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CAPÍTULO III A história, o tempo e a tradição historiográfica

3.3. Filosofias da história e grandes narrativas no século

Durante a pesquisa procuramos entender como filosofia da história53 o conjunto de formulações teleológicas desenvolvidas distantes de um finalismo do devir, afastando-se assim de qualquer tipo de determinismo quando se referenda ao conceito de filosofia da história. Não pensamos filosofia da história como um conjunto de conjecturações descoladas das relações sociais, mas sim como um conjunto de elaborações sobre a permanente construção histórica que se faz a partir de pré-ideações iniciais que não definem em absoluto nenhum ponto de chegada com exclusividade. Isso quer dizer que a perspectiva de nossa investigação, quando tange o conceito de filosofia da história, não se reduz a uma teleologia absoluta do que virá, mas de um conjunto de relações possíveis que procura lançar compreensão sobre o devir sem a pretensão de finaliza-lo.

August Comte se preocupou com um tipo de história universal ao propor seu “Curso de Filosofia Positiva” (Cours de Philosophie Positive). Com a lei dos

três "estágios", pretende dar explicação e sentido ao processo histórico até o seu tempo presente. E certamente o faz. Uma teoria da história ganha expressão com Comte e, como pode ser verificado é de grande importância para a sua própria superação diante de outras teorias da história. Comte está vinculado a uma visão ortodoxa da construção do conhecimento, calcando em sua teoria da história um devir evolutivo no sentido de contemplar o seu presente histórico, neste caso postula um fim, diferente de Marx como apresentaremos nos demais capítulos.

53 Não ignoramos a crítica que o próprio Engels realiza as filosofias da história como abstrações

metafísicas, e ainda, as considerações do historiador brasileiro sobre a crítica de Engels as filosofias da história. Entretanto, postulamos em nossas investigações a percepção de que a generalização de “filosofias da história” não dão conta de enquadrarem todas as “filosofias”. Assim, defendemos que em Marx há uma filosofia da história onde as abstrações possuem uma base real/concreta daquilo que se postula. Assim, para Marx, filosofia e teoria da história se constituem como um pensar crítico a partir do real, de pressupostos concretos no mundo dos homens, o proletariado e a burguesia, distinguindo-se de outras filosofias da história que se ancoram em outro tipo de seres.

Essa teoria é universal, pois tem a pretensão de se aplicar a humanidade, explicando universalmente o seu desenvolvimento. Possui também o caráter nacional, assim como quase todos os autores citados no final da seção anterior. A França de Comte é o modelo exemplar de estado positivo. A razão e os valores universais a partir da França deveriam ser tomados como o emblemático da civilização. O modelo a ser concretizado em outros países “atrasados” da Europa.

Comte possui um caráter político que expressa os interesses de uma classe socioeconômica ilustrada e que será exportada para outros países, como a “Alemanha” e mesmo posteriormente, o Brasil54.

Da Prússia, Hegel está a vislumbrar todo esse processo, e provavelmente foi o primeiro pensador a captar o desenrolar da história em seu tempo presente, sobretudo sobre as revoluções burguesas na Europa Ocidental – como um novo patamar da história universal.

É Importante lembrar que o oeste da Prússia faz fronteira com a França e os ideais iluministas sempre estiveram presentes nesta territorialidade55 do que

viria a ser reconhecida como parte da Alemanha Ocidental e Luxemburgo. Hegel, semelhante à Comte, também apresenta sua teoria da história56. E o faz no

54 O positivismo Auguste Comte é marcante na constituição do movimento republicano no Brasil. A

República fora proclamada sob diversas perspectivas, uma dela não nos escapa, o pensamento de Comte se fez presente entre os intelectuais republicanos, como Benjamim Constant, que em dada medida se transformou em um norte para a ideia de progresso e ordem, até hoje estampados na bandeira deste país. A “Lei dos Três Estados de Evolução do Espírito Humano” apresenta uma filosofia da história onde o fim evolutivo, científico, correspondente à política é a república. É importante considerar a problemática da recepção de Comte no Brasil que se deu de forma bastante vulgarizada por parte da intelectualidade republicana, mais tratada como uma filosofia mais metafísica (da forma inferior que o próprio Comte criticava) do que qualquer outra coisa de cunho científico como se postulava no “curso de Filosofia Positiva”. Hoje, talvez, Comte seja mais (mal)conhecido no Brasil do que na própria França, temática esta que foge a nossa investigação. Sobre o positivismo no Brasil republicano, ver: Nady Moreira Domingues da Silva. Positivismo no Brasil. Revista Filosofia em Revista, 85.3-4, 1982. Disponível em <http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/positivismobrasilcsc.html>.Acesso em: 04/05/2015. Há também um importante artigo publicado na Revista de História da USP que colaborou fundamentalmente para nossa reflexão sobre o positivismo no Brasil de autoria de João Cruz Costa, sob o título: “O positivismo na República, notas sobre a história do positivismo no Brasil” (COSTA, 1953, p. 97-132).

55 Pensamos territorialidade para além do conceito de território político-geográfico, mas sim em um

espaço que extrapola as fronteiras nominais e se vincula ao espaço culturalmente pensado e constituído historicamente.

56 Consideramos que Hegel também propõe um fim para a história, mas em uma perspectiva

distante de Comte. É preciso considerar os limites históricos destes autores, sobretudo o de Hegel, no caso de Comte as fronteiras que permitem visualizar a sociedade capitalista já são mais amplas e no caso de Marx, este pode observar a sociedade capitalista em seu momento mais

mesmo estilo das grandes análises da história universal, entretanto, o faz reabilitando a dialética para o seu tempo presente. Hegel assim como Comte, preocupados com a história, procuram o entendimento universal instigados por suas inquietações acerca de seu tempo.

Para Hegel a Prússia teria atingido o seu estado maior de desenvolvimento e assim seria o paradigma universal da história. Seria possível aqui assinalar o caráter nacional presente em Hegel, e ainda, o germe da centralização política e do Estado Alemão.

Assim como Comte, Hegel (embora a existência de diferenças radicais sobre a história) está com os pés no tecido social da Europa. Fala a partir da Prússia, da monarquia, mas sonha com a república iluminista. Ambos, na França e na Prússia, se preocupam com o universal e o nacional a partir do posicionamento hegemônico do poder político de seu tempo presente.

Um pouco depois de Hegel, Leopold von Ranke, agora um historiador oficial do império prussiano, apresenta uma produção histórica bastante influenciada pelo pensamento nacional Alemão. Ele vivencia a centralização e criação política do Estado Alemão e vai escrever a história desse Estado. É também, considerado um dos grandes representantes do historicismo alemão. Ranke procurava leis universais que dessem sentido à história do seu tempo imediato. Postulava o cientificismo através da objetividade racional. Este foi um período repleto de grandes explicações que destacavam os grandes personagens da história, reis, príncipes, papas, entre outros personagens. Um pensador vital para a germinação (assim como os demais) de sua própria antítese. Marx é contemporâneo de Ranke, que registra à ele uma rápida crítica em carta à Engels. Vejamos este documento:

La “hija de um embajador bávaro” no es outra que la hija del berlinés Dönniges, un colega suyo en demagogia de Rutenberg y Cia. en la universidad, en su principio uno de los jóvenes amadurecido a partir da maior potencia capitalista no século XIX que foi a Inglaterra. Em Hegel o método não é mecânico, embora envolva o mecanicismo, mas sim a dialética. Nesta filosofia da história há um fim, mas não se trata de um fim mecânico. A dialética hegeliana identifica avanços e recuos da consciência no devir e mesmo diante da sua identificação como parte do todo em movimento, o reconhece-se diante do espírito absoluto não é o fim da história, mas o seu constante vir a ser, só que conscientemente do que é: a síntese de múltiplas determinações de complexos de complexos. Movimento este que não comparece na filosofia da história de Comte.

caballeros del pigmeo Ranke; o mejor, ya que no eran caballeros, jóvenes que acostumbraban a publicar espantosos viejos anales de los emperadores alemanes bajo su dirección. Lo que el fanfarrón y pequeño desenterrador Ranke consideraba espíritu de la historia – el fácil chalaneo de anédoctas y la atribuición de todos los grandes acontecimentos a causas minúsculas y ordinárias – les estaba estrictamente prohibido a essos jóvenes de tierra adentro. Ellos debían confinarse a la “objetividad”, dejando el espíritu a su maestro. Nuestro amigo Dönniges era considerado en certo modo como un rebelde, puesto que disputaba el monopólio del espíritu, mantenido por Ranke al menos en la práctica, y demostró de varias maneras que él era tan “valet” nato de la “historia” como Ranke (MARX, 1864).57

Na carta Marx demonstra mais preocupação em externar seus pensamentos sobre a morte de Ferdinand Lassalle58 e a questão política sobre

Abram Lincohn do que propriamente a Leopold von Ranke. Reprova o ilustrismo do historiador com ironia, mais o associando a um colecionador de velharias e apologeta de personalidades do que um homem preocupado com a ciência. O documento apenas emblematiza, moralmente59, o posicionamento de Marx em