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A programação em emissoras do campo público na Europa e nos Estados

3. RADIODIFUSÃO PÚBLICA NO BRASIL

3.3 A PROGRAMAÇÃO COMO FATOR DE DIFERENCIAÇÃO EM UMA

3.3.2 A programação em emissoras do campo público na Europa e nos Estados

O serviço de radiodifusão com estações de rádio regulares surge na Europa, na década de 1920, explorado por grupos empresariais. Mas, de acordo com o relatório “Sistemas Públicos de Comunicação no Mundo – experiências de doze países e o caso brasileiro” (INTERVOZES, 2009), logo os custos elevados dessa nova tecnologia e a dificuldade de financiamento privado levam a prática, enquanto “atividade econômica”, ao fracasso. No Reino Unido, a pioneira

British Broadcasting Corporation (BBC) migra, em 1927, das mãos dos empresários para o

controle do governo britânico. O monopólio estatal na terra da Rainha dura até 1954, quando é criada a Independent Television Network, com renda obtida pela venda de anúncios. Mas a privatização dos meios de comunicação na Europa (rádio e TV) só se dá nos anos 1980, apoiada no surgimento da tecnologia digital, na difusão por cabo e na internet.

Segundo o relatório citado acima (INTERVOZES, 2009), nas cinco décadas anteriores, as rádios e, posteriormente, as redes de televisão de nações como Alemanha, Itália, França, Espanha e Portugal eram mantidas com recursos do Estado. Isso nos ajuda a entender porque a radiodifusão é convencionalmente tratada na Europa como um serviço público, como o são a educação e as Forças Armadas.

E não demorou para que os governantes percebessem a importância dessa atividade. Em um momento de extrema instabilidade político-econômica e social, que resultou em duas grandes Guerras, o novo meio de comunicação era visto como forte instrumento de persuasão, propaganda política e mobilização nacional – usado estrategicamente a serviço dos projetos políticos e ideológicos que estavam no poder.

Com a redemocratização dessas nações no pós-guerra, conforme apresentado no documento organizado pelo Intervozes (2009), a sociedade europeia começa a ter um entendimento melhor sobre o papel dos veículos de comunicação de massa no dia a dia das comunidades. As emissoras de rádio e TV passam a ser tratadas como instrumentos imprescindíveis à construção da cidadania. Dessa forma, diminui a influência das autoridades que estão no poder sobre o conteúdo e a administração dos veículos públicos.

Apesar do pioneirismo científico e tecnológico europeu, a primeira estação de rádio surge nos Estados Unidos, em 1916, um pouco antes que no velho continente. E não demora muito ao primeiro comercial entrar no ar. As companhias norte-americanas reivindicavam o direito de explorar o serviço e logo a quantidade de emissoras privadas se multiplicou pelo país. O excesso de transmissões em solo norte-americano, como revela Intervozes (2009), exige a presença do Estado, no entanto, como um ente regulamentador da atividade, e não como um ente explorador.

As gestões desses sistemas de radiodifusão possuem particularidades em cada país. De acordo com o relatório do Intervozes (2009), a influência de partidos políticos é mais marcante em algumas nações europeias, como na Itália. Mas uma característica é bem marcante nas gestões de rádio e TV públicos na Europa: a presença de conselhos diretores e instâncias deliberativas “independentes”, compostos por representantes da sociedade, responsáveis pela condução e pelo monitoramento dos trabalhos e da programação de cada emissora custeada com recursos públicos.

A abertura do sistema de radiodifusão para a iniciativa privada na Europa, no final da década de 1970 e início da década de 1980, levou à queda significativa na audiência de algumas emissoras públicas. Essa perda de ouvintes e de telespectadores, somada aos altos custos diante de uma crise econômica que afeta os cofres da maioria das Nações, leva a população ao questionamento sobre a viabilidade de muitas dessas emissoras públicas.

No entanto, outras emissoras como a BBC e a alemã Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) mantiveram-se na liderança. Sob o ideal de garantir a pluralidade de visões na programação, a gestão da ZDF, por exemplo, é comandada por um diretor-geral, cujo trabalho é supervisionado por um conselho de radiodifusão e por um conselho administrativo: comitês independentes compostos por representantes de grupos da sociedade, como partidos, sindicatos, organizações empresarias e entidades de defesa de direitos (INTERVOZES, 2009, p. 52).

Na França, a participação do Governo e do Parlamento – definindo políticas e aprovando regulamentos – é expressiva na Comunicação Pública. No entanto, a existência de um Contrato de Objetivos e Meios (entre o Governo e a France Télévisions29), que estabelece, entre outras coisas, o orçamento para o setor; e a figura do Conselho Superior do Audiovisual, indicando dirigentes e monitorando a programação dos canais de televisão, são determinantes na atuação das emissoras públicas.

O diferencial das emissoras públicas, tanto de rádio quanto de televisão, na França, está na diversidade da programação. O sistema Radio France se divide entre o jornalismo (com reportagens, debates, programas com enfoque regional, peças voltadas a História do país) e os variados estilos musicais, o que lhe garante participação significativa na audiência (28% do

share30). O conteúdo nos canais de TV abrange desde a informação, passando por programas sobre natureza e descoberta, até peças de caráter cultural, esporte, filmes e séries de ficção. “O ‘Contrato de Objetivos e Meios 2007-2010’ define como estratégia editorial a tríade

criatividade, diversidade e cidadania” (INTERVOZES, 2009, p. 168).

Quando se fala em reputação e qualidade na radiodifusão logo se pensa em BBC. A companhia do Reino Unido é referência em todo o mundo, muito mais pela independência e pluralidade editoriais, do que pela condição jurídica a que está submetida31.

Mendel (2011, p. 83) destaca em sua pesquisa que o acordo32 firmado entre a Secretaria Britânica de Estado da Cultura, Mídia e Esporte e a BBC estabelece os propósitos públicos da companhia de radiodifusão. A cláusula 14 do referido acordo diz que o conteúdo dos serviços públicos deve ser de qualidade, original, inovador, desafiador e atraente. Entre outros objetivos a programação da BBC deve estimular o interesse por uma série de assuntos e questões; refletir e fortalecer a identidade cultural e enriquecer a vida cultural por meio de ‘excelência criativa com conteúdos originais e distintos’; promover a consciência sobre culturas e pontos de vistas diferentes, inclusive crenças religiosas diferentes.

Outro destaque verificado por Mendel (2011) em emissoras públicas da União Europeia é a obrigação de encomendar programa de produtoras independentes, o que abre espaço para a experimentação. No caso da BBC, essa é a origem de 25% dos programas em algumas categorias.

30 Share ou Market Share são expressões de origem inglesa utilizadas na área de marketing para designar quota ou

fatia de mercado que determinada empresa tem em comparação com as concorrentes. Fonte: KOTLER, Philip – Administração de Marketing – 10a Edição, 7a reimpressão – Tradução Bazán Tecnologia e Linguística; revisão técnica Arão Sapiro. São Paulo: Prentice Hall, 2000. Disponível em: <http://www.arbache.com/blog/marketshare>. Acesso em: 31 jan. 2017.

31 A BBC opera sob as regras da Carta Real (Royal Charter). De acordo com Mendel (2011, p. 81), “o fato de a

Carta ser periodicamente renovada e ter status de legislação secundária significa que a BBC é formalmente menos segura do que as companhias do serviço público de radiodifusão que operam sob mandato estatutário”. Mas o próprio Mendel (2011, p. 88) é rápido em afirmar que existem “outros mecanismos para ajudar a assegurar que a BBC esteja atenta às necessidades públicas e ao cidadão”. E o próprio artigo 6º (1) da Carta, é claro ao determinar a seguinte condição: “A Empresa deverá ser independente nos assuntos relacionados ao conteúdo de sua produção, aos horários e à forma das transmissões, e no gerenciamento das suas questões”.

32 O Acordo é um contrato assinado entre o ministro de Estado da Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido e o

BBC Trust, órgão administrativo mais alto da Companhia, e é voltado, principalmente, aos propósitos públicos dos serviços oferecidos pela BBC (MENDEL, 2011).

Ainda de acordo com a pesquisa de Mendel (2011), apesar do aumento das opções de canais de comunicação de massa, sobretudo a partir do padrão digital de transmissão, em lugares onde as emissoras de serviço público gozam de mais independência e recebem quantidade razoável de recursos públicos, elas permanecem com uma fatia grande da audiência.

Tal fato, segundo o autor, pode ser explicado pela necessidade que a população sente em recorrer a uma fonte central de notícias confiáveis. Quase todas as emissoras pesquisadas por ele têm o dever de transmitir notícias e atualidades, com alta qualidade, precisas, confiáveis e variadas, por meio das quais, os cidadãos possam se informar e tomar suas decisões.

Isso entrelaça-se bem com a obrigação bastante difundida das emissoras públicas de combinarem uma programação de amplo apelo com uma programação direcionada a públicos específicos, podendo incluir uma programação que sirva às necessidades específicas das comunidades indígenas e de minorias emergentes, bem como os gostos e aos interesses alternativos que podem não ser bem servidos por uma transmissão direcionada aos interesses comerciais do mercado (MENDEL, 2011, p. 95).

Apesar de Bucci (2014) condenar o entretenimento como conteúdo em uma emissora pública, Mendel (2011) verifica que a maior parte da programação nos países pesquisados é composta por música, dramaturgia e esportes, que estão relacionadas à obrigação das emissoras públicas de promover a cultura nacional e local, pois “muitas vezes, é por meio de entretenimento que o aprendizado e o sentido de uma identidade cultural são promovidos, que a compreensão da história nacional e do desenvolvimento é expandida, e que um ambiente vibrante de cultura nacional é cultivado” (MENDEL, 2011, p. 95).

A programação na rede de radiodifusão pública dos Estados Unidos, de acordo com Intervozes (2009), é definida conforme necessidades e especificidades locais de cada emissora. Os temas e formatos dos conteúdos são os mais variados, mas, nesse ponto, a pluralidade não corresponde ao que autores brasileiros apresentados nesse trabalho defendem para uma programação pública. Entre as categorias temáticas definidas pela PBS33 estão “lar e hobbies” (cozinha, lar, entretenimento em geral) e “vida e cultura” (cotidiano, identidade cultural, espiritualidade, religião), que são apresentadas por meio de talk-shows34, animações, programas de variedades. Apesar de diversos e da ênfase na educação, os produtos da radiodifusão pública norte-americana estão muito próximos dos produtos da rede comercial.

33 A PBS é uma organização não-comercial, integrante do sistema norte-americano de radiodifusão pública, cujo

objetivo principal é distribuir conteúdo televisivo em nível nacional (INTERVOZES, 2009).

34 Expressão em inglês para um gênero de programa de rádio ou TV caracterizado pela presença de um ou mais