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5. O paradigma do assédio moral laboral normatização e tentativa de resolução

5.1 O contexto internacional

5.1.2 A solução Belga

A proteção do trabalhador relativamente ao assédio moral laboral encontra-se presente no diploma denominado Loi du 5 Août 1996 (146). Este regime normativo

141 Poderá ler-se “Art. L. 122-49. - Aucun salarié ne doit subir les agissements répétés de harcèlement moral

qui ont pour objet ou pour effet une dégradation des conditions de travail susceptible de porter atteinte à ses droits et à sa dignité, d'altérer sa santé physique ou mentale ou de compromettre son avenir professionnel. Aucun salarié ne peut être sanctionné, licencié ou faire l'objet d'une mesure discriminatoire, directe ou indirecte, notamment en matière de rémunération, de formation, de reclassement, d'affectation, de qualification, de classification, de promotion professionnelle, de mutation ou de renouvellement de contrat pour avoir subi, ou refusé de subir, les agissements définis à l'alinéa précédent ou pour avoir témoigné de tels agissements ou les avoir relatés”

142 Santos, Pedro Barrambana, ob. cit.138.

143 Em nosso entendimento, devem tecer-se elogios a esta medida. Entenda-se que um dos grandes

problemas da caraterização do rol de atos vexatórios como assédio moral laboral no ordenamento jurídico português passa, exatamente, pela dificuldade de prova. Ora, no caso de tentativa de ressarcimento através de responsabilidade civil extracontratual, recairá sobre o trabalhador a alegação e consequente prova dos factos constitutivos do direito menosprezado. A repartição do ónus de prova tal como mencionado na lei francesa ocorre no plano nacional no que comporta ao assédio moral laboral com fundamento em atos discriminatórios sendo de se ponderar o alargamento desta noção processual aos restantes tipos de assédio. Considerando a sua importância, este tema será retomado em capítulo próprio.

144 Santos, Pedro Barrambana, ob. cit. p. 139.

145 Esta noção de prevenção encontra-se especificada no art. L 1152 – 4 com o seguinte texto “L'employeur

prend toutes dispositions nécessaires en vue de prévenir les agissements de harcèlement moral”. A lei na sua totalidade figura disponível em https://www.ilo.org

146 Designa-se “Loi du 4 Août 1996 relative au bien-être des travailleurs lors de l'exécution de leur travail”

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determina o seu âmbito de aplicação aos empregadores e trabalhadores (art. 2º) numa lógica de equilíbrio entre as partes. Numa análise prévia do complexo normativo constata- se que o legislador pretende delimitar como poderá o bem-estar laboral ser alcançado. Desta forma, regista no art. 4.º os elementos que se devem verificar no ambiente de trabalho por forma a alcançar o objeto legislativo. Assim, considera que a prossecução do bem-estar do trabalhador se concretizará através de medidas relacionadas com os seguintes aspetos: segurança no trabalho, proteção da saúde do trabalhador, estabelecendo os aspetos psicossociais do trabalho, a higiene no trabalho.

Numa outra perspetiva incumbe o empregador de encontrar os meios necessários para promover o bem-estar, descrevendo que deve este agente evitar os riscos, combatê-los através da sua fonte e antever os riscos que não poderão ser evitados substituindo-os por meios cujo risco seja menor (art. 5.º).

Dedica um capítulo ao assédio moral, cognominando-o de “Dispositions spécifiques concernant la prévention des risques psychosociaux au travail dont le stress, la violence et le harcèlement moral ou sexuel au travail” (147).

No artigo 32.ºter procede o legislador belga à definição jurídica do assédio moral. Desta forma, enfatiza como elementos constitutivos desta realidade a reiteração dos atos com a finalidade de “prejudicar a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psicológica de um trabalhador” criando um ambiente “intimidador, hostil e degradante”. Ainda nesta definição, existe um recurso ao que teria sido preconizado por Marie France Hirigoyen (148), pois o legislador define que a criação do ambiente tóxico poderá encontrar a sua origem em palavras, intimidações, atos ou gestos. Incorpora ainda na sua definição a referência ao assédio discriminatório (149).

147 “disposições específicas relativas aos riscos psicossociais no trabalho como o stress, a violência e o

assédio ou sexual no trabalho” (tradução nossa).

148 Para maior esclarecimento vide capítulo 2, p. 21 e 22

149 Sistematiza o artigo 32ºter 2º paragrafo que “harcèlement moral au travail: ensemble abusif de plusieurs

conduites similaires ou différentes, externes ou internes à l’entreprise ou l’institution, qui se produisent pendant un certain temps, qui ont pour objet ou pour effet de porter atteinte à la personnalité, la dignité ou l’intégrité physique ou psychique d’un travailleur ou d’une autre personne à laquelle est d’application, lors de l’exécution de son travail, de mettre en péril son emploi ou de créer un environnement intimidant, hostile, dégradant, humiliant ou offensant et qui se manifestent notamment par des paroles, des intimidations, des actes, des gestes ou des écrits unilatéraux. Ces conduites peuvent notamment être liées à [l'âge, à l'état civil, à la naissance, à la fortune, à la conviction religieuse ou philosophique, à la conviction politique, à la conviction syndicale, à la langue, à l'état de santé actuel ou futur, à un handicap, à une caractéristique physique ou génétique, à l'origine sociale, à la nationalité, à une prétendue race, à la couleur de peau, à l'ascendance, à l'origine nationale ou ethnique, au sexe, à l'orientation sexuelle, à l'identité et à l'expression de genre”

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O sistema normativo belga, tal como refere Pedro Barrambana Santos, tem uma “índole repressiva e outra preventiva”. A par daquilo que tem sido concretizado compete ao empregador: adotar a organização da sua empresa de forma a reduzir os riscos de lesão, estabelecer o procedimento a acionar caso seja identificada uma situação de assédio, formar e informar os trabalhadores dos seus deveres e direitos quanto a este fenómeno (150). A perspetiva tutelar deste regime prossegue com a imposição perante o empregador de assegurar ao sujeito assediado a concessão de apoio psicológico totalmente pago pela entidade patronal. Esta decisão, no nosso entendimento, apenas trará benefícios para a estrutura empresarial dado que o trabalhador recupera a confiança que detinha e contribuirá, posteriormente, com o exercício da atividade laboral de forma motivada e com o empenho outrora aplicado (151).

Outro dos preceitos, que pela sua relevância prática merece destaque, passa pela manutenção do vínculo laboral, não obstante a procura do trabalhador assediado pela efetivação dos seus direitos. Assim, caso o trabalhador veja o seu contrato cessar devido ao recurso aos órgãos competentes para abordar a situação de assédio de que é vítima, poderá pedir a sua reintegração, devendo, para o efeito, atuar no prazo de 30 dias a contar da notificação de despedimento. Esta menção abrange, igualmente, os trabalhadores que por testemunharem a favor do agente assediado se vêm envoltos numa teia estratégica perdendo o seu sustento.

Na esfera processual realça-se a inversão do ónus da prova afastando as dificuldades sentidas pelo sujeito passivo em diversos ordenamentos jurídicos (152). Assim sendo, deverá o trabalhador apresentar os factos no processo e, automaticamente, opera a presunção da existência de assédio cabendo ao alegado sujeito ativo provar que os comportamentos enunciados não teriam o efeito opressor e ultrajante associado ao assédio.

Em nosso entendimento, esta compilação de medidas relativas ao assédio laboral demonstrou-se extremamente progressista para a época da sua elaboração. Entenda-se que nenhum pormenor tutelar do trabalhador escapou ao olhar atento do legislador

150 Seguindo a análise de Pedro Barrambana Santos, ob. ct. p. 155.

151 Será de relembrar que o assédio moral laboral comporta consequências económicas que se espelha na

diminuição de rentabilidade ou do número de trabalhadores ao serviço. Assim, a reabilitação do trabalhador assediado, ainda que com custos inerentes ao empregador, será uma medida positiva a médio/longo prazo. Não obstante, será sempre prudente a concretização de medidas preventivas.

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consagrando medidas preventivas que passam pela formação e informação sobre o fenómeno; medidas de proteção na manutenção do vínculo laboral quer do trabalhador assediado como dos seus colegas capazes de auxiliar na demonstração da existência de práticas avassaladoras para a dignidade do trabalhador, quer na concretização de fórmulas jurídicas para resolução do litigio, afastando do sujeito passivo a necessidade de fazer prova dos factos por si alegados. A nosso ver, esta lei revela-se como bastante adaptada aos casos práticos que a realidade dita.