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4. A RADIODIFUSÃO PÚBLICA SEGUNDO A UNESCO

4.2 ESTUDOS DA UNESCO E OS PRINCÍPIOS DEFENDIDOS PARA UMA

4.2.3 Independência

Bucci (2014) apresenta a nossa base para o conceito de independência funcional em uma emissora pública. O autor visualiza três vertentes interligadas e necessárias à ideia de autonomia e liberdade de expressão: independência financeira, independência administrativa e independência editorial.

Quadro 5 - Três aspectos necessárias à ideia de autonomia e liberdade de expressão. Independência Financeira Existência de mecanismos legais que assegurem que os recursos públicos serão aportados independentemente da vontade ou do humor dos governos.

Independência Administrativa Capacidade da emissora de tomar as suas decisões executivas autonomamente, sem se subordinar a autoridades externas, conduzindo livremente a sua gestão cotidiana.

Independência Editorial A escolha dos programas, das equipes e das pautas jornalísticas devem ser decisões internas, não se reportando, em nenhum momento, à aprovação de autoridades externas.

Fonte: BUCCI (2014, p. 96).

Como já deixamos claro nesse estudo, o objeto de pesquisa está focado na programação jornalística da Rádio UFM. Dessa forma, mesmo acreditando que o conceito “independência” só se concretiza com o atendimento às três vertentes, nos limitaremos a estudar e analisar a independência editorial da emissora, porque compreendemos ser possível, em certa medida, atender aos anseios da sociedade e ao interesse público, mesmo mantendo dependência

financeira e administrativa dos Governantes. Além disso, diante das recentes mudanças na política de comunicação do Governo Federal, com alterações substanciais na gestão da EBC, julgamos que as independências financeira e administrativa das emissoras do campo público ficaram mais distante.

O jornalismo tem em sua concepção a verdade e a independência funcional como fundamentos da atividade. Mas esses são valores a serem perseguidos diuturnamente por quem trabalha sob o julgamento dos números da audiência, do patrocínio publicitário ou do poder político. Por acreditar que esses fatores contaminam a programação, UNESCO (2001) defende o afastamento deles da rotina de uma emissora pública.

A radiodifusão pública é um fórum onde as ideias devem ser expressas livremente, onde circulam informações, opiniões e críticas. Isso só é possível se a independência - portanto, a liberdade - da radiodifusão pública for mantida contra pressões comerciais ou influência política. [...] Na verdade, se as informações fornecidas pela emissora pública fossem influenciadas pelo governo, as pessoas não acreditariam nelas. Da mesma forma, se a programação da emissora pública fosse projetada para fins comerciais, as pessoas não compreenderiam por que eles estão sendo solicitados a financiar um serviço cujos programas não são substancialmente diferentes dos serviços prestados pela radiodifusão privada (UNESCO, 2001, p. 12, tradução livre a partir do inglês).

Para Mendel (2011), apesar de ser óbvio que uma emissora de serviço público, financiada com recursos públicos, não possa servir a interesses particulares de qualquer sujeito envolvido ou não com o aparato estatal, a necessidade de proteger essas emissoras é mundial. “(...) em muitos países, a maior ameaça à radiodifusão pública advém precisamente das tentativas de controle das emissoras públicas pelo governo e da subordinação da transmissão dessas emissoras aos interesses dos poderes vigentes” (MENDEL, 2011, p. 7). Essa questão segue como um problema que dificulta principalmente a definição dos limites entre as emissoras estatais e as emissoras públicas, ambas, pelo menos no Brasil, ainda muito envolvidas com o poder político.

Agir com independência e crítica diante do mercado e do poder político requer uma consciência e, por que não dizer, coragem do jornalista. Seja qual for o sistema de comunicação onde esse profissional esteja inserido, dificilmente falaremos de absoluta liberdade, isenção e completo isolamento do veículo de comunicação com qualquer envolvimento ou pressão externos. Independência se vê na prática, no exercício diário do mister, tem a ver com respeito à ética profissional. Passa inclusive pela autocensura e pela omissão, quando se escolhe não

noticiar certos temas porque podem causar constrangimento aos gestores, e, em situações mais extremas, a perda de gratificações ou até mesmo do emprego em casos de emissora privada.

A condição de servidor público que tem a seu favor a estabilidade no serviço e a lei que o conduz a agir conforme o princípio da supremacia do interesse público44 não pode ser ignorada pelos autores desse processo comunicacional.

A integridade editorial do jornalismo pode ser protegida, até certa medida, por sistemas de regulamentação da mídia, tanto para o setor público, quanto para o estatal e o privado. Deixando claro, aqui, que regulamentação não é controle. Bucci (2014) exalta a existência de leis nos Estados Unidos e no Reino Unido, que impedem a interferência de governantes no conteúdo e na administração de emissoras públicas, e ainda procuram combater o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação.

Nos mercados em que não existem marcos regulatórios democráticos para a radiodifusão, a liberdade se fragiliza e as chances de interferência do poder na programação aumentam consideravelmente. Prova disso é o que se passa no Brasil. Entre nós, praticamente todas as emissoras públicas, durante todo o tempo, ficam expostas aos caprichos das autoridades (BUCCI, 2014, p. 70). A importância da regulamentação também é reconhecida em UNESCO (2016). A lei pode trazer mecanismo que protejam o jornalismo contra pressões de autoridades políticas e contra forças do mercado, e que ajudem a colocar em pauta nas redes comerciais assuntos “pouco lucrativos”. O relatório “Tendências mundiais sobre liberdade de expressão e desenvolvimento de mídia” cita ainda a existência de normas em alguns países que visam a garantir o compromisso das estações privadas com o interesse público, como as que versam sobre a cobertura das eleições no Brasil.

Essa busca por um canal livre e independente faz surgir na internet grupos que oferecem um jornalismo investigativo, opinativo e ilustrativo, atraem um público cada vez maior, consolidam-se como um espaço alternativo aos meios convencionais, mas que muitas vezes não possuem os padrões de compromisso com a verdade e de responsabilidade profissional necessários ao fortalecimento do jornalismo.

Longe de questionar a importância da mídia alternativa online, é possível reconhecer que a mídia pública (sobretudo aquela formada por servidores efetivos e estáveis) pode unir a

44A respeito do princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado, Bandeira de Mello (2014,

p. 102) diz: “[...] os sujeitos da Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de seu próprio organismo, qua tale considerado, e muito menos o dos agentes estatais”.

liberdade editorial – por constituir um fórum independente dos recursos de mercado e da dotação orçamentária governamental para manter os empregos – à responsabilidade e à credibilidade exigidas pelo cidadão.