mais atuante, do welfare state. O desenho institucional procurou definir o acesso aos benefícios e direitos sociais baseando-se na combinação da contribuição prévia e do direito à cidadania. No momento histórico em que a CF/88 foi consolidada, o capital industrial ou produtivo não mais vigorava. Foi substituído, desde meados de 1980, pelo capital portador de juros que buscava “fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos a título da posse de ações e de lucros nascidos da especulação bem sucedida” (CHESNAIS, 2005, p.18).

Nos países em que o modelo do estado social havia moldado o sistema de seguridade, o domínio do novo capitalismo, portador de juros, alterou o arranjo da proteção social, o acesso à aposentadoria e outros direitos sociais foram sendo, gradativamente, restringidos. Paralelamente, o desemprego se estrutura e deixa de ser apenas friccional. O trabalho informal tem seus índices elevados também em países da Europa e da América do Norte. Os reajustes salariais reais foram deixados de lado e, aos poucos, o dinheiro perde seu poder de compra. Daí ser cada vez mais freqüente o reajuste salarial com base somente na reposição da inflação do período.

A financeirização da economia e do capital produtivo força a redução dos direitos dos trabalhadores – ponta mais fraca da relação. Custos com mão de obra são reduzidos em prol da rentabilidade acionarial mínima exigida pelo mercado. O novo sistema de capitalismo impõe baixos salários, redução de impostos e encargos sociais, alicerces do financiamento da proteção social. Para os salários continuarem baixos é indispensável manter o desemprego em níveis que equilibrem a oferta e a procura desejada pelo capital. Não há interesse na promoção do pleno emprego. O desemprego precisa ser mantido, mas em níveis controláveis pelo governo.

Embora os constituintes de 1988 tenham desejado promover a proteção social dos brasileiros num sentido mais amplo, a realidade internacional impôs muitas mudanças.

Para traçar um perfil histórico e entender o contexto político-financeiro recorde-se que o Brasil buscou empréstimo junto a Fundo Monetário Internacional – FMI – e assumiu compromisso de cumprir as condições impostas por este organismo. Planos de combate à inflação, privatizações de empresas estatais e a elevação da taxa de juros para estimular a entrada de capital estrangeiro foram medidas adotadas em consonância com as cartas de intenções emitidas em favor do Fundo.

O Brasil desenvolvimentista ‘que havia investido pesadamente em empresas estatais produtoras de matérias primas e preocupado em desenvolver um sistema de proteção social amplo e público’ estava agora diante do Consenso de Washington (1989)13 que orientava, como primeira medida, a contenção do gasto público para combater a inflação e criar superávit fiscal primário14 Estado foi afastado de suas funções primordiais. Os elevados índices de desemprego não permitiram que a balança fiscal fosse equilibrada, mesmo ante as sucessivas

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As regras universais do Consenso de Washington são: 1.Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; 2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura; 3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; 4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5. Taxa de câmbio competitiva; 6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro; 8. Privatização, com a venda de empresas estatais; 9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas; 10. Propriedade intelectual.

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Superávit primário é um termo usado por economistas que define o dinheiro usado pelo governo para pagar suas dívidas. É um importante ponto observado por investidores estrangeiros para medir a capacidade de um país de pagar suas dívidas. Assim, quanto maior for o superávit maior será o corte nos gastos públicos ou maior será a arrecadação de impostos.

alterações (reforma previdenciária nos setores privado e público) que se seguiram nos governos posteriores a Sarney.

Segundo o Banco Mundial a nova previdência – base da grande reforma – seria baseada no sistema dos três pilares, segundo o qual, no primeiro pilar, o sistema público protege socialmente àqueles realmente necessitados. Assim, os declarados por Lei complementar, com uma renda mínima assistencial financiados por impostos; num segundo pilar há a obrigatoriedade de participação em fundos de pensão; e, por último, o pilar consiste na participação facultativa em planos de previdência complementar, ou seja, previdência privada de capitalização individual, o que seria a base para os fundos de pensão. O Estado limitar-se-ia a promover assistência aos mais pobres da população.

Essa política acionarial foi rompida com a nova crise do capitalismo estourada, nos Estados Unidos, em 2008. A crise colocou em cheque a teoria neoliberal e as afirmações dos organismos internacionais, quanto ao “melhor” modelo de sistema previdenciário.

Em todos os momentos históricos vivenciados ‘do “crash” na bolsa de Nova York à última crise financeira iniciada nos Estados Unidos’ a figura do Estado foi sendo refeita e, agora, vislumbra-se necessário um Estado que atue não só no reparo aos danos sofridos pelos cidadãos, mas um Estado que também evite que tais lesões ocorram.

Estar-se-ia, novamente, diante do estado-protetor-intervencionista? Acredita a autora do presente estudo ser necessário uma reformulação política no modelo atual. Na mais recente crise financeira, o que se viu foram os fortes Estados, então ultraliberais, intervirem na economia privada para adquirir empresas e salvar o emprego de muitos. Instituições financeiras sólidas e grandes empresas automobilísticas, além de seguradoras, precisaram recorrer ao Estado para saldar ou ao menos amortizar suas dívidas. O controle de muitos desses empenhos passou para o ente estatal. Mas essa intervenção não foi suficiente para evitar o fechamento de centenas de instituições e desencadeou milhares de desempregos. Somente nos EUA a taxa de desemprego nos EUA ficou em 7,2% no mês de dezembro de 2008, pior nível desde 1993. O número de desempregados, em nosso país, no ano passado, chegou a 2,6 milhões, o maior desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

No Direito, a temática já não é a liberdade individual e seus limites, como no Estado liberal: ou a intervenção estatal e seus limites, como no welfare state. Liberdade e igualdade já não são ícones da temporada. A própria lei caiu no desprestígio. No direito público, a nova onda é a governabilidade. Fala-se em desconstitucionalização, delegificação, desregulamentação. No direito privado, o código civil perde sua centralidade, superado por múltiplos microssistemas. Nas relações comerciais revive-se a lex mercatoria. A segurança jurídica – e seus conceitos essenciais, como o direito adquirido – sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das interpretações pragmáticas, embaladas pela ameaça do horror econômico. As fórmulas abstratas da lei e a discrição judicial já não trazem todas as respostas. O paradigma jurídico, que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para melhor solução, singular ao problema a ser resolvido (BARROSO, 2007).

Analisar como o Estado é construído dentro de contextos socioeconômicos e como as políticas de proteção dos cidadãos se desenvolvem, considerando-se o modelo econômico escolhido pela população do Estado, é fundamental para a compreensão da crise. As idéias sobre cidadania e direitos humanos são baseados na ideologia do universalismo antidiferencialista que funda a teoria política liberal. Já o universalismo diferencialista foi usado quando o antidiferencialismo apresentava falhas, quando, por exemplo, não surtiram efeito.

Um dos pilares da política do Estado moderno europeu em relação às colônias, o assimilacionismo, foi uma das normas de intervenção política desenvolvida para respem quer à ‘questão indígena’. Ao eliminar o diferencialismo, a política assimilacionista veicula uma ideologia colonial, em que o progresso, sinônimo de civilização, faz tábua rasa das diferenças históricas, e impõe aos ‘indígenas primitivos’ a adopção dos valores culturais superiores do Ocidente como único meio de vencer o seu atraso secular (SANTOS, 2006, p. 284).

Baseado no antidiferencialismo é que a desigualdade foi combatida no Estado-providência dos países centrais, e por meio das políticas de desenvolvimento, nos demais países. Em todos eles, através das políticas de assimilação pelas culturas minoritárias. O assimilacionismo, como já mencionado, transforma as diferenças numa igualdade formal a ser aceita por todos os que desejam conviver. O Estado capitalista moderno incorporou essa teoria antidiferencialista e sua função é manter, por meio das políticas estatais, as desigualdades dentro de padrões que não impeçam a inclusão social. As políticas

sociais são um exemplo da tentativa de igualar desiguais dentro daqueles limites legalmente definidos, para se manter uma certa harmonia e controle sociais.

As políticas do Estado-providência “como a assistência social, o bolsa-família e as políticas do fome-zero” ajudam a manter a desigualdade dentro da tolerância. Quando se trata do critério da exclusão, a função do estado consiste em separar as exclusões que devem ser assimiladas ou serem objeto de exclusão, segregação ou extermínio15.

Foi Karl Marx o teorizador do sistema de desigualdade e, segundo ele, a integração social, no capitalismo, assenta-se na desigualdade capital-trabalho baseada na exploração classista. A exclusão, é teorizada por Foucault, é um fenômeno sócio-cultural, em que uma cultura desenvolve uma verdade absoluta e, por meio dela, cria o interdito ou o rejeita: “A exclusão da normalidade é traduzida em regras jurídicas que fincam, elas próprias, a exclusão” (SANTOS, 2006, p. 281).

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“A desigualdade e a exclusão são sistemas em que no primeiro a pertença social é dada pela integração subordinada; no segundo sistema a pertença faz-se pela exclusão. A desigualdade implica num sistema hierárquico de integração social. Quem está em baixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema igualmente hierárquico mas denominado pelo princípio da segregação: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem está em baixo está fora. Esses dois sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas, em combinações complexas” (SANTOS, 2006, p. 280).

5. O GOVERNO LULA E O MERCADO FINANCEIRO : INCLUSÃO SOCIAL VIA