• Nenhum resultado encontrado

3. SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

3.5 A PRIVATIZAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

Para atender aos objetivos da proposta de tese, torna-se importante caracterizar o processo de privatização a que foram submetidas empresas distribuidoras de energia que atuam no setor elétrico brasileiro. Para tanto, uma reflexão sobre as origens da privatização, principalmente nos países desenvolvidos, pode auxiliar no entendimento das transformações a que foi submetido esse importante setor da economia nacional.

Até o início da década de oitenta, a presença do Estado na economia dos países desenvolvidos se constituía em uma das principais características do modelo de desenvolvimento adotado por nações européias. Fundamentados em uma lógica keynesiana de valorização de aspectos sociais, tais nações vinculavam a palavra privatização ao discurso neoliberal (ROSA, 1995).

A transformação desse cenário e a consolidação do processo de privatização de empresas estatais se iniciam na Inglaterra, em função de um conjunto de iniciativas de caráter político e econômico que caracterizaram esta década e criaram o pano de fundo sobre o qual se consolidou a lógica neoliberal. Pode-se identificar o governo conservador de Margaret Thatcher na Inglaterra, o governo republicano de Reagan nos EUA, as dificuldades políticas da social democracia européia e o desmoronamento dos regimes comunistas do Leste Europeu como fatos políticos representativos do período (SAUER, 2003; ROSA, 1995).

Do ponto de vista econômico, registram-se também como fatos relevantes do período a crise econômica mundial que marcou a década de setenta, inclusive com o choque do petróleo ocorrido em 1973, e a evolução significativa ocorrida no campo da tecnologia, principalmente na área da informática, com impactos significativos sobre as diversas áreas da sociedade.

Esse cenário, marcado por um conjunto de transformações políticas e econômicas e, como conseqüência, pela substituição das soluções previsíveis pela incerteza e pelo imponderável, termina por influenciar o direcionamento de políticas de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para os países em desenvolvimento.

Tais instituições passam a identificar nas privatizações de empresas estatais um mecanismo eficiente para assegurar o pagamento das elevadas dívidas externas dos países. Sob o argumento que o processo de privatização das empresas redundaria no aumento de sua eficiência e na atração de maiores recursos para o setor, essas instituições tornam-se as maiores promotoras da política de privatização nestes países. Alias, o termo privatização, independente dos diferentes significados com que tem sido utilizado, tem sido associado de forma indevida e monolítica com uma solução intrinsecamente positiva para a economia e passível de implementação em qualquer região do planeta (ROSA, 1995).

O Brasil não foi o único País da América Latina a investir em tal processo. Como descrito anteriormente, observa-se que o processo de privatização do setor elétrico brasileiro está inserido em um amplo processo de transformações econômicas e políticas de abrangência internacional, com impactos em várias nações.

Nos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, o setor de energia elétrica se caracteriza por ser uma industria de propriedade mista e propriedade de caráter essencialmente estatal, havendo vários níveis de propriedade das empresas de energia elétrica: empresas municipais, particulares, federais e até cooperativas. No setor de geração de energia verifica-se a preponderância do Estado como principal agente. As agências municipais representam o maior número de empresas responsáveis pela distribuição de energia elétrica. Também existe uma concentração de empresas privadas em algumas regiões do País, a exemplo da Califórnia. Com relação ao processo de privatização nesse País, segundo Rosa (1995), em sua essência, a reforma americana preservou sua estrutura descentralizada possibilitando a entrada de novos geradores, sem, no entanto, haver a venda de empresas públicas.

Na Argentina, o sistema elétrico era caracterizado por possuir grandes empresas estatais geradoras e uma malha de empresas distribuidoras locais que compravam energia destas geradoras. O processo de privatização desse setor do País redundou no desmembramento tanto de empresas geradoras como empresas de distribuição de energia elétrica. Usinas e empresas de distribuição foram privatizadas. Também foi criada uma agência nacional responsável pela regulação do setor.

A experiência do Chile demonstra que até 1980 havia duas grandes empresas estatais responsáveis pela maior parte da geração e da distribuição de energia elétrica no País. No inicio da década de oitenta, um processo de desverticalização do setor, separou as grandes empresas em diferentes empresas de geração e distribuição de energia. Tal fato possibilitou que o processo de privatização se iniciasse ainda nesta década e fosse concluído na década de noventa. O processo de privatização de empresas estatais chilenas foi precedido por um processo de reestruturação do setor que envolveu a participação de fundos de pensão e trabalhadores na aquisição de ações das empresas.

No caso específico do setor elétrico brasileiro, o processo de privatização de empresas estatais se insere dentro de uma proposta de liberalização da economia nacional, incentivada por agentes internacionais e consolidada principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso através de seu programa de desestatização (SAUER, 2003).

Segundo Pinheiro (2000), a privatização no Brasil foi, acima de tudo, uma resposta pragmática aos problemas macroeconômicos de curto prazo, causados principalmente pelo estado de desordem das contas fiscais do País. Aspectos que sempre se fizeram presentes nas discussões sobre a privatização de empresas públicas, como a questão da segurança nacional e o risco da desestatização da economia, perderam força para temas mais relacionados com o preço de vendas das empresas e o nível de qualidade dos serviços a serem prestados.

A justificativa para a implementação do processo de privatização no setor elétrico nacional encontrou justificativas na profunda crise institucional do setor e na incapacidade de investimento em expansão e novas tecnologias por parte do

Estado. O mecanismo de privatização de empresas estatais foi acompanhado de um conjunto de outras intervenções no sentido de reestruturar radicalmente o modelo institucional do setor elétrico.

A proposta para a reestruturação do setor elétrico se caracterizou por uma estratégia gradativa de redução da dívida pública e um pretenso aumento da eficiência de suas empresas. O modelo adotado é fundamentado na desverticalização do sistema elétrico, diferenciando-se o tratamento destinado às áreas de transmissão e distribuição de energia elétrica (áreas monopolistas, com mercado consumidor cativo) e as áreas de geração e comercialização de energia (mercado competitivo). Complementa a proposta a instituição de uma agência independente com o objetivo de exercer a regulação técnica e econômica do setor, agora inserida em um ambiente de competitividade estimulada.

O processo de privatização, que se iniciou em 1995 com a promulgação da Lei nº.8987/95 que dispõe sobre o regime de concessões e permissão da prestação de serviços públicos, foi consolidado durante os dez anos seguintes. Em 2000, sessenta e cinco por cento das empresas distribuidoras de energia elétrica do País já se encontravam privatizadas (PIRES, 2003), inclusive as empresas objeto de estudo nesta pesquisa.

Esse processo foi viabilizado pelo programa de Estímulo às Privatizações Estaduais (PEPE), criado pelo governo federal, através do qual o BNDES antecipava recursos financeiros para as empresas a serem submetidas à privatização, viabilizando-se o retorno deste financiamento através de recursos obtidos com a venda destas empresas em leilões públicos, após a aprovação das Assembléias legislativas Estaduais. A Tabela 1 apresenta um quadro resumo sobre a situação de algumas empresas deste setor, adotando como referência o ano de 2000.

O processo de privatização, ao longo de sua execução, foi objeto de uma série de críticas de estudiosos da área. Entre estas críticas destacam-se questões relacionadas aos baixos valores obtidos na venda das concessões frente ao real valor econômico das empresas, a perda de qualidade dos serviços prestados, a dispensa maciça de profissionais altamente qualificados, a queda acentuada de

investimentos, principalmente na área de geração de energia, e a elevação progressiva das tarifas, sobretudo no setor residencial (SAUER, 2003).

Tabela 1 - Processo de Privatização do Setor Elétrico Brasileiro (1995-1999)

Fonte: BNDES (apud SAUER, 2003).

Obs: (*) Participação: Distribuidoras, por Energia Vendida e Geradoras, por Geração Bruta Total; (**) A EDP (Portugal) adquiriu 73% do Grupo Iven em 25/08/99.

Segundo SAUER (2003), após quase uma década de implementação, a proposta de desverticalização do setor elétrico brasileiro, complementado por um processo intenso de privatização, não tem apresentado os resultados esperados pela sociedade brasileira. Ao contrário, terminou por gerar uma crise no setor, caracterizada pelo racionamento de 25% do consumo de energia elétrica a que foi submetida a sociedade entre os anos de 2001/2002, apesar das condições hidrológicas de seus rios se encontrarem em condições normais.

O Governo Federal tem empreendido esforços no sentido de superar os problemas apresentados por esse modelo, apresentando como soluções alternativas que alteram sua estrutura institucional.

Com vistas a identificar as causas dos problemas enfrentados pelo setor, em vinte e dois de Junho de 2001, a Câmara de Gestão da Crise Energética (CGCE) criou o comitê de Revitalização do Modelo do Setor elétrico. Esse comitê assume a responsabilidade de encaminhar propostas para corrigir as disfunções correntes e propor aperfeiçoamentos para o referido modelo (MME, 2002). Em trinta de junho de 2002 é criada a Câmara de Gestão do Setor Elétrico, em substituição à CGCE, que assume a responsabilidade de terminar os estudos relativos à revitalização do setor.

Em novembro de 2002, o comitê elaborou o Relatório de Progresso Número 4, abordando uma série de temas importantes para o setor e objeto de análise do comitê. Entre os temas destacam-se a normalização do funcionamento do setor elétrico, o aperfeiçoamento do mercado de energia elétrica, a garantia de expansão da oferta, a monitoração da confiabilidade de suprimento, a Política energética, questões relativas à transmissão, à Política tarifária e defesa da concorrência e o aperfeiçoamento institucional do MME e Operador Nacional do Sistema (NOS).