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A produção pós BNH e o início de uma mudança de paradigma (1986 – 2002)

Mapa 8 – Aracaju: Mapa Síntese das Políticas de HIS em Aracaju

1.3 A produção pós BNH e o início de uma mudança de paradigma (1986 – 2002)

FASE VI – Nova República (1985 – 1994)

Após 20 anos sob o domínio do regime autoritário da ditadura militar, o Brasil volta a escolher, por eleições diretas o seu novo representante presidencial: Tancredo Neves. Este, que era a esperança do povo brasileiro, faleceu antes de sua posse, assumindo o governo federal, seu vice José Sarney.

Com o objetivo intervir na crise econômica e financeira criou-se o plano cruzado. No início de 1985, quando se implantou a Nova República, o quadro habitacional apresentava um baixo desempenho e uma alta inadimplência. Logo, “juntamente com a contenção de gastos públicos, viria a extinção de órgãos, inclusive o BNH, em 1986 [...] O saque maciço das cadernetas de poupança descapitalizou o BNH.” (TASCHNER, 1997, p. 20).

Foi sob a égide da insatisfação popular que esta fase da política pública se constituiu. Desde 1964, quando o estado passou a intervir efetivamente na política habitacional, observou-se uma sucessão de políticas que almejavam objetivos políticos ou econômicos, em prol do próprio Estado e do seu poder, ou das classes dominantes. Segundo Souza (1996) a

oposição ao regime ditatorial aguçou ainda mais as críticas em torno do Estado, e a partir dos anos 80 esse processo ganhou força, iniciando assim um período de reflexão em torno dessa política que a autora denomina de “modelo central-desenvolvimentista”.

Criticavam-se, entre outros, a centralização de poder no Executivo, a deterioração ambiental, as obras faraônicas e de resultado discutíveis, a ineficácia de um planejamento urbano burocratizado e o elitismo da legislação urbanística, a falta de propostas para a cidade real e os critérios financeiros que regiam a política habitacional. (SOUZA, 1996, p. 24).

A autora acrescenta que, com isso, ganhou força o debate que defendia a participação comunitária e o respeito ao meio ambiente, além de levantarem novas formas de gestão dos empreendimentos habitacionais, como a autogestão e a cogestão, que se tornaram cada vez mais adotadas pela iniciativa local, uma vez que a política do SFH vinha perdendo a sua força.

Apesar da retórica reformista, a política financeira das novas autoridades não só aumentou consideravelmente o déficit do SFH, como o transformou em um instrumento que beneficiou enormemente os mutuários das faixas mais altas. (AZEVEDO, 1996, p.8)

De acordo com Rolnik e Cymbalista (1999) a união da população formando o Movimento pela Reforma Urbana que precedeu a Constituição de 1988, foi fundamental para assegurar que a legislação fosse revista com base na Emenda Popular da Reforma Urbana, o que resultou no capítulo de Política Urbana da constituição, que visa garantir a função social da propriedade através dos artigos 182 e 183, que deram origem ao Estatuto da Cidade.

Muito antes da aprovação do Estatuto e dos seus instrumentos urbanísticos algumas prefeituras já se basearam na política fundiária discutida pelo Movimento pela Reforma Urbana, no tocante à questão do acesso ao solo urbano para a população de menor renda: reconhecimento do direito de posse e de integração à cidade daqueles que constituíram as favelas e ocupações e combate à retenção especulativa de terrenos.

No nível local, experiências como o Programa de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) em Recife, o Profavela em Belo Horizonte, as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) em Diadema, todos iniciados na década de 1980 ou início da década de 1990, estão entre as primeiras aplicações práticas dessas novas abordagens. (ROLNIK e CYMBALISTA, 1999, p. 9).

Segundo AZEVEDO (1996) após 1988 a produção habitacional das COHABs decaiu muito. Enquanto no ano de 1987 foram financiadas 113.389 unidades habitacionais, em 1988 apenas 30.646 foram financiadas. Esta queda drástica na produção habitacional dos Estados brasileiros se deu por conta de uma resolução do Conselho Monetário Nacional restringiu o

crédito das COHABs. A consequência dessa falta de recursos foi que as COHABs passaram a produzir, por meio de seus programas tradicionais de habitação para uma população de poder aquisitivo um pouco mais alto, por volta de 5 salários mínimos.

Seja pela redefinição institucional acentuadamente municipalista promovida pela nova Constituição de 1988, seja pela iniciativa dos novos governos municipais eleitos na década de 80, ou, ainda, como reflexo da desarticulação institucional dos sistemas estaduais de habitação e da retração e fragilidade das políticas federais, houve um efetivo processo de descentralização e municipalização das políticas habitacionais, a partir de meados dos anos 80. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 11).

Com a eleição do presidente Collor, após trinta anos sem eleições diretas, o povo brasileiro acreditava em mudanças e na modernização das políticas no Brasil. Realmente Collor apresentou propostas arrojadas, “no entanto, a retórica da modernidade de Collor materializou-se em propostas de política de habitação que tinha uma orientação pró mercado, visando abastecer o mercado, através da concessão de condições operacionais favoráveis a empresas privadas.” (VALENÇA e BONATES, 2010).

“Ao invés de subsídios para os pobres, o governo propôs o desenvolvimento de modernos instrumentos de mercado para beneficiar a prestação de habitação social” (VALENÇA e BONATES, 2010). Logo, os programas do referido governo não atenderam as classes de baixo poder aquisitivo, e consequentemente mais necessitadas.

Os autores acrescentam que, com o impeachment de Collor, Itamar Franco assumiu o governo. Durante esse período, a política habitacional manteve-se sem grandes alterações, apesar da implementação do Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH) e do lançamento dos programas Habitar Brasil e Morar Município, que visavam construir unidades habitacionais em cidades de pequeno e médio porte.

Taschener (1997) afirma que a falta de uma política de âmbito federal mais forte e bem definida acarretou em iniciativas próprias de formulação de propostas de financiamento, construção e distribuição de moradias por parte dos governos estaduais e municipais.

Na Nova República, discurso e prática nem sempre vinham juntos. Apesar da retórica dos governos Sarney e Itamar, as ações na área de habitação foram pontuais e incrementalistas, tentando, no máximo, resolver problemas de curto prazo sem preocupação sobre os impactos futuros. Não houve regras bem definidas na alocação de recursos. As práticas se revelaram clientelísticas. (TASCHNER, 199, p. 25).

FASE VII – Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002)

Neste momento, Taschener (1997) evidencia a diminuição na produção habitacional, em comparação ao período anterior (SFH/BNH), e um aumento significativo da população urbana no Brasil.

Até a extinção do BNH tinham sido financiadas 4,4 milhões de moradias, cerca de 24% do total do aumento de moradias no Brasil. Isto dava uma média de 200 mil casas por ano, embora na sua época de apogeu, fim da década de 70 e início dos 80, o SFH financiasse uma média de 400 mil novas unidades residenciais por ano, tendo alcançado seu ápice em 1980, com mais de 627 mil unidades (MENDONÇA DE BARROS, 1997 apud TASCHENER, 1997, p. 26).

Já no período entre 1986 e 1996, a média caiu para 110 mil unidades por ano, para uma população que dobrou entre 1964 e 1996. “O SFH não está parado, mas, como se pode ver, está muito desorganizado. A produção total de moradias no país é muito maior do que o SFH tem conseguido financiar.” (TASCHNER, 1997).

Com o lançamento do Plano Real, que se constituiu como grande promessa para crise econômica e desvalorização da moeda brasileira, mais uma vez renovaram-se as esperanças dos cidadãos. Porém, na tentativa de manter a nova moeda em alta, o governo de FHC contraiu dívidas e passou a investir pouco nas causas sociais. (VALENÇA & BONATES, 2010).

Embora existam críticas a respeito da política desenvolvida nesta fase, foram listadas abaixo algumas das iniciativas consideradas significativas pelos autores estudados neste compêndio.

Valença e Bonates (2010) citam que, em 1998, foi lançado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF). Apesar do PAR não atender as classes com renda de menos de 3 salários mínimos, é considerado pelos autores como um programa eficiente.

O programa foi muito bem sucedido na produção de 681 conjuntos habitacionais, com 88.539 unidades habitacionais em todo o país a partir de 1999 a 2002. Durante o governo Lula, foram introduzidas alterações, a fim de reduzir os custos do aluguel mensal e ampliar o alcance social do programa. (VALENÇA & BONATES, 2010). Taschner (1997) cita dois aspectos diferenciados da política habitacional de FHC: a elaboração de um diagnóstico sobre o déficit habitacional elaborado pela Fundação João Pinheiro, que constatou um déficit habitacional de 4,6 milhões em novas moradias somados a

5,3 milhões de unidades habitacionais que necessitam de algum tipo de melhora de infraestrutura; e a criação de um novo sistema de financiamento habitacional, o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), que diferente do SFH capta recursos diretamente do mercado de capitais, e também da poupança e do FGTS. Porém, neste novo sistema “faz-se clara a distinção ente o financiamento da população de baixa renda, que necessita de algum tipo de subsídio, e que continuará a ser financiada com recursos do FGTS, das outras camadas populacionais” (TASCHNER, 1997, p. 30)

Segundo a autora, neste momento o crédito passa a ser concedido diretamente ao comprador (por meio de cartas de crédito), e não ao produtor, como era feito nos períodos anteriores. Esta ação aumentou o poder de barganha do comprador, além de valorizar imóveis usados. Porém esta política apresentou um entrave, visto que a concessão de crédito só poderia ser concedida em caso de imóvel em área legalizada e projeto aprovado, o que se constitui como uma minoria na ocupação do solo no Brasil.

Um outro programa instituído no governo de FHC foi o Programa de Subsídio à Habitação (PSH), que Valença e Bonates (2010) consideram de grande importância, uma vez que proveu o financiamento de unidades habitacionais para a população com renda entre 1 e 3 salários mínimos.

Campos (2006) concorda com a publicação do Ministério da Cidade (2005), quando afirma que políticas como a do programa Habitar Brasil/BID não passavam de um simples repasse de recursos internacionais, que eram gerenciados pelo governo federal e repassado para o poder municipal. Os empréstimos habitacionais nesta fase e até os dias de hoje se limitam à atuação do setor privado, através do Programa de Arrendamento Residencial e do Programa Carta de Crédito que concede empréstimos individuais. Ambos os programas não atendem a população de menor renda.

Em 1999 foi criada uma importante lei que diz respeito ao provimento de moradia para as classes mais baixas através da locação: Programa de Locação Social. Esse programa instituiu uma nova forma de tratar o déficit habitacional no Brasil, uma vez que não previa apenas a construção de novas unidades ou a reforma das existentes, mas também a locação de espaços disponíveis para moradia. (CARICARI e KOHARA, 2006).

O mesmo previa, também, parâmetros de priorização na escolha dos beneficiados por este programa, como: “habitar em condições subumanas; em área de risco iminente; ou ter sido sua habitação atingida por alguma espécie de catástrofe; ter seus filhos matriculados em escolas ou cursos educacionais regulares; ser mulher ou idoso, arrimo de família; ser idoso em forma de abandono.” (CARICARI & KOHARA, 2006, p. 125).

Soares (2007) cita que, em relatórios elaborados pelos técnicos do Ministério das Cidades - criado no governo Lula - e também de acordo com Ermínia Maricato em entrevista a Revista Carta Maior, houve um aumento no déficit habitacional, principalmente entre as classes de menor poder aquisitivo, durante o governo de FHC.

Entre 1998 e 2003, nosso déficit habitacional aprofundou-se, atingiu cerca de 7 milhões e famílias, sendo 93% delas com renda inferior a cinco salários mínimos [...].Na gestão FHC, a política habitacional ignorava a população que ganhava de 0 a 7 salários mínimos, sendo que a maior parte dos recursos eram aplicados em faixas de renda acima destas. Situação reproduzida historicamente e que marca uma continuidade nas práticas de intervenção da política habitacional. (SOARES, 2007, p. 98)