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A proletarização docente segundo os preceitos marxista

1.2 Alguns elementos do conceito de trabalho e seu desdobramento para a docência

1.2.4 A proletarização docente segundo os preceitos marxista

A concepção de docência como proletarização parte do conceito de classe trabalhadora. Nela, o professor se vê submetido aos organismos que pensam e planejam a educação: a política educacional, o dirigente de ensino, a direção e tantos outros. Como trabalhador, ele se submete ao poder exercido hierarquicamente e tem sua liberdade de trabalho cerceada. Toda sua autonomia criativa e experiência profissional também são desconsideradas. Nesse conceito, as condições de trabalho são relativas ao setor de serviço no qual está incluída a função exercida pelo professor.

Nicanor Sá (1986)defende a existência de um movimento de proletarização do trabalho docente. Entre seus argumentos, o autor ressalta as mudanças no sistema de ensino que acompanham as alterações no modo de produção capitalista, no qual se observa uma divisão do trabalho docente que retira do professor a propriedade de seu meio de produção, o conhecimento.

Para esse autor, a essência do trabalho pedagógico não se enquadraria, a princípio, na divisão de trabalho da produção capitalista. No entanto, a submissão desse profissional ao sistema escolar coloca-o nessa condição, de modo a desencadear uma unidade da categoria pela questão salarial, o que novamente aponta uma proletarização, pois nesse caso é reconhecida a subordinação da atividade pedagógica a relações capitalistas. Em decorrência disso, esse professor torna-se ainda mais proletário com a expropriação de seu saber e é reduzido a um trabalhador parcelar. Esse fator se dá inicialmente com a desorganização da escola que o autor chama de artesanal, dando lugar à divisão do trabalho. Assim, o professor passa a possuir unicamente sua força de trabalho, como qualquer outro proletário:

A introdução e aprofundamento da divisão técnica do trabalho escolar, a expropriação dos meios de produção e de transmissão do saber escolar, o regime salarial baseado no arrocho, e as grandes empresas educativas privadas e estatais põem em cheque definitivamente a concepção e a prática da dita escola tradicional. Sua existência foi completamente inviabilizada pelo

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assédio constante dos novos materiais didáticos, cursos de treinamento, e ação dos aparelhos burocráticos (supervisão, inspeção e fiscalização). O abandono é a forma mais decisiva de destruição da escola. (SÁ, 1986 p. 27)

De acordo com Sá, os baixos salários da categoria eram compensados por certo status de dignidade social da profissão. À medida que tem início a proletarização da categoria, esse mito não mais se sustenta e cai, fazendo da docência um trabalho como qualquer outro. As exigências intelectuais que outrora o diferenciavam são perdidas para o capital e não mais sustentam sua diferenciação no mundo do trabalho.

[...] a fragmentação do trabalho na escola; a hierarquização de funções com a construção de poder nas mãos de alguns especialistas; forte controle sobre os professores, funcionários e alunos; perda de autonomia por parte dos professores sobre o seu trabalho; funcionários que não se sentem comprometidos com a ação educativa da escola; saber cada vez mais fragmentado; várias instâncias pedagógico-administrativas espalhadas e hierarquizadas por todo o sistema de ensino e outras características desse tipo que poderiam ser relatadas. (HYPOLITO, 1997, p. 5)

Para o autor, essas características acarretam uma desqualificação que não atende as exigências de um profissionalismo para docência, uma vez que a autonomia é mais imaginada do que real e a função é despersonalizada, uma docência de resultados, mais no campo da proletarização.

Trabalhos recentes sobre a temática da proletarização docente também apontam essa desqualificação da prática pedagógica aliada à organização escolar e à baixa remuneração. Com base nos escritos de Karl Marx, a proletarização do trabalho é imbuída de uma perda constante sobre o domínio do processo de trabalho por parte do trabalhador. A desqualificação encontra-se associada a tal movimento, ao considerar o trabalhador como parte integrante dos mecanismos de valorização do capital.

Quando abordamos a proletarização na educação, imediatamente nos perguntamos sobre a especificidade do trabalho docente. Álvaro Hypolito (1997), estudioso do assunto, compreende duas direções para essa discussão. A primeira considera a escola um local de trabalho diferente de outras instâncias, com características peculiares que o capitalismo não consegue abarcar por completo. Já

51 a segunda, apesar de identificar diferenças, acredita que a lógica capitalista da fábrica é a mesma existente no interior da escola.

Essa discussão baseia–se fundamentalmente nos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo de Karl Marx. De acordo com o autor, o trabalho produtivo é aquele que produz a mais–valia por meio da troca por salário e deixa o excedente nas mãos do detentor dos meios de produção, o capitalista. Hypolito traz essa reflexão para o trabalho docente e ressalta o fato de que professores da rede privada são considerados trabalhadores produtivos em oposição aos da rede pública. Em outras palavras, apenas os primeiros teriam uma produção material. Apesar da polêmica levantada por tais tópicos, Hypolito explicita que a natureza do trabalho em nada modifica o problema da submissão desse trabalho à lógica capitalista de organização. Nicanor Sá (1986) também critica a natureza do trabalho educativo. Para ele, a busca pela natureza das coisas carrega uma determinação imutável da educação, visão puramente idealista - não materialista nem dialética, que consideram as relações de produção históricas e mutáveis. O autor destaca que Marx baseou-se nas condições objetivas de sua época e que, no decorrer da história, a sociedade passou por diversas transformações. No caso da educação, Sá menciona o trabalho parcelar da escola: “o resultado principal de mudança no processo de trabalho é a separação entre o produto e o processo de produção. A aula torna-se independente do professor, podendo ser alienada como qualquer outra mercadoria no mercado: o pacote didático é um dos exemplos” (SÁ, 1986, p. 24).

Para Hypolito, a realidade da escola possui muitas contradições. O controle e a fragmentação do trabalho do professor, bem como a perda de sua autonomia pedagógica, não são processos que ocorrem de forma linear e tranquila. O professor busca formas de superar tais condições, descartando assim o trabalho fabril como categoria analítica aplicada de forma absoluta ao processo de trabalho escolar. Assim, seria preciso “encontrar a particularidade, e não a especificidade, do desenvolvimento do processo na escola” (HYPOLITO, 1997, p. 11).

A docência passa por um processo de proletarização, proveniente não só da questão salarial. Por ser este um trabalhador que vende sua força de trabalho, não possui controle sobre os meios, os objetivos e os processos de trabalho. Hypolito diz

52 que ainda há certo controle sobre o trabalho docente, situação entendida como ambivalente, posto que está entre o profissionalismo e a proletarização.

O oposto ao profissionalismo é a proletarização. Neste caso, além da força de trabalho ser vendida, o trabalhador não possui nenhum controle sobre os meios de produção, sobre o objeto e o processo de trabalho. Não possui autonomia, constituindo-se num trabalhador coletivo. Seu saber, ao longo do desenvolvimento do processo de trabalho é apropriado pelo capital e incorporado ao processo de produção. Passa, o trabalhador, por um fenômeno de desqualificação. (HYPOLITO, 1997, p. 13)

Marx, ao descrever o trabalho proletarizado, o faz no contexto histórico de centralidade do trabalho operário, da industrialização, sem um processo claro de divisão do trabalho em setores. Ao tomar a historicidade das relações capitalistas de produção, é necessário considerar os mecanismos de autovalorização do capital. Eles incluem mudanças nas formas de organização da produção e do trabalho, tendo como uma de suas características principais a crescente terceirização da economia. Percebe-se ainda que há uma ampliação no entendimento do conceito de classe trabalhadora, integrando nessa categoria os tradicionais trabalhadores da indústria, os do setor de serviços, bem como o trabalhador rural, o trabalhor precarizado e o subempregado (ANTUNES, 2000).

Para Hypolito, as condições impostas para a docência no Brasil têm acarretado grande precariedade. Houve a implantação de um modelo técnico-burocrático de sustentação, caracterizado pela suposta “modernização” das funções exercidas nas escolas, processo pautado pela burocracia. Ressalta-se também as relações de poder, o padrão do especialista, a racionalização administrativa e a hierarquia de funções.

Para docência, a vivência em um ambiente de trabalho fragmentado, aliada à divisão do trabalho, à introdução dos especialistas, à separação entre o conceber e executar, à perda de poder sobre o processo pedagógico e à diminuição da interferência sobre os conteúdos e métodos de ensino, exige diferentes respostas a todo esse apanhado de situações. O cotidiano escolar tem colocado o professor na condição de proletário.

Percebemos, assim, que o trabalho docente não está imune à lógica capitalista. Entretanto, o modelo fabril não pode ser utilizado mecanicamente para análise da

53 escola, uma vez que ela é composta por elementos contraditórios próprios do seu desenvolvimento.