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6. A lei 73/2017 de 16 de agosto

6.1 A primazia da prevenção

Ao longo da nossa exposição tem sido demonstrada, a par do que já ocorre noutros ordenamentos jurídicos, a necessidade de um âmbito preventivo no contexto jurídico do assédio moral laboral. Este é um fenómeno que se tem consubstanciado como um verdadeiro flagelo na sociedade portuguesa e cujas consequências são demasiados prejudiciais para que se continue a verificar. Esta ideia foi exaltada nas propostas de lei apresentadas no inicio de 2017 onde se promovia a alteração do regime que revisitamos durante o presente trabalho.

Assim, o projeto de lei n.º 375/XIII-2ª (185)intitulado “previne e combate o assédio no local de trabalho” descreve como motivação das alterações apresentadas o facto de “nos últimos anos se ter agravado de forma muito acelerada o clima de desrespeito e violação de direitos nos locais de trabalho, práticas reiteradas de ameaça, pressão direta e indireta, chantagem, violência psicológica, repressão sobre os trabalhadores”. Conscientes de se encontrarem perante um flagelo complexo que apenas permitirá o seu combate mediante a exigência de medidas multidisciplinares, o grupo parlamentar PCP inseriu neste se projeto de lei um caminho “simultaneamente preventivo, punitivo e reparador”. Como resultado, propôs:

I) Que os atos discriminatórios e lesivos do trabalhador, compreendidos como práticas de assédio, sejam considerados como riscos laborais para a saúde do trabalhador;

185 Projeto de lei disponível em

https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40904 (consultado em 20 de janeiro de 2019)

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II) A responsabilização solidária do empregador pelos danos causados ao trabalhador vítima de assédio, por outro trabalhador;

III) A proteção do trabalhador vítima de assédio e das eventuais testemunhas impedido que os mesmos sejam alvo de processo disciplinar com fundamento nas declarações prestadas no âmbito do processo judicial e/ou contraordenacional relativos ao assédio moral laboral:

IV) Que a prática de assédio seja fundamento do despedimento ilícito e permita o despedimento com justa causa operando nos dois casos a favor do trabalhador;

V) Seja elaborado um conjunto de sanções acessórias a imputar ao empregador pela prática de assédio que incidência sobre a possibilidade de exercer a sua atividade profissional no local onde decorreram os atos assediantes e privação do direito a candidatar-se a medidas ativas de emprego e estágios profissionais.

Também o grupo parlamentar Bloco de Esquerda apresentou o seu projeto de lei no âmbito do assédio laboral. Deste modo, algumas das propostas apresentadas forma:

I) Incluir o assédio nas cláusulas de ilicitude do despedimento;

II) Aplicar o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais aos acidentes de trabalho e doenças profissionais resultantes da prática reiterada de assédio;

III) Proteger os trabalhadores que denunciam as práticas de assédio e quem testemunha a seu favor impedindo a existência de processo disciplinar até decisão final transitada em julgado;

IV) Reforçar as sanções acessórias aplicáveis às empresas aplicando-lhes de forma automática a privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, nos casos de condenação por assédio e impossibilitando a dispensa da sanção acessória da publicidade nos casos de assédio;

V) Imputar às empresas condenadas por assédio um “custo de imagem”, por via da criação de uma listagem pública em site oficial (DGERT e ACT) de todas as empresas condenadas por assédio, por período não inferior a um ano;

VI) Consagrar, de forma expressa, a possibilidade de resolução, com justa causa, do contrato de trabalhador em caso de assédio.

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Analisando as propostas apresentadas verifica-se o sentido inovador impregnado nos projetos de lei. Denota-se, de igual modo, que as sugestões apresentadas se baseiam nos ensinamentos da prática laboral, encaminhando não só para uma atitude preventiva através da publicidade perante outras entidades empregadores como se agravam as sanções a aplicar com a finalidade da entidade patronal compreender que caso se encontre envolto num circunstancialismo capaz de ofender a dignidade de algum trabalhador poderá ficar privado do exercício da sua atividade laboral. Atentamos na normatização excessiva caso o assédio seja horizontal, no entanto, somos em crer que esta proposta terá sido pensada exclusivamente para situações de assédio vertical descendente, dado que, desde logo, existem sanções mais gravosas a aplicar ao trabalhador que assedie os restantes.

A preocupação assumida pelos grupos parlamentares, e a vontade em prosseguir com uma alteração legislativa de maior aplicabilidade prática e que operasse numa vertente preventiva, teve como parâmetro inicial os estudos, relatórios e pareceres emanados por entidades como a OIT e o CITE.

Ora, “é inegável a importância da OIT e de outras organizações na evolução do direito do trabalho e dos direitos sociais no mundo inteiro”, de facto, “cresce no mundo atual a necessidade de atuação dos organismos internacionais para aperfeiçoamento dos ordenamentos jurídicos, em busca de justiça social, através da melhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores” (186).

Em momento prévio à alteração do regime normativo para prevenção da prática de assédio, através da lei 73/2017 de 16 de agosto, o CITE contribuiu para a contextualização do fenómeno em Portugal. Assim, aquela entidade procedeu a uma consolidação de dados estatísticos que permitiram verificar que a população inquirida se encontra informada sobre os indicadores do assédio moral laboral (70% das mulheres e homens inquiridos conseguiram identificar as ações de assédio moral mediante o caso que lhes era apresentado). Paralelamente, identificaram que cerca de 16,5% da população inquirida já tinha sido alvo de ações de “comportamentos indesejados, abusivos e humilhantes” com duração sistemática. Concretizam que em moldes comparativos Portugal apresenta o

186 Scabin, Roseli Fernandes, A importância dos organismos internacionais para a internacionalização e

evolução do direito do trabalho e dos Direitos Sociais, in direito internacional do trabalho e a OIT: um debate atual, ed. Atlas, 2015, pp. 1 a 38.

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dobro da percentagem da média de pessoas assediadas no âmbito laboral a nível europeu (187).

Esta entidade procedeu, ainda em 2013, à emissão de um guia informativo intitulado “Prevenção e combate de situações de assédio no local de trabalho: um instrumento de apoio à autorregulação” (188). Este documento estabelecia a necessidade de se proceder a

uma avaliação dos riscos para identificar a existência de riscos psicossociais, sendo que, “o objetivo é conhecer a realidade por forma a poderem ser adotadas as medidas adequadas, que poderão incluir a definição de uma política de luta contra o assédio que assegure a gestão de conflitos e a formação das chefias, bem como a reformulação do ambiente de trabalho e, ainda, a previsão de um sistema de apoio às eventuais vítimas de assédio (por exemplo: criação de polos de aconselhamento, linhas verdes e definição formal de procedimentos de denúncia). Sugeria-se ainda a produção de documentos de onde sobreviesse a proibição de quaisquer atos de assédio no local de trabalho. Esta medida deveria ser complementada com a promoção de ações de formação sobre a prevenção do assédio, as suas consequências e sanções.

Salienta-se, identicamente, o contributo da OIT na análise europeia deste fenómeno. O seu último relatório denomina-se “Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho” (189). Este documento, tal como o nome o indica, procede ao estudo da violência laboral e assédio laboral. Efetua uma compilação sobre a manifestação e prevalência destes aspetos em diversos países, esquematiza soluções de proteção e prevenção e dedica um capítulo ao acompanhamento da vítima dos aspetos em estudo. Termina com a menção à possibilidade de elaboração de uma norma internacional sobre a violência e o assédio a mulheres e homens no mundo do trabalho.

Conclui-se que a nível nacional existiam ferramentas para uma alteração legislativa anterior contribuindo, eventualmente, para amenizar o número de portugueses afetados por práticas desta realidade.

187 Torres, Anália, ob. cit. o. 126.

188 Guia informativo de março de 2013, disponível em

http://cite.gov.pt/pt/destaques/complementosDestqs/guia_informativo.pdf (consultado em 19 de janeiro de 2019)

189 Disponível em https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/107/reports/reports-to-

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