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Segmento universitário da radiodifusão brasileira

3. RADIODIFUSÃO PÚBLICA NO BRASIL

3.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E AS RÁDIOS EDUCATIVAS

3.1.1 Segmento universitário da radiodifusão brasileira

As rádios universitárias surgem no Brasil na década de 1950 (antes mesmo da Lei Federal nº 4.117 de 1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações), como emissoras-laboratório, no sentido de serem rádios amadoras. Foi o caso da Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que recebe autorização para atuar com uma programação destinada a “ensinamentos” e entra no ar em primeiro de julho de 1950 (ZUCULOTO, 2010).

Somente a partir do Código Brasileiro de Telecomunicações, as emissoras outorgadas a Universidades (públicas ou privadas) recebem a distinção de canal educativo. Mas, como bem lembra Deus (2003, p. 309), a legislação “não determina que papel deve cumprir uma emissora que, além de universitária, está vinculada a uma universidade pública”. A primeira delas criada sob o crivo da nova legislação é a Rádio Universitária de Goiás (UFG). Kossa (2010) revela que, originalmente, a administração da UFG desejava uma imprensa universitária inovadora, moderna, voltada à educação do povo, à divulgação científica e cultural. Seria ainda um instrumento em prol da reverberação das reivindicações populares, atuando como sistema autônomo de informação, com a participação de associações e sindicatos, sem deixar, no entanto, de fazer a ponte entre os eventos da universidade e o povo.

De acordo com Zuculoto (2010), as primeiras rádios universitárias optam por uma programação musical diferenciada das rádios comerciais – veiculando, por exemplo, MPB, música regional e música erudita – além da divulgação de notícias relacionadas à Instituição mantenedora e ao ensino de forma geral. O perfil laboratorial leva essas rádios a um importante papel no apoio a formação de alunos de cursos de Engenharia, de Jornalismo e de Radialismo. No entanto, fora da academia tinha pouca repercussão.

Entre os anos 1970 e 1980, lembra Zuculoto (2010), a radiodifusão educativa atinge seu ápice no Brasil, com a expansão das FMs e com a intenção do governo militar em utilizar a radiofonia como canal de divulgação e formação da opinião pública em favor das suas ideias. Mas as emissoras ligadas a universidades se expandem de maneira mais tímida.

Para Deus (2003), a falta de amparo legal pode ter levado essas rádios a permanecerem isoladas, sem missão definida, atuando conforme o entendimento de cada administração e, na maioria das vezes, reproduzindo o que fazem as rádios comerciais.

Experiências como a formação de rede entre as rádios Universitárias para cobertura da 46ª Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (Vitória-ES), ou ainda para a cobertura do Plano Decenal de Educação (Brasília-DF), ambas em 1994,

obtiveram resultados tão positivos que demonstram um caminho para a missão desse segmento, defende Zuculoto (2010). Outras coberturas jornalísticas em rede se sucederam, mas o entusiasmo dos diretores e de outros profissionais envolvidos com as rádios universitárias não foi suficiente para garantir um fortalecimento dessas emissoras.

Em entrevista à pesquisadora Valci Zuculoto, o ex-diretor da rádio MEC18, Luiz Alberto SANZ, atribui aos gestores das Instituições de ensino e aos próprios governantes, o fracasso na fundação da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio, Televisão e Produtoras Universitárias19. “Acho também que as Universidades nunca assumiram o nosso sonho de uma rede pública como sendo o delas. A maioria dos reitores, como políticos, está interessada em saber como pode usar os veículos de comunicação para promover-se e evitar problemas” (SANZ, 2009 apud ZUCULOTO, 2010, p. 153).

Apesar do insucesso, as rádios universitárias continuaram se organizando em rede para cobrir a SPBC até 2002. O período foi marcado pelo surgimento de várias FMs educativas e universitárias, inclusive a rádio Universitária FM de Natal, sobre qual nos debruçaremos mais adiante. Zuculoto (2010) lembra que foi também nesse momento que essas emissoras começaram a se “autoproclamar” rádios públicas. Mesmo ligadas diretamente a governos ou instituições do Estado – e, portanto, mais próximas do conceito de estatais – o trabalho que vinha sendo desenvolvido e amadurecido no âmbito dessas rádios (clarificado com o intercâmbio de projetos e ideias durante as formações de Rede) levam os profissionais a entender ser possível classificar, pelo menos, a programação como de uma Rádio Pública. “Programação voltada ao interesse público, prestando, à sociedade, serviço cultural, educativo e de estímulo ao exercício da cidadania” (op. cit., p. 157).

Schröder20 (2009 apud ZUCULOTO, 2010, p. 66) ressalta que Habermas considera público, por essência, o exercício da atividade de comunicação, tendo em vista a escassez do espectro que é administrada pelo Estado. Mas é enfático ao afirmar que o que torna uma emissora de TV e rádio públicas não é a sua natureza, e sim o seu conteúdo.

18 A Rádio MEC FM, sucessora da pioneira Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, é hoje uma das rádios geridas

pela Empresa Brasil de Comunicação.

19 Associação Brasileira das Emissoras de Rádio, Televisão e Produtoras Universitárias foi fundada em 5 de

outubro de 1995, mas não chegou a ser registrada.

20 Celso Schröder é jornalista, professor e ex-coordenador geral do Fórum Nacional pela Democratização da

Comunicação (FNDC). SCHRÖDER, Celso. Democratização da Comunicação. In: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (org.). Mídia e Psicologia: produção de subjetividade e coletividade. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009. p. 341-346

A verdade é que as rádios Universitárias estão aí, conforme registra Deus (2003), produzindo conteúdo, ajudando na formação de estudantes de comunicação social, influenciando ouvintes, mas sem qualquer orientação ou definição funcional específica.

As conclusões não são nada favoráveis sobre a atuação das rádios universitárias no Brasil. Sandra de Deus, que se dedica a refletir sobre o papel dessas emissoras ligadas a Instituições Federais de Ensino Superior, verifica o subaproveitamento do potencial desse segmento da comunicação de massa que poderia contribuir para o desenvolvimento das Universidades e para a transformação da sociedade. “[...] observa-se que estão – quase – todas voltadas para uma programação descompromissada que não pratica jornalismo de qualidade, que não se preocupa com as manifestações culturais da região e não segue um projeto educacional” (DEUS, 2003, p. 310).

Na Argentina, destaca a autora brasileira, as discussões e conquistas sobre emissoras universitárias estão mais avançadas que no Brasil. O país vizinho, por exemplo, já apresenta uma Lei de Meios21. De acordo com Deus (2003, p. 312), a Asociación de Radiodifusoras de

Universidades Nacionales de la Argentina (ARUNA) entende que o papel de uma emissora

universitária é promover as diferentes expressões culturais, a participação cidadã, os princípios democráticos, os direitos humanos, ações jornalísticas voltadas ao bem comum, além da divulgação científica e da extensão universitária.