• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV A história em Mar

4.2. A primeira crítica à economia política

Considerando a existência do debate sobre a produção marxiana, nos pareceu fundamental a análise de um autor central na construção do pensamento de Karl Marx. E aqui um autor da maior importância diante de toda uma tradição que se levantou, sobretudo, após a morte de Marx embora o tratamento não seja diretamente o conceito de história, é Friedrich Engels68.

68 O espaço não permite abordar toda extensão de pessoas que possuem fundamental

importância na formação e constituição do pensamento de Karl Marx. Por exemplo, também são da maior vitalidade as contribuições de Jenny Marx e suas filhas. No caso da mulher, não apenas como companheira de toda vida, mas como comentadora, desde os manuscritos de crítica à Filosofia do Direito de Hegel no início dos anos 40, mas todas as produções de Marx que passava por suas mãos para a reescrita e encaminhamento à publicação. Jenny não fora apenas uma copista, pois vivia ativamente a construção da luta contra a burguesia. Fundamental foi também o papel das filhas na organização a partir de Londres, não como meras secretárias, mas como organizadoras de primeira linha da internacional, já que as mulheres da família Marx colaboravam ativamente, com múltiplas jornadas de trabalho, todo o processo de organização da Internacional. Não concordamos que o papel das mulheres Marx tenha sido o da mera contemplação da Inglaterra vitoriana ou mesmo de uma subalternidade típica imposta às mulheres naquele tempo presente. Foram ativistas juntamente com Marx e que não se emblematizam como organizadoras de toda construção política revolucionária da época por conta do machismo reinante naquele momento da história (assim como neste), embora tal problemática não seja observada por nós como descredenciadora. Ao contrário disso, foram fundamentais porque também estavam a frente do seu tempo. Todavia não queremos aqui entoar a canção do anacronismo, pois há um status (ideologia) imposto às mulheres e que hoje podemos observar de forma mais sólida. Todavia, a realidade machista colocara limites violentos ao protagonismo destas mulheres o que não as impediram de serem as editoras mais diretas, mesmo que informais, de Marx. Para alguns de nossos leitores estas considerações podem parecer exageradas no que toca a contribuição como construtoras da luta contra a burguesia em seu tempo, mas basta retomarmos o papel destas mulheres durante e após a Comuna de Paris ao lado de seus companheiros que observaremos que as mulheres aqui citadas tiveram uma participação ativa tão importante quanto à de qualquer homem que se movimentava de um país ao outro para a organização da Internacional e os

Para muitos Marx está morto e de nada vale a pena qualquer tipo de consideração a partir de suas possíveis contribuições. Há ainda aqueles que defenderão a tese de que as previsões de Marx se mostraram equivocadas, portanto não seria mais possível uma interpretação da realidade que busque em Marx os fundamentos da sociedade moderna. E para dar encaminhamento, há ainda àqueles que buscam em Marx um conjunto de contribuições para o entendimento e transformação do presente como história imediata.

Em relação a primeira corrente de apologetas o equívoco está constatado já com a publicação e leitura que se realiza. Sobre a segunda, Marx apenas não se preocupou em fazer suposições desalinhadas do conceito de totalidade histórica como também não se debruçou sobre a crítica da economia política para apresentar exclusivamente uma interpretação da realidade, mas sim a transformação crítica, radical e revolucionária de seu tempo presente. Sobre a terceira, é a partir dela que procuramos em Marx um conjunto de contribuições sobre o conceito de história e tempo presente.

Essas duas categorias estão intrinsecamente ligadas na produção marxiana acerca de sua crítica à Economia Política. O presente como história é parte fundante de toda obra de Marx, pois é a partir do presente que se pode ter acesso ao processo da história que se realiza no presente imediato69. O presente

imediato é a realização (ou não) do ser social e é nele que se pode encontrar uma das chaves de compreensão das realizações do homem em sociedade.

Realizamos aqui a defesa da tese que afirma a vitalidade dessas duas categorias (história e tempo presente) ao lado da categoria trabalho. Durante a trajetória de Marx essas categorias se constituem como fundantes em toda obra marxiana, assim, nos detemos ao conceito de história e tempo presente, sem afastar-nos da centralidade do trabalho ao lado destas duas categorias que estruturam as preocupações estruturantes da tese em defesa.

levantes de resistência, nos referimos às filhas de Marx (por exemplo, Eleanor Marx, jornalista, escritora, tradutora, polemista, socialista militante que desde os 16 anos já secretariava o pai na organização do Partido e Laura, atuante fundamental durante e após a Comuna da Paris ao lado de seu companheiro Paul Lafargue) e a perseguição da reação aos comunards no continente europeu após 1871.

69 Como presente imediato, aqui, nos referimos ao tempo histórico mais imediato, mais candente

Não se trata de uma análise descritiva de história e tempo presente nas obras de Marx e sim se ocupar de como essas categorias são apresentadas ao público no ano de 1859. Para isso há que se percorrer um longo caminho que balizamos aqui a partir dos Manuscritos de 1844 até o livro Para crítica da Economia Política em Berlim de 1859. Parafraseando Marx, o leitor aqui terá que ter paciência para realizar a devida companhia, pois será imaturo apresentar resultados de algo que ainda está em andamento (no início da exposição da investigação realizada), em construção, de forma antecipada os resultados que estão por existirem antes da defesa propriamente dita de nossa tese.

A primeira crítica à economia política não foi escrita por Marx. Fora Engels o primeiro a se debruçar de forma crítica a economia política entre os anos de 1843 - 1844 quando produz em Manchester o ensaio “Esboço de uma Crítica da Economia Política”, publicado na revista Anais Franco Alemães em 184470. Ensaio este que teve emblemática influência nas preocupações de Marx, sobretudo na constituição de sua principal problematização de uma vida toda: a crítica da Economia Política marxiana. No Prefácio de 1859, diante da sua primeira versão de uma Crítica à Economia Política o próprio Marx fará referência a este trabalho de Engels como o sendo um genial esboço de crítica. Nas palavras do próprio Marx:

Friedrich Engels, com quem mantive por escrito um intercâmbio permanente de ideias desde a publicação de seu genial esboço de uma crítica das categorias econômicas (nos Anais Franco- Alemães), chegou por outro caminho (compare o seu trabalho Situação da Classe Trabalhadora na lnglaterra) ao mesmo resultado que eu; e quando ele, na primavera de 1845, veio também instalar-se em Bruxelas, decidimos elaborar em comum nossa oposição contra o que há de ideológico na filosofia alemã; tratava-se, de fato, de acertar as contas com a nossa antiga consciência filosófica (MARX, 2005, p. 53).

É importante que se dê destaque ao “intercambio permanente de ideias desde a publicação de seu genial esboço de uma crítica”, pois esta interlocução só ganhará mais fôlego até os últimos dias de Marx. Engels tem centralidade na trajetória marxiana, como crítico e como militante. Engels é que primeiro se

70 Marx tenta manter a linha de crítica, como fez contra o autoritarismo na Prússia mas o jornal é

vincula a parte do movimento operário e posteriormente convence Marx a se ligar aos Justos. O papel de Engels, assim como o segundo violino, é fundamental para a constituição do pensamento crítico marxiano, muito mais do que pressupõe ainda boa parcela de intelectuais acadêmicos que abordam este autor pelas portas dos fundos ou mesmo pela lateral marginalidade.

No texto de 1844 Engels parte de uma crítica moral da economia nacional71, apontando os seus limites no que diz respeito a sua própria constituição como ciência de uma certa dada nacionalidade. Apresenta aos seus leitores, com efeito, à Marx, uma perspectiva crítica da Economia Política que se constituirá como um dos pontos de partida para, ainda nos anos quarenta, as investigações de Marx para além da crítica da filosofia idealista, chegando até a crítica da economia política nos anos cinquenta.

Engels esboça o surgimento da economia nacional72 associando-a ao que

Marx chamou de fase de acumulação primitiva de capitais. Aponta nesta gênesis a elaboração de um sistema de fraudes consentidas que se constatou imanente à própria forma de relação social capitalista em formação e amadurecimento, ou seja, o texto consegue captar para o presente do século XIX, uma das características constitutivas das formas de produção e reprodução da vida nos moldes capitalistas de sociabilidade: fraudes, corrupção e exploração.

Vejamos como a tradução de Maria Filomena Viegas nos apresenta as palavras de Engels: