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PRIMEIRA PARTE

A PROBLEMÁTICA DA ADAPTAÇÃO

«A noção mais lata do processo de adaptação tem muito em comum com a teoria da interpretação, pois a adaptação é, em grande medida, a apropriação do significado de um texto prévio»234.

1.1. Clarificados os aspectos que nos parecem mais pertinentes na abordagem à obra narrativa e justificada a possível inclusão do cinema no contexto de uma análise narratológica, resta-nos tocar directa e especificamente na questão da chamada ‚adaptação cinematogr{fica‛235, enquanto processo através do qual uma obra literária com as caracte- rísticas referidas é utilizada como fonte (narrativa, estética, significa- tiva) e/ou suporte estrutural de uma outra obra veiculada através da imagem e do policódigo cinematográficos, cujos traços essenciais aca- bamos igualmente de referir.

Antes de mais, importa notar que a principal razão que nos leva a considerar este fenómeno – efectivado no caso das obras que aborda-

234 Andrew, 1984: 97.

235 Note-se que a adaptação pode ser tomada no sentido inverso, isto é,

da passagem do filme para o livro – fenómeno que tem sido abordado por diversos estudiosos, que procuram determinar as influências mútuas entre o cinema e a literatura – ou até ser aplicada a outro tipo de transcodificação intersemiótica. A nós interessa-nos, porém, circunscrever por agora a questão à tradução do romance em linguagem cinematográfica.

mos – é a constatação da abundância esmagadora, desde o nascimento do cinema, de casos em que é claro e explicitamente invocado e con- cretizado o propósito de ‚adaptar‛ um romance, uma novela ou um conto ao cinema. Não sendo o nosso interesse fundamental o de inves- tigar as razões e implicações globais de tal facto, que ultrapassam a abordagem semiótica e narratológica da literatura e do cinema, não podemos deixar de lhe dedicar alguma atenção, até porque se trata de um assunto que tem causado larga discussão técnica e teórica nos últimos 50 anos e que, obviamente, se relaciona com o âmbito da reflexão de que aqui nos ocupamos.

McFarlane frisa, realisticamente, que o critério do lucro foi, e continua a ser, muitas vezes, o factor decisivo na adaptação de roman- ces ao cinema, mas não deixa de considerar a possibilidade de uma razão mais profunda na origem desse impulso e do seu frequente sucesso: «Existe, parece, uma urgência em dar corpo aos conceitos verbais através da concretude da percepção»236. Outros, como por exem- plo o cineasta Manoel de Oliveira, vêem numa específica propriedade narrativa da literatura o motivo da sua transposição – confrontado com a pergunta sobre o facto de ter adaptado tantos romances, novelas ou contos, o cineasta respondeu-nos simplesmente: «É por causa da história»237. Citando Morris Beja, McFarlane dá a entender que, seja como for, contra factos não h{ argumentos: «*<+desde o começo dos prémios da Academia em 1927-28, ‚mais do que três quartos dos pré- mios para ‘melhor filme’ foram para adaptações‛»238. Todos conhecemos

236 McFarlane, 1996: 8.

237 Resposta dada pelo realizador na entrevista, já citada, que nos concedeu

na Quinta das Lágrimas, em Outubro de 1996.

238 Beja apud McFarlane, 1996: 8. Poderá objectar-se que tal raciocínio se aplica

apenas ao caso de Hollywood, bem diferente do resto do mundo, mas a verdade é que é o britânico Peter Reynolds quem afirma, estendendo a consideração a outros tipo de adaptações: «É difícil pensar numa obra de ficção bem conhecida que não tenha sido adaptada ao palco, à televisão ou ao cinema» e acrescenta também uma frase de Beja, colhida na página anterior do mesmo livro que citámos: «Dos vinte maiores sucessos de bilheteira de todos os tempos, os quatro que não eram adaptações foram transformados em séries». Do mesmo modo, também Dudley Andrew (1984) estima que mais de metade dos filmes comerciais se baseiam em livros, e James Naremore (2000) afirma que a revista Variety publicou estatísticas que indicavam que 20% dos filmes produzidos em 1997 provinham de romances,

o argumento, e temos a experiência vivida, que evidencia o facto de muitas obras literárias de qualidade terem dado origem a filmes menores239, assim como muitos romances de segunda ou terceira categoria terem servido de ponto de partida para filmes famosos240. Embora não tendo a pretensão de investigar agora o porquê de tal realidade, estamos convencidos de que a questão tem mais que ver com a eficácia e genialidade dos respectivos autores e realizadores (como, aliás, os diversos exemplos referidos abaixo em relação às versões de Great Expectations ou de Madame Bovary evidenciam) do que com características intrínseca e exclusivamente literárias ou cinematográficas ou com graves impossibilidades técnicas. As diferentes aptidões dos dois ‚meios‛, com as correspondentes e j{ citadas dificuldades respectivas num ou noutro campo, não são, quanto a nós, as principais responsáveis pelo sucesso ou insucesso de um livro ou de um filme – ou de um filme baseado num livro–, mas sim a capacidade de produção de obras coesas, esteticamente ricas e equilibradas na sua relação forma-conteúdo. Aliás, é sobretudo com base em obras de reconhecida qualidade que se deve desenvolver o estudo da adaptação, pois elas serão, obviamente, mais elucidativas quanto aos procedimentos intrínsecos ao processo do que aquelas que manifestam clara debilidade estética e/ou comunicativa.

enquanto que mais 20% tinham na sua origem peças de teatro, espectáculos de TV, artigos de jornais ou revistas, etc.., ou seja, não partiam de argumentos ‚originais‛.

239 É o caso, por exemplo, do romance de Dickens Great Expectations, cuja

versão de Alfonso Cuarón (1998) deixou muito a desejar, (ao contrário de outras adaptações anteriores, respectivamente de Stuart Walker, David Lean e Joseph Hardy); é também o caso do romance de Nabokov Lolita, sofrivelmente adaptado ao cinema por Stanley Kubrick em 1962 (e cuja versão posterior, por Adrian Lyne revela maior consistência), ou, entre muitos outros, o caso das versões de Madame Bovary de Flaubert realizadas por Jean Renoir em 1934 e por Claude Chabrol em 1991, de êxito mais discutível ainda do que a de Vin- cent Minnelli (1949).

240 Lembremos, por exemplo, Laura, de Otto Preminger (1944), baseado

no romance de Vera Caspary; o ‚western‛ The Man who shot Liberty Valance, realizado por John Ford (1962) com base no romance de Dorothy Johnson; ou o célebre Out of Africa realizado por Sydney Pollack em 1985 a partir das memórias autobiográficas de Karen Blixen.

Sara Cortellazzo e Dario Tomasi241 chamam a atenção para aquilo que apelidam de «mau hábito» na abordagem dos problemas da adaptação, e que consiste num errado critério de escolha das obras a estudar, quase sempre determinado mais pela qualidade do romance do que pela do filme. Ora, sendo a adaptação um fenómeno que – não só, mas essencialmente – diz respeito ao cinema, deveria partir da perspectiva oposta, isto é, de uma selecção que privilegiasse os filmes de qualidade.

Não é nosso objectivo específico o estudo do fenómeno da adap- tação em si mesmo, com todas as implicações técnicas, estéticas, cultu- rais, industriais, sociais e financeiras que envolve, mas sim, como temos vindo sempre a sublinhar, a análise da dimensão narrativa pre- sente nos dois meios expressivos de que nos ocupamos (isto é, mais do que com o cinema, lidamos aqui com os filmes), nomeadamente atra- vés da sua componente temporal, análise essa que, na sua vertente comparativa (enquanto processo de intercâmbio inter-artes, diálogo textual e, de algum modo, de tradução) nos parece poder também contribuir, indirecta mas eficazmente, para o avanço dos estudos sobre o fenómeno da adaptação na sua globalidade. Alguns dos teóricos que têm produzido as reflexões mais actualizadas sobre este fenómeno, como McFarlane e James Naremore, entre outros, têm reconhecido o carácter inconclusivo da maioria dos estudos sobre a adaptação, mais preocupados em descrever a diversidade de soluções encontradas pelos realizadores para transpor para o ecrã as narrativas literárias ou em explicar a dinâmica dos processos de adaptação do que em apro- fundar a natureza do cinema como arte ou em procurar as implicações teóricas, estéticas, culturais e sociais da relação entre o cinema e a lite- ratura. Por isso, Naremore lança o seguinte repto: «Gostaria de sugerir que aquilo de que realmente precisamos é de uma definição mais alar- gada de adaptação e de uma sociologia que leve em consideração o aparato comercial, a audiência e a indústria da cultura académica»242.

Estando nós convencidos de que a narratividade é o elo mais sólido e fecundo na aproximação da linguagem literária à cinemato- gráfica, através da análise do modo como a consecutividade temporal das unidades narrativas de ambos os sistemas semióticos se articulam,

241 Cortellazzo; Tomasi, 1998: 10-12. 242 Naremore, 2000: 10.

e tendo consciência da vastidão do problema da adaptação quando tomado em todas as suas implicações (de entre as quais a questão nar- ratológica é apenas uma dimensão, por mais crucial que se apresente), não podemos deixar de reafirmar a delimitação clara da nossa pers- pectiva, por um lado, mas, por outro, consideramos igualmente dever referir algumas reflexões que, sem serem exaustivas, pretendem cha- mar a atenção para pontos essenciais da questão, com os quais inevitá- vel e tangencialmente nos cruzámos. Ao mesmo tempo procuramos tomar uma posição crítica sobre determinados aspectos – e, no nosso entender, sobre determinadas confusões – que habitualmente dificul- tam ou desviam mesmo erroneamente a abordagem do problema.

Antes de mais, é útil definir com maior rigor aquilo a que se refere a expressão ‚adaptar‛ tal como a utilizamos presentemente – expressão, aliás, pouco feliz, porque implica indirectamente a ideia de uma subordinação do objecto de chegada ao texto de partida. Dudley Andrew fornece-nos, porém, uma definição de adaptação que nos parece muito pertinente: «A sua característica distintiva [é] a equipa- ração [matching] do sistema semiótico do cinema a uma realização anterior de outro sistema. *<+ a adaptação é, em grande medida, a apropriação do significado de um texto prévio»243.

Esta definição tem o duplo valor de, sem proclamar a submissão do texto de chegada ao de partida, colocar a discussão do problema no território da análise textual e da relação intersemiótica, por um lado, e de considerar, por outro, que o fundamento desta abordagem se situa – como, aliás, desde logo explanámos no início deste trabalho – ao nível da interpretação, ou seja, toma a adaptação como fenómeno que propõe uma leitura, estabelecendo os sentidos (e/ou significados) das obras, expressos através da multiplicidade e da inter-relação dos diversos níveis que as constituem, e reelaborando, a partir do encontro com essa visão, um novo objecto artístico de pleno direito. Ricoeur propõe precisamente, para a definição de interpretação, o conceito de «apropriação de sentidos», clarificando: «Enquanto apropriação, a interpretação torna-se um acontecimento *<+. Aquilo de que importa apropriar-se é o sentido do próprio texto, concebido de um modo dinâmico como a direcção do pensamento aberta pelo texto. Por outras

palavras, aquilo de que importa apropriar-se nada mais é do que o poder de desvelar um mundo, que constitui a referência do texto244».

Concebida deste modo, a adaptação revela-se como fenómeno que, a partir da heterogeneidade da matéria de expressão cinematográ- fica, representa uma particular cosmovisão operada pela assimilação e reinterpretação da gramática e da matéria de expressão do texto ver- bal. Tal processo evidencia-se através de um conjunto de operações que possibilitam a constituição de um novo mundo que, sem deixar de manifestar a sua própria autonomia e a sua unidade, revela uma rela- ção semiótica com um universo que lhe é prévio. Falar de transcodifi- cação intersemiótica não significa, pois, falar de mera passagem equi- valente de um sistema a outro, mas sim sublinhar o inevitável processo interpretativo e transformador que essa passagem implica. A adaptação depende de um processo de leitura, mas ultrapassa-o, dando origem a um novo objecto artístico com existência e significado próprios.

Este modo de concepção do fenómeno, que aponta para o valor comunicativo das obras (tanto da original, literária, como da posterior, fílmica), levanta, por isso, de imediato, a pergunta vital sobre a possi- bilidade de existência de alguma ‚coisa‛ (a «referência» textual) que possa ser ‚transferida‛ de um sistema semiótico para outro. Andrew chama-lhe, primeiramente, «realização», «empreendimento» («achievement»), e acaba por dizer, depois, claramente, que se trata de um «significado» ou «sentido» («meaning»). McFarlane complementa esta mesma ideia com o fornecimento de uma distinção mais precisa – «O seu objectivo é oferecer uma experiência perceptual que corresponda àquela que se obteve conceptualmente»245- , afirmando assim, indirectamente, que entre a experiência conceptual da leitura literária e a experiência perceptual da recepção cinematográfica246

244 Ricoeur, 1987: 104. O sublinhado é nosso, e tem a utilidade de apontar

para o facto de Ricoeur não se referir a nenhuma realidade independente do texto (j{ que o sentido ‚resulta‛ do próprio texto) nem de natureza psicológica – como tantas vezes aconteceu, num modo de conceber interpretação como identificação das intenções do seu autor. Umberto Eco sublinha, também, pela mesma razão, o carácter dinâmico da leitura como processo que procura o «instável equilíbrio entre a iniciativa do intérprete e a fidelidade à obra», na busca da determinação dos referentes instaurados pelo texto. Eco, 1992: 17.

245 McFarlane, 1996: 21.

246 O cinema do pós-guerra foi marcado por uma reflexão que procurava

não existe uma identificação, mas pode existir uma «correspondência», uma resposta afectiva, emotiva e significativa ‚semelhante‛. A grande questão é, pois, a da definição daquilo em que consiste esta correspondência – cuja consideração tem, inevitavelmente, de partir do facto de haver a precedência de uma obra em relação à outra –, embora essa noção tenda a ser hoje em dia desvalorizada, em nome da recusa, muito generalizada, do valor do problemático conceito de ‚fidelidade‛247.

É significativo notar que, embora a tendência mais recente dos estudos sobre a adaptação tenha a preocupação de denunciar o peso excessivo e por vezes pernicioso da noção de ‚fidelidade‛ – McFarlane di-lo claramente: «A discussão sobre a adaptação tem sido corrom-

ção à literatura, falando de escrita a propósito do acto cinematográfico. Um dos principais documentos da época foi o «Manifeste de la Caméra-Stylo», de Alexandre Astruc (in L'Écran Français, Mars 30, 1948), que forneceu a base teórica para o chamado cinema «de autor», onde se insistia que a escrita cine- matográfica devia ser tão flexível, livre e expressiva como a literária. A mesma ideia alimentou o pensamento posterior de muitos outros críticos, como Christian Metz, Roland Barthes e, principalmente, Marie-Claire Ropars-Wuil- leumier, que na sua conhecida obra De la Littérature au Cinéma: Génèse d'une

Écriture (1970) defende o cinema como «escrita do movimento». Nesta linha de

análise a percepção cinematográfica pode igualmente ser encarada como um tipo de "leitura" com específicas características.

247 James Naremore faz, na Introdução do livro que editou, Film Adapta-

tion (2000), uma síntese bem elaborada e rica de informação sobre a história da

adaptação cinematográfica desde o seu início, mostrando como as relações entre o cinema e a literatura têm vivido períodos muito diferentes e por vezes antagónicos, que vão desde o preconceito generalizado a favor do valor supe- rior da literatura, até à busca de uma respeitabilidade por parte do cinema, passando por épocas de grande entusiasmo (e até incentivação política e ideológica) com o fenómeno da transposição de textos literários para o ecrã, momentos de resistência a essa ‚política‛ e, sobretudo a partir dos anos 60, surgindo os estudos mais sérios e sistemáticos do fenómeno, procurando defini-lo segundo modelos de ‚metamorfose‛, ‚tradução‛ ou “performance”, quase todos orientados para a questão da (in)fidelidade. Os estudos mais recentes tendem a colocar o problema ao nível de conceitos como a intertex- tualidade e o dialogismo, propondo, inclusivamente, uma abordagem das noções de arte como imitação e das teorias da repetição.

pida248 pela questão da fidelidade»249 – todos os teóricos acabam, de uma maneira ou de outra, por orientar a investigação na busca da identificação dos aspectos que podem, de facto, ser transferidos de um sistema para o outro, por oposição àqueles que inevitavelmente sofrem radicais transformações, ou seja, a abordagem do problema parece não poder escapar à dicotomia permanência-mudança ou, para dizer de outro modo, identidade-alteridade. Ginette Vincendeau, na pertinente recolha que fez de artigos da revista Sight and Sound, depois de subli- nhar que os autores dos mesmos procedem do jornalismo de cinema, da área de estudos cinematográficos, ou são argumentistas, não deixa de constatar: «Apesar da imensa variedade de possíveis relações entre o livro de origem e a sua adaptação cinematográfica, a fidelidade per- manece teimosamente como o critério crítico, tal como se pode ver tanto na literatura geral sobre o assunto como nos artigos e recensões críticas deste livro»250.

Verificamos, assim, uma preocupação generalizada com a defini- ção do fenómeno consoante a maior ou menor ‚liberdade criativa‛ dos realizadores e com a distinção sistem{tica dos v{rios ‚tipos‛ de adaptação, isto é, com a separação entre aqueles processos que se podem, em rigor, denominar de adaptação e aqueles que deverão antes ser definidos com uma diversa terminologia, como por exemplo «transferência», «comentário», «analogia», «transposição», etc. De entre as várias propostas, que exemplificaremos, sublinhamos as dis- tinções dicotómicas operadas por MacFarlane e por Barthes, que se revelaram particularmente fecundas neste trabalho.

McFarlane é precisamente um dos autores que, embora recusando à partida o conceito de fidelidade, como vimos, afirma ser necessário distinguir entre a dimensão narrativa e a dimensão enunciativa do romance e do filme, a fim de concluir que enquanto que a primeira (que diz respeito à «série de eventos, ligados de modo causal e envolvendo um conjunto contínuo de personagens que influenciam ou são influenciadas pelo curso dos eventos», ou seja, a story, os «raw

materials»)251 é passível de ser transferida sem que seja afectada nas suas

248 O termo, numa tradução literal, corresponde a «diabolizada» – «bedevilled». 249 McFarlane, 1996: 8.

250 Vincendeau, 2001: xiii. 251 McFarlane, 1996: 12 e 23.

componentes fundamentais, a segunda (que tem que ver com a escrita, os significantes da narratividade, ou seja, com «todo o aparato expressivo que governa a apresentação – e a recepção – da narrativa»)252 sofre uma verdadeira adaptação, isto é, uma transformação radical, uma vez que é directamente dependente dos diferentes sistemas semióticos.

Barthes, por seu turno253, sublinha que qualquer narrativa é constituída por diversas funções significativas, e divide-as em dois grupos: as «funções» propriamente ditas (ou «distribucionais», que têm que ver com o plano horizontal do «fazer», portanto com as acções e os acontecimentos) e os «índices» (ou funções «integracionais», que dizem respeito ao plano vertical do «ser», portanto têm que ver com a informação relacionada com as personagens, a sua identidade, a atmosfera, a representação do espaço, etc.). Para Barthes aquilo que é transferível de um meio para o outro são as funções e não os índices, que necessariamente têm de ser modificados.

Outros autores, como Geoffrey Wagner e a dupla Michael Klein e Gillian Parker (todos eles citados por McFarlane254), procuram distin- guir diversas categorias da adaptação cinematográfica consoante a sua relação com a obra literária, isto é, consoante a sua maior ou menor ‚fidelidade‛ ao texto original. Assim, por exemplo, para Wagner, a «transposição» representa a passagem que aparentemente não implica qualquer «interferência» fundamental, o «comentário» é a adaptação que, deliberadamente ou não, altera determinados aspectos sem, no entanto, chegar a uma «total violação» do texto, e a «analogia» repre- senta a opção pela realização de uma obra de arte totalmente distinta e autónoma em relação à primeira.

Para Dudley Andrew255 são também três as atitudes possíveis: «empréstimo» («Aqui o artista emprega, de modo mais ou menos extenso, o material, a ideia, ou a forma de um texto anterior e geral- mente bem sucedido»), «intersecção» («Aqui a singularidade do texto original é preservada a um tal ponto que não chega a ser assimilada pela adaptação») e «transformação» («Aqui assume-se que a tarefa da adaptação é a reprodução no cinema de algo de essencial num texto

252 Idem, Ibidem: 20 e 26. 253 Cf. Barthes, 1977: 88-97. 254 Cf. McFarlane, 1996: 10-13. 255 Andrew, 1984: 96-106.

original»). Andrew considera que só este terceiro caso se preocupa com a questão da fidelidade «à letra» ou «ao espírito» do texto original e que só aqui entra em jogo a especificidade dos dois sistemas semióti-