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10 A REDIFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO, A NEOSOCIAL DEMOCRACIA

10.1 Os Críticos do Estado Providência

10.1.1 O Estado Mínimo

A crise de financiamento do Welfare State no mundo Ocidental colocou em cheque o seu real papel, no âmbito das sociedades contemporâneas. O grande pacto social firmado no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial – e que durou até o rompimento da administração Nixon, com o sistema de padrão ouro/dólar em 1971, foi responsável pelo desenho institucional do Estado keynesiano – que não mais ancorava o modelo leviatânico de Estado até então existente.

O perfil redistributivista do Estado do Bem-Estar Social atingirá – ao que parece – um trade-off entre a geração de bens públicos e a demanda de recursos para produzi-los. Ou seja, estava cada vez mais caro manter o assistencialismo estatal diante da capacidade cada vez menor de extrair renda da sociedade, sem incorrer em déficit fiscais e inflação crônica. Paralelamente, ao fim da era de ouro do

capitalismo, o colapso do socialismo real parece corroborar o que os críticos do Welfare State defendem: para continuar a maximizar a satisfação coletiva o Estado

tem que encolher de tamanho, tem que ser mínimo, pois, a estrutura leviatânica do Estado keynesiano incorre em irracionalidade, ilegitimidade e captura por grupos

A idéia do Estado mínimo, portanto, visava eliminar esses três males que se acredita estar no cerne da falência do Estado, como provedor do bem-estar da sociedade. Assim sendo, iniciava-se o processo de redesenho institucional do Estado, através de reformas orientadas para o mercado que, por acreditar-se ser o melhor alocador de recursos, maximizaria a produção e consumo dos bens públicos sem os males sociais advindos desse processo.

Esse redesenho entrava pois na agenda de propostas das agências multilaterais – tais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) – para influenciar, por meio de suas políticas globais, e gerar novos paradigmas a serem absorvidos pelos governos dos diversos países do mundo.

Após o advento das administrações de Margareth Thatcher (1979) e Ronald Reagan (1981) - no Reino Unido e nos E.U.A., respectivamente – apareceram modelos reais pelo qual poderiam se balizar37. O Estado interventor vai dando lugar a um Estado regulador. O aparelho burocrático então existente passa a ser alvo de profundas transformações estruturais. Além da retirada do Estado das atividades produtivas (via privatizações) e da redução das atividades redistributivas estatais de cunho social (via redução da participação relativo dessas despesas no orçamento público), inicia-se um processo de reestruturação das agências governamentais, com vistas à adequação das mesmas a esse novo “workfare state”. É no processo de reformulação das organizações burocráticas que reside o ponto nevrálgico de toda reforma do Estado. Afinal, a capacidade de implementação das reformas administrativas caminha na razão direta do grau de cooperação das agências governamentais.

As privatizações realizadas entre o período de 1990 a 1994, supriram, em parte, o Estado dos recursos necessários ao resgate de sua governança. Com a saída estatal de algumas áreas da atividade econômica e com um certo grau de governança restabelecida, a presença do Estado fazia-se necessária em outros aspectos: (a) na regulação dos mercados em que atuam as empresas privatizadas; e (b) na intervenção em setores notadamente geradoras de bens públicos.

Assim, o Estado promotor do modelo de substituição de importação – e com isso de cunho desenvolvimentista – vai cedendo espaço a um Estado regulador, em

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Deve-se observar que coalizões internas tinham interesses convergentes com os patrocinados por essas agências multilaterais, além da necessidade de reforma dos Estados cronicamente endividados. Para o primeiro caso ver Chesnais (1996). Já para ver a situação de fragilidade financeira do Estado brasileiro ver Nogueira (1992).

que a orientação para o mercado não implica necessariamente em encolhimento da sua ação. Para tanto, a mudança da performance do Estado brasileiro é condição

sine qua non para o cumprimento dessas novas atribuições. Surge a necessidade de

acoplar ao ajuste fiscal – promovido via privatizações – uma mudança institucional. No início da primeira administração Fernando Henrique Cardoso, com a criação do MARE, o conceito de elevação da performance do Estado toma a cena do debate público sobre qual o perfil que deveria ter o novo aparelho estatal. O objetivo da reforma era dotar o país de uma burocracia imune a atuação de rent

seekings e a conseqüente captura do Estado por grupos de interesses, tornando-o

menor, porém mais eficiente, por estar apartado desses males. A idéia de uma burocracia insulada vinha ao encontro da necessidade de um aparelho estatal mais regulador e menos desenvolvimentista. A retirada do Estado de seguimentos em que tradicionalmente vinha atuando era de essencial importância para uma melhora de sua performance. Sobre este aspecto Bresser Pereira afirmava: “reformar o Estado significa, antes de mais nada, definir seu papel, deixando para o setor privado e o setor público não-estatal as atividades que lhe são específicas” (1998, p.63).

O gerenciamento que o Estado brasileiro passaria a desempenhar sobre a atividade econômica estaria centrado na criação das agências regulatórias e nas chamadas organizações sociais (OS)38, estabelecendo-se assim, a delimitação da área de atuação da gestão pública. Ou seja, a sua nova modelagem institucional traria uma relação funcional direta com o grau de incisão desse Estado na sociedade.

Assim,

para delinear com clareza as funções do Estado é preciso, a partir do conceito de Estado, distinguir três áreas de atuação: (a) as atividades exclusivas do Estado; (b) os serviços sociais e científicos do Estado; e (c) a produção de bens e serviços para o mercado. Por outro lado é conveniente distinguir, em cada uma dessas áreas, quais são as atividades principais (core activities) [grifo do autor] e quais as auxiliares ou de apoio (ibidem, p. 63-64)

Afirma, então, Bresser Pereira que as atividades exclusivas do Estado poderiam ser, em parte, terceirizadas e que os serviços sociais e científicos – assim como a produção de bens e serviços para o mercado – passariam por um processo publicização.

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O Estado gerencial enquadra-se no conceito de Estado Mínimo defendido por Hayek, Buchanan e Olson. Em outros termos, é a incorporação do conceito de

workfare state shumpteriano substituindo o welfare state keynesiano.

O estabelecimento do Estado gerencial visava uma elevação da performance estatal, via redução da ação do Estado, em que a existência de uma burocracia separada de pressões de grupos de interesses criaria as condições para um work better da ação estatal.

Para alguns autores o modelo gerencial para o Estado brasileiro já fora testado e reprovado quando da reforma administrativa promovida pelo Decreto 200 de 1967. Schwartzman afirma, referindo-se ao Decreto 200:

Segundo este modelo, os órgãos administrativos deveriam se limitar a funções quase que exclusivamente normativas e de supervisão, enquanto que o setor privado passaria a ter um papel cada vez maior em todas as ações realmente executivas do governo. As duas premissas implícitas no projeto são, primeiro, a de que o Estado é sempre um executor incompetente, e que o setor privado pode fazer o mesmo que ele de forma mais eficaz e barata; e segundo, que é impossível legislar em detalhe a atuação dos órgãos de linha da administração direta (1984, p.50).

Não apenas o desenho institucional do Estado gerencial já havia sido tentado no Brasil, como fracassara. A própria reforma pretendida pelo governo FHC não chegou sequer a ser integralmente implantada.

Assim, a reforma do Estado – baseada no binômio ajuste fiscal/mudança institucional – que objetivara a dotação do aparelho estatal de uma melhor capacidade de governança (aumento da performance) foi realizada apenas em sua fase de ajuste financeiro do setor público, ficando sem efetivação o outro elemento do binômio: a reforma institucional.

Verifica-se que, mesmo com a falha da reforma, o conceito de Estado gerencial ainda ecoa entre os membros da Federação. E boa parte dos Estados federativos passaram a implementar algum tipo de reforma administrativa, com orientação para o mercado. Para enquadrar-se no modelo cost less/work better, de funcionamento do aparelho governamental, essas reformas estadualizadas também são incentivadas pelas agências multilaterais – o Banco Mundial advoga algumas delas - tanto quanto às destinadas aos governos federais, mesmo depois do sucesso apenas parcial de várias reformas administrativas.